terça-feira, 2 de junho de 2015

UM GÊNIO QUE ENCONTROU O PARAÍSO NO ESGOTO - Parte 11

Continua...
 Pedro encosta-se na parede, coloca a cabeça dentro da pedra e vai caminhando vagarosamente. Pedra por pedra, na altura dos seus olhos, ele analisando. Na volta ele se abaixa um pouco. Na quarta pedra ele pára. Tira a cabeça da parede, olha para o amigo e dá um sorriso. João, impaciente, indaga:
-E aí, encontrou?
-Calma gajo. Pode ser que sim, pode ser que não. Mas tenho esperança que seja nesta pedra o início do caminho da liberdade. Comece a raspar esta junta. Acredita que a gente consegue.
Sem falar nada, João pega a sua ferramenta e começa a raspar as juntas das pedras. Quando ele forçou mais a fivela na massa, para a sua surpresa, ela cedeu. Começou a se soltar como se fosse farinha. Ela estava completamente solta. A pedra só não caiu, porque estava bem equilibrada em cima da outra. E se surpreendeu mais ainda, quando com a ponta da fivela fez uma alavanca e a pedra se soltou na sua mão. Era apenas uma casca de granito, que não passava de cinco centímetros de espessura. Sorriu ao constatar também, que por traz tinha um enchimento de barro. Sorriu novamente e falou para o amigo:
-Pedro. Eu acho que basta eu empurrar isso aqui, para o bloco todo se soltar.

O amigo pediu para que ele esperasse. Passou para o outro lado e foi ver se não havia nenhum perigo para o prisioneiro daquela cela. Voltou e deu ok. João forçou um pouco e sentiu que o conjunto se movia. Não demorou muito e o outro pedaço de pedra, juntamente com o bloco de barro, despencou. Por sorte o barulho não foi muito. Foi apenas um som abafado. Nesse instante o sorriso já inundava a cara dos dois. João não se conteve e tentou abraçar o amigo. Aí acabaram rindo ainda mais, tendo em vista que Pedro atravessou o corpo de João. Entre risos falaram juntos:
-Não disse que você/tu estava(s) morto? Não disse?
Desabaram no chão de tanto rir. Tentavam em vão segurar o riso. João percebeu que só a sua risada ecoava. Parou de estalo ao lembrar-se que poderia ser ouvido. De onde estava tentou fechar a portinhola, mas não conseguiu. Só se ficasse segurando. Se largasse ela se abria. Pediu ao amigo para ficar em silêncio, mesmo sabendo que ninguém poderia ver ou ouvir Pedro. Só pediu porque senão seria muito difícil engolir o riso. Finalmente ficaram em total silêncio. Esperaram algum tempo até que se confirmasse que não foram ouvidos. Depois, João se levantou e foi olhar o buraco. Do outro lado estava completamente escuro. A claridade que vinha pela portinhola era muito pouca, ou quase nada. João pediu a Pedro para dar uma olhada para ver se vinha alguém. Pedro saiu e voltou dizendo que estava tudo ok. João foi à parede que dava para o mar e tirou a pedra para deixar a claridade entrar. Pedro já tinha passado para a outra cela. Voltou e comentou:
-João, acho que o nosso vizinho está mais para lá, do que para cá. Parece-me um moribundo. Acho que o pobre não vai aguentar por muito tempo.
João olhou para o interior da cela vizinha e ficou chocado com a cena que viu. A pouca claridade que invadiu o local deu para visualizar um monte de pele enrugada jogada no chão. O homem era uma pele sem nenhum viço cobrindo um monte de ossos. João, que era filho de judeus, se lembrou de fotos que havia visto do holocausto da segunda grande guerra. Ali estava ao vivo e a cores. Sem perceber já estava com o rosto banhado de lágrimas. Tentou falar alguma coisa, mas não conseguiu. Respirou fundo e enxugou o rosto com a camisa, que de tão suja deixou-o com as faces manchadas de negro. Olhou para o amigo e desabafou:
-“Pedro o que é isso? Como pode um ser humano fazer uma coisa dessas com outro ser humano? Olha só no que transformaram esse irmão! Olha só! Um monte de ossos cobertos de pele! É um farrapo humano! Olha só essas feridas! Ele está apodrecendo em vida! Isso não pode estar acontecendo! Meu Deus, eu não posso acreditar no que estou vendo!
-Calma. Não fiques assim. Os guardas quando forem trocar as vasilhas, vendo que elas não foram tocadas, vão olhá-lo. Com certeza vão fazer alguma coisa por ele.”
-E você acredita realmente nisso? A gente nem sabe quando eles virão!
-Claro que não acredito. Só estou dizendo por dizer. É a esperança. Estou apenas querendo acreditar, para não deixar a esperança ser esquecida.
-Esperança. É sempre ela. Mas você tem razão. Se acabarem com a esperança, o que vai restar? Acho que nada. O sorriso pode acabar. E o que podemos fazer?
-Venhas para o lado de cá. Ele precisa de comida e água. Está muito mal, mas quem sabe, com a graça de Deus, ele consegue se erguer! Tu sabes que não tenho como ajudá-lo. Cuidemos dele.
Sem muita dificuldade João passou pelo buraco. Do outro lado, respirou fundo, mas acabou tendo um acesso de tosse, causado por algum agente alérgico que infestava aquele ambiente. Pegou a caneca de água que estava próxima à porta e ainda intocada, e tomou um gole. Depois foi olhar de perto o irmão de infortúnio que estava jogado num canto. Sentou-se ao lado e examinou-o. Quando virou o seu rosto, teve uma grata surpresa: ele abriu os olhos. João sorriu para Pedro e falou-lhe baixinho.
-Pedro ele está vivo! Graças a Deus, cara! Vou dar-lhe um pouco d’água. Depois vamos ver se ele come alguma coisa? O que você acha?
-Acho que está tudo certo. Mas temos que ter cuidado.
-Cuidado com o quê?
-Com os guardas. Mesmo que ele não consiga comer muito, temos que esvaziar todo o conteúdo da vasilha. Se a comida não for mexida, com certeza os gajos abrirão esta porta. Vamos logo.
-Você tem razão. Nem tinha pensado nisso.
João pegou a caneca d’água e o prato, com alguma coisa não identificada. Sentou-se ao lado do infortunado. Pegou a sua cabeça e colocou-a no seu colo. Ministrou algumas gotas de água, que ele sorveu lentamente. João olhou para Pedro e esboçou um sorriso e comentou baixinho:
-Pedro, a vida ainda não partiu. Então vou apostar que ela vai ficar.
Pedro sorriu e, sentindo que o amigo era todo esperança, falou:
-Amigo, acho que ele vai responder à sua fé. Acreditas que ele vai sobreviver e isso vai acontecer. Não és religioso, mas ages como um verdadeiro religioso.
-Pedro, a gente não pode perder a esperança nunca. Não foi você que me disse isso? Será que isso é religião? Olha só, a respiração dele não está mais tranquila? Vou dar mais um pouco de água pra ele. Depois vou tentar dar um pouco desse caldo. Parece água pura. Acho que vou dar logo um pouco.

-Não, espere mais um pouco. Isso parece água, mas não é. Vamos deixá-lo recuperar-se um pouco mais.
                                      Continua semana que vem...

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