Pedro encosta-se na parede, coloca a cabeça
dentro da pedra e vai caminhando vagarosamente. Pedra por pedra, na altura dos
seus olhos, ele analisando. Na volta ele se abaixa um pouco. Na quarta pedra
ele pára. Tira a cabeça da parede, olha para o amigo e dá um sorriso. João,
impaciente, indaga:
-E
aí, encontrou?
-Calma
gajo. Pode ser que sim, pode ser que não. Mas tenho esperança que seja nesta
pedra o início do caminho da liberdade. Comece a raspar esta junta. Acredita
que a gente consegue.
Sem
falar nada, João pega a sua ferramenta e começa a raspar as juntas das pedras.
Quando ele forçou mais a fivela na massa, para a sua surpresa, ela cedeu.
Começou a se soltar como se fosse farinha. Ela estava completamente solta. A
pedra só não caiu, porque estava bem equilibrada em cima da outra. E se
surpreendeu mais ainda, quando com a ponta da fivela fez uma alavanca e a pedra
se soltou na sua mão. Era apenas uma casca de granito, que não passava de cinco
centímetros de espessura. Sorriu ao constatar também, que por traz tinha um
enchimento de barro. Sorriu novamente e falou para o amigo:
-Pedro.
Eu acho que basta eu empurrar isso aqui, para o bloco todo se soltar.
O amigo pediu para que ele esperasse. Passou para o outro lado e foi ver se não havia nenhum perigo para o prisioneiro daquela cela. Voltou e deu ok. João forçou um pouco e sentiu que o conjunto se movia. Não demorou muito e o outro pedaço de pedra, juntamente com o bloco de barro, despencou. Por sorte o barulho não foi muito. Foi apenas um som abafado. Nesse instante o sorriso já inundava a cara dos dois. João não se conteve e tentou abraçar o amigo. Aí acabaram rindo ainda mais, tendo em vista que Pedro atravessou o corpo de João. Entre risos falaram juntos:
O amigo pediu para que ele esperasse. Passou para o outro lado e foi ver se não havia nenhum perigo para o prisioneiro daquela cela. Voltou e deu ok. João forçou um pouco e sentiu que o conjunto se movia. Não demorou muito e o outro pedaço de pedra, juntamente com o bloco de barro, despencou. Por sorte o barulho não foi muito. Foi apenas um som abafado. Nesse instante o sorriso já inundava a cara dos dois. João não se conteve e tentou abraçar o amigo. Aí acabaram rindo ainda mais, tendo em vista que Pedro atravessou o corpo de João. Entre risos falaram juntos:
-Não
disse que você/tu estava(s) morto? Não disse?
Desabaram
no chão de tanto rir. Tentavam em vão segurar o riso. João percebeu que só a
sua risada ecoava. Parou de estalo ao lembrar-se que poderia ser ouvido. De
onde estava tentou fechar a portinhola, mas não conseguiu. Só se ficasse
segurando. Se largasse ela se abria. Pediu ao amigo para ficar em silêncio,
mesmo sabendo que ninguém poderia ver ou ouvir Pedro. Só pediu porque senão
seria muito difícil engolir o riso. Finalmente ficaram em total silêncio. Esperaram
algum tempo até que se confirmasse que não foram ouvidos. Depois, João se
levantou e foi olhar o buraco. Do outro lado estava completamente escuro. A
claridade que vinha pela portinhola era muito pouca, ou quase nada. João pediu
a Pedro para dar uma olhada para ver se vinha alguém. Pedro saiu e voltou
dizendo que estava tudo ok. João foi à parede que dava para o mar e tirou a
pedra para deixar a claridade entrar. Pedro já tinha passado para a outra cela.
Voltou e comentou:
-João,
acho que o nosso vizinho está mais para lá, do que para cá. Parece-me um
moribundo. Acho que o pobre não vai aguentar por muito tempo.
João
olhou para o interior da cela vizinha e ficou chocado com a cena que viu. A
pouca claridade que invadiu o local deu para visualizar um monte de pele
enrugada jogada no chão. O homem era uma pele sem nenhum viço cobrindo um monte
de ossos. João, que era filho de judeus, se lembrou de fotos que havia visto do
holocausto da segunda grande guerra. Ali estava ao vivo e a cores. Sem perceber
já estava com o rosto banhado de lágrimas. Tentou falar alguma coisa, mas não
conseguiu. Respirou fundo e enxugou o rosto com a camisa, que de tão suja
deixou-o com as faces manchadas de negro. Olhou para o amigo e desabafou:
-“Pedro
o que é isso? Como pode um ser humano fazer uma coisa dessas com outro ser
humano? Olha só no que transformaram esse irmão! Olha só! Um monte de ossos
cobertos de pele! É um farrapo humano! Olha só essas feridas! Ele está
apodrecendo em vida! Isso não pode estar acontecendo! Meu Deus, eu não posso
acreditar no que estou vendo!
-Calma.
Não fiques assim. Os guardas quando forem trocar as vasilhas, vendo que elas
não foram tocadas, vão olhá-lo. Com certeza vão fazer alguma coisa por ele.”
-E
você acredita realmente nisso? A gente nem sabe quando eles virão!
-Claro
que não acredito. Só estou dizendo por dizer. É a esperança. Estou apenas
querendo acreditar, para não deixar a esperança ser esquecida.
-Esperança.
É sempre ela. Mas você tem razão. Se acabarem com a esperança, o que vai
restar? Acho que nada. O sorriso pode acabar. E o que podemos fazer?
-Venhas
para o lado de cá. Ele precisa de comida e água. Está muito mal, mas quem sabe,
com a graça de Deus, ele consegue se erguer! Tu sabes que não tenho como
ajudá-lo. Cuidemos dele.
Sem
muita dificuldade João passou pelo buraco. Do outro lado, respirou fundo, mas
acabou tendo um acesso de tosse, causado por algum agente alérgico que
infestava aquele ambiente. Pegou a caneca de água que estava próxima à porta e
ainda intocada, e tomou um gole. Depois foi olhar de perto o irmão de
infortúnio que estava jogado num canto. Sentou-se ao lado e examinou-o. Quando
virou o seu rosto, teve uma grata surpresa: ele abriu os olhos. João sorriu
para Pedro e falou-lhe baixinho.
-Pedro
ele está vivo! Graças a Deus, cara! Vou dar-lhe um pouco d’água. Depois vamos
ver se ele come alguma coisa? O que você acha?
-Acho
que está tudo certo. Mas temos que ter cuidado.
-Cuidado
com o quê?
-Com
os guardas. Mesmo que ele não consiga comer muito, temos que esvaziar todo o
conteúdo da vasilha. Se a comida não for mexida, com certeza os gajos abrirão
esta porta. Vamos logo.
-Você
tem razão. Nem tinha pensado nisso.
João
pegou a caneca d’água e o prato, com alguma coisa não identificada. Sentou-se
ao lado do infortunado. Pegou a sua cabeça e colocou-a no seu colo. Ministrou
algumas gotas de água, que ele sorveu lentamente. João olhou para Pedro e
esboçou um sorriso e comentou baixinho:
-Pedro,
a vida ainda não partiu. Então vou apostar que ela vai ficar.
Pedro
sorriu e, sentindo que o amigo era todo esperança, falou:
-Amigo,
acho que ele vai responder à sua fé. Acreditas que ele vai sobreviver e isso
vai acontecer. Não és religioso, mas ages como um verdadeiro religioso.
-Pedro,
a gente não pode perder a esperança nunca. Não foi você que me disse isso? Será
que isso é religião? Olha só, a respiração dele não está mais tranquila? Vou
dar mais um pouco de água pra ele. Depois vou tentar dar um pouco desse caldo.
Parece água pura. Acho que vou dar logo um pouco.
-Não,
espere mais um pouco. Isso parece água, mas não é. Vamos deixá-lo recuperar-se
um pouco mais.
Continua semana que vem...
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