terça-feira, 26 de maio de 2015

UM GÊNIO QUE ENCONTROU O PARAÍSO NO ESGOTO - Parte 10

Continuando...

            Pedro olha em volta e tenta localizar alguma coisa que possa ser usada como ferramenta. Sai andando, mas sem saber que direção tomar. Poucos metros à frente pára. Ouviu vozes. Eram dois rapazes que vinham na sua direção. Ficou assustado. Não sabia o que fazer. Pensou:
           -Ai Jesus! O que estes gajos farão comigo? Vou fechar os olhos e seja lá o que Deus quiser! Não quero nem ver!
       E assim Pedro fez: fechou os olhos e esperou. O coração só faltava sair pela boca. Não se lembrava de já ter sentido um medo daquele tamanho. Tremia, feito vara verde. E quanto mais as vozes se aproximavam, mais ele sofria. Naquele momento achava que ia desmaiar. Estava quase desabando. De repente, apesar do medo, abriu um dos olhos. Ficou aterrorizado ao ver dois corpos atravessando-o. Não conseguiu gritar, mas arranjou pernas para sair numa tremenda disparada. Em frações de segundos já estava do lado de João, tremendo dos pés a cabeça. O amigo tentou acalmá-lo.
           -O que é isso homem? Viu algum fantasma? A sua palidez é assustadora! Se acalme e me conte o que houve! Respira fundo. De novo. Mais uma vez. Agora fale.
       -Ó pá. Deixa-me refazer do susto. João eu pensei que fosse ser descoberto! Ufá!”
           -Fala logo! Vamos! Desembuche!
           -Calma pá! Saí daqui feliz. Mas quando cheguei defronte àquela porta... Não penses que foi fácil! Não foi fácil! Mas consegui atravessá-la! A vida é assim... Já não me lembrava mais de como era lá em cima. Se bem que muitas coisas foram modificadas. Mas, vamos aos fatos! Quando estava eu a procurar alguma ferramenta, eis que surgem dois gajos. Vinham despreocupadamente em minha direção. E adivinhas o que aconteceu? Fiquei com os pés grudados no chão. Foi tanto medo, que quase me borrei. Sem querer acabei fechando os olhos de pavor. Só em pensar que poderia ser novamente jogado neste cárcere fétido, quase fui às lágrimas. Quando num repente abri um dos olhos, o medo dobrou. Vi quando os dois passaram por dentro de mim. Foi um atropelamento brutal. Fiquei com medo ainda, quando descobri que eram dois fantasmas. Mas graças a Deus consegui fugir. E cá estou eu!
          -Engraçado. Você ficou com medo de fantasma? Amigo! O fantasma é você!
          -Ô gajo! Já vos disse que o único morto aqui, és tu! Os outros dois lá de cima, também são! Vocês três morreram e não foram avisados!
           -Ô Pedro! O seu português está bem misturado, não acha?
           -O que dizes tu?”
           -Quero saber da ferramenta. Conseguiu?
           -Mas como! Depois do episódio que participei, não tinha como preocupar-me com ferramentas! Não achas?
           -Está bem! Está bem! Mas volte lá em cima e me arranje alguma coisa.
           -Nem morto! Nem morto! Vou fugir com o amigo pelo buraco do chão!
           -Sem ferramenta não dá!
           -Damos um jeito!
           -Que jeito Pedro?
           -Eu sei que vamos fugir daqui juntos!
           -Mas se você quiser, já pode fugir. Você não precisa passar pelo buraco do chão. É só sair e mais nada. A hora que você quiser.
          -Aí é que tu te enganas! Para que a liberdade bata à minha porta, eu tenho que conquistá-la, juntamente com o meu caro amigo!
          João olhou para Pedro e ficou emocionado com a fidelidade do amigo. Enxugou a lágrima, que já começava a descer pelo rosto, e pegou a caneca de água que estava próximo à porta, bebeu um pouco e ofereceu ao parceiro. Depois se deu conta de que Pedro não precisava de água. A única sede que ele tinha era de liberdade.
          O trabalho recomeçou. Agora tinha que ter cuidado com o barulho, já que a portinhola estava aberta. Por outro lado era bom, pois tinham mais um pouquinho de luz e um pouco mais de ar. João ficou de joelho e começou a bater no chão. Rodou por toda a cela e nada de achar o ponto certo. Enquanto isso Pedro roía as unhas, demonstrando ansiedade. João olhou para ele e deu a entender que ia desistir. Rapidamente o amigo interveio.
         -Não! Não! Não! Não me digas que vais desistir! Não! Não podes fazer isto! Ô gajo! Continues! Não esmoreças!
         -Mas Pedro, eu já dei três voltas na cela e nada de encontrar a tal suposta passagem, que você disse que existe! Já estou com a mão, o braço e o ombro doendo, de tanto bater nesse chão! Está difícil de aguentar! Vou descansar um pouquinho! Ou, quem sabe, desistir mesmo!
          -Que desistir o quê, homem! Vamos continuar trabalhando! Não temos coisa melhor no momento para fazer! Então! Vamos trabalhar?
         -Você é engraçado mesmo, hein portuga! Vamos? Eu entendi bem? Você disse vamos? Você está sentadinho aí no centro da cela, roendo as unhas e mais nada!
Você falou vamos, então venha me ajudar!
        -Está bem! Está bem! Vou mostrar-te que não estou com má vontade. Vou bater em pedra por pedra até encontrar uma que emita um som mais oco. E lá vou eu!
          Logo na primeira tentativa os dois se assustaram. A mão de Pedro sumiu dentro da pedra. Passado o susto, João deu uma risada, mas, tentando se conter, apontou uma solução para uma possível fuga.
          -Pedro, acho que achei a solução para a gente encontrar a saída.
          -Mas como?
          -Escuta só. Você pode, ao invés de colocar a mão por dentro da pedra, enfiar o rosto no chão e procurar a bendita passagem. Não é genial?
          -Genial? Que genial o quê! Ora pois, pois! Ô pá! Como eu vou botar a minha cara dentro da pedra? Posso ficar com falta de ar! Não pensaste nisto?
          -Que falta de ar o quê! Desde quando alma de outro mundo fica com falta de ar?
          -Já vos disse que não estou morto! O amigo sabe que ainda não parti desta para a melhor! Ô gajo! Tu ainda não pensaste que podemos estar sonhando? Isto tudo pode ser fruto da nossa imaginação, de um sonho! Como disse antes, tu podes também estar morto! É ou não é?
          -Tá bom cara! Mas vamos deixar pra lá esse papo de morto pra lá, morto pra cá! Vamos começar a trabalhar? Então, coloca o rosto no chão e vai fazendo o reconhecimento! Mas tem colocar a cara dentro do piso.
         -Mas como farei isso, ó gajo? Escuta-me: eu posso me sufocar!
         -Caramba! Pedro, como ficar sufocado? Você coloca a cabeça dentro da parede, desde que eu te conheço, e não acontece nada! Colocar a cabeça no chão é a mesma coisa!
         -“Está bem. Vou tentar. Mas é porque confio em ti. Não estás querendo pregar-me nenhuma peça, não é mesmo gajo?
         -Claro que não, Pedro. Somos amigos e parceiros. Não somos?”
         -Tudo bem. Lá vou eu.
           Pedro se abaixa e vai, meio temeroso, penetrando vagarosamente a cabeça no chão. Ao cabo de alguns segundos, já está com meio corpo enterrado. Sem perceber Pedro já está com as pernas para o alto. João não consegue travar o riso. A cena estava engraçada. Pedro ouvindo o amigo rir retira a cabeça do chão e interpela-o:
       -Qual foi à graça, gajo? Conta-me a piada para que faça coro contigo! Estás rindo de mim?”
-Deixa pra lá! Não é nada! Só tive vontade de rir. Deve ser a ansiedade. Me lembrei de uma piada de português. Continua, vamos. Você estava indo muito bem.
-Piada de português. Deixa estar. Vou contar-te uma muito boa, de brasileiro.
-Depois! Depois! Continua meu amigo.
  João bota a mão na boca para esconder o riso. Pedro olha-o desconfiado, mas coloca a cara novamente dentro do piso e em seguida planta bananeira. Com as pernas para cima, vai, flutuando, a procura da tal passagem. De repente pára e fica em pé. João ansioso interpela-o:
-E aí, achou? Achou a passagem? Achou?
-Calma! Ainda não!
-Por que você parou?
-Uma curiosidade apenas.
-Curiosidade?
-Sim! Eu estava lá embaixo solitário e lembrei-me de uma coisa: o que o amigo fazia antes de ser preso?
-Por que isso agora? Eu já disse que era estudante! Você parou só pra isso?
-É! Estudante... Só isso?
-Por que só isso? Você quer saber mais o quê? Que eu era um estudante brilhante? Tudo bem! Eu era um estudante brilhante! Só isso, realmente! Eu era, mas não sou mais! Ou eu achava que era! As outras pessoas também achavam. Mas cheguei à conclusão que de nada disso adiantou. Eu já falei pra você. Todas as teorias que eu sei, somadas com as que eu criei, não estão adiantando de nada. Estou preso aqui nesse buraco fedorento, sem poder fazer nada. Além de depender de um fantasma para fugir. Só isso, realmente.
-Ei! Ó gajo! Já te disse que não sou fantasma! Fantasma é gente que já morreu! Gente que não luta por nada! Vês tu! Estás aí abatido, derrubado! Tu pareces um fantasma! Tu não estás a me ver? Se tu me vês, logicamente é porque não morri! O defunto aqui és tu! E tem mais: se tu me atazanares com está alusão, de que sou um fantasma, cruzarei meus braços! Estamos entendidos?
-Tudo bem. Desculpe. Não está mais aqui, quem falou. Pode continuar?
-Está bem. Ah, tem mais uma coisa! Não estou tentando localizar uma rota de fuga só para o amigo, não! Eu estou dentro de todo e qualquer planejamento para escafeder deste mundo fétido e repugnante! Ok?
-Ok! Ok! Pedro, na sua época não se usava estes termos. Você faz uma embaralhada!
-Ouvi alguém falando por aí. Ou não? Mas acho que é da minha época. Será que não? Deixa para lá! Já estou recomeçando... 
-Pedro, temos que sair o mais rápido possível, antes que os soldados voltem. Se eles fecharem a portinhola, vamos perder esse pedacinho de claridade. Não é muito, mas é sempre alguma coisa.
João falava e observava o amigo, que já de cabeça pra baixo e as pernas pro ar, vasculhava ponto por ponto da cela. Só parou depois de vasculhar todo o cubículo. E nada de encontrar a bendita passagem subterrânea. Nada falou, apenas balançou negativamente a cabeça. Voltou de novo para a procura, mas desta vez o seu trajeto foi o mais encostado nas paredes. Logo depois, no terceiro bloco de pedra, uma pedra maior e mais irregular, situada na parede da esquerda, de quem estava de costas para a porta, no caso João, Pedro parou. Era um granito de aproximadamente um metro quadrado. Ficou com a cabeça enterrada, muito tempo. De vez em quando mexia com as pernas, como se estivesse pedalando uma bicicleta. João estava visivelmente nervoso, mas tentou se segurar para não interromper o amigo. E o tempo passava sem Pedro dar qualquer notícia. E assim foi até João realmente não suportar mais a ansiedade e interpelar o amigo:
-Porra Pedro! O que é que está havendo? Achou alguma coisa? Fala homem! Fala! Vou acabar explodindo de tanto nervosismo!
Pedro não tirou imediatamente a cabeça do chão. Esperou um pouco. Naquele momento só se ouvia a respiração ofegante de João. Ele, lentamente, foi retirando a cabeça que estava enterrada na pedra. Ficou em pé. Com a cara séria, olhou para João. O amigo vendo a expressão do rosto de Pedro vestiu uma cara de decepção. Mas um segundo depois, jogou um sorriso na cara e gritou para o amigo.
-Achei! Achei! Ó pá! Finalmente vamos poder sonhar com a nossa liberdade!
 Num repente fechou o cenho e colocando uma entonação dramática, falou:
-Mas temos um probleminha. De repente isso possa custar a nossa fuga. Possa dificultar a nossa saída deste ambiente infernal. Eu temo até, que isto possa atrasar por mais alguns anos a nossa partida.
-Mas que probleminha é esse? Qual é o tipo de problema que pode abortar a nossa fuga?
-Ô pá! Sabe o que acontece? A tal passagem está exatamente debaixo desta parede. A parte maior da pedra está do outro lado. Pela outra cela seria mais fácil. Lá sim, seria ideal para se fugir. Mas...
-Nem mais, nem menos!
-Eu falei mas...
-Tá legal. Mas por isso a gente vai ficar com os braços cruzados?
-Mas... Ô pá. Acalma-te. Tu nem me deixas completar o pensamento, o raciocínio. Mas eu vou tentar achar uma saída. Vou olhar na outra cela. Aguarde-me.
Imediatamente Pedro atravessou para o outro lado. Numa fração de segundos João perdeu o contato visual com o amigo. O tempo que ele ficou na outra cela, João não conseguiu calcular. Mas parecia uma eternidade, para quem estava naquele confinamento. De repente, um ponto de luz apareceu na parede. Era Pedro que voltava. Estava sério e apresentava uma feição triste. João, vendo a expressão tristonha e preocupada do amigo, e antes que ele falasse alguma coisa, foi indagando:
-E aí, não temos chance nenhuma? Não conseguiu nenhuma possibilidade da gente sair daqui? Fala logo! Vou acabar explodindo!
-Calma. Calma. Realmente estou triste e preocupado. Encontrei lá um homem. Nem sei se posso chamar de homem. Na realidade é um farrapo humano. Acho que tem pouco tempo de vida. Seria mais um braço para ajudar na nossa fuga.
-Você está chateado porque ele não vai poder nos ajudar?
-Não! Nada disso! Só foi um comentário!
-Então, não temos como ajudá-lo?
-Ajudar como? O gajo nem deu conta da minha presença! Se passarmos para o outro lado... Talvez possamos fazer alguma coisa por ele. A fuga tem quer ser por lá mesmo. Logo temos que dar um jeito de nos instalarmos do outro lado. Vou examinar a parede. Já sei de antemão que pelo chão é impossível. Lá vou eu.
-Espera aí. Pela parede? O seu amigo não disse que era pelo chão?
-É claro que só pode ser pelo chão! Foi assim que o meu patrício disse e assim será! Só acho que ele errou de cela ou confundi-me. Falei pela parede, pois é o único caminho para passarmos para o outro lado. Vou examinar novamente.
Pedro começou a olhar todos os blocos de granito rente ao chão. Depois olhou a parede inteira. De repente parou, saiu da parede e, começando a deixar escapar uma euforia contida, disse: - Porque é que não pensei nisso antes!
-Pensou nisso, o quê?
-Lembrei-mede um fato importante. O meu amigo confidenciou-me,na surdina, que em todas as paredes que separam as celas, tem um ponto vulnerável. Ele não me disse qual seria esse ponto, mas temos que procurar e acreditar que ele realmente existe.
-Então temos que achar esse ponto! Vamos procurar!
-Calma. Ele me disse que não seria fácil remover a pedra, visto que ela não fica rente ao chão. Pois, segundo ele, seria muito fácil para ser descoberta. Se a informação vazasse, logicamente eles viriam investigar e achariam com facilidade. Quem poderia imaginar uma coisa dessa no alto? Só maluco mesmo para tentar tirar uma pedra desse tamanho, com um peso descomunal, não achas?
-Talvez! Talvez sim, talvez não! Quem sabe?
-Talvez? Por que talvez? Agora me intrigastes!
-De repente não está tão difícil assim. O cara que colocou a tal pedra, com certeza, estava prevendo que poderia um dia ser preso, certo?
-Certo. Foi com essa intenção que o gajo fez isso.
-Então, ele não seria burro de colocar uma pedra que não tivesse forças para, sozinho, remover. Concorda comigo?
-Faz sentido. Faz sentido. Até que o gajo não é burro! Gostei do rumo da prosa! Mas tem um pequeno problema:
-Que problema? Qual é o problema?
-Observastes que os tamanhos dos blocos de pedras, são praticamente iguais? Elas têm aproximadamente um metro quadrado cada uma. Têm até umas que fogem um pouco do tamanho. São um pouco menores.
-Eu sei. Já olhei todas. Mas deve ter alguma coisa diferente em alguma delas. Mesmo desse tamanho fica difícil a gente empurrá-las, caso alguma não esteja bem grudada. Mas tem que ter um jeito. O cara não ia fazer uma coisa que ele não pudesse tirar depois, em caso de necessidade. Pedro, dá mais uma olhada nessas pedras.
-Tudo bem. Deixa comigo. Se tiver alguma pedra que possa ser solta, deve estar na altura do meu peito, não achas?
-É, pode ser. Mãos à obra!
-Tem um fato interessante que não mencionei. Eu acho que o amigo não observou. Têm algumas pedras que de um lado são mais estreitas que do outro.
-Essa diferença é para poder encaixar melhor. Todas devem ser assim.
-Foi uma colocação sem importância, não foi? O importante é que o amigo vai poder passar por qualquer buraco que surgir. Também com uma magreza dessas o gajo passa até por um buraco de agulha.
-Muito engraçadinho, né seu portuga? Ainda encontra tempo para fazer gracinha. Vamos trabalhar que é melhor.
-Ora pois, pois!O gajo ficou aborrecido! Tenho até que rir um pouquinho!
-Ria! Ria! Mas vai trabalhando!
-Agora falando sério. Não gosto quando tu me chamas de portuga.
-Ficaste ofendido? Está bem, não chamarei mais. Agora, vamos ao trabalho?

                                      Continua semana que vem...

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