terça-feira, 12 de maio de 2015

UM GÊNIO QUE ENCONTROU O PARAÍSO NO ESGOTO - Parte 8

Continuando...

João fez o que o amigo mandou. O frescor da madrugada acariciou-lhe apenas a mão. Era até onde o seu braço alcançava. Aquele contato com o mundo exterior despertou-lhe novamente uma imensa alegria. Mas em seguida, uma tristeza profunda, fez com que qualquer chama de esperança ficasse acesa. Pedro sentiu isso e tentou consolá-lo.
           -Ô pá, não fiques assim! Tu vais conseguir escapar desta gaiola também! Eu demorei, mas consegui! Vês? Estou até mais novo!
           João conseguiu empurrar um pouco para o lado a sua tristeza e falou para o amigo:
           -Como eu posso vê-lo por esse buraquinho? Você está de novo tirando um sarro com a minha cara?
           -De novo não estou a entender-te! Agora dizes que estou a tirar um sarro! Não te entendo! Desconheço também esta palavra! Como disseste antes: querendo me sacanear. É isso?
           -É isso ai! Está aprendendo rápido!
           -É isso ai. Muito estranho o seu palavreado. Sabes... Não sabes... Eu vou cumprir o que prometi. Antes de ir-me, vou mostrar-te o caminho para que possas fugir. Há alguma pedra do piso que pode ser retirada. Uma delas tem apenas um calço segurando-a. Terás que movê-la para que solte. Por aí o amigo poderá escapar. Não faça essa cara de pouco caso. Vais ter que cavar e cavar muito. Embaixo passa um pequeno córrego. Ele corta todo o forte. Ele vem de uma pequena nascente. Serve também para escoar a água da chuva e do esgoto. E deságua no mar. Veja só, por coincidência ele passa bem aqui em baixo!
          -Você tem certeza? Não está querendo me sacanear de novo?
          -Ô gajo! É claro que eu tenho certeza! Eu participei da construção disso aqui. Esqueceu? Não estou querendo vos sacanear! Certeza, certeza eu não tenho! Tendo em vista que apenas coloquei a pedra aqui da parede! A pedra do chão foi colocada por um infortunado amigo. Era meu único amigo. Há muitos anos que não nos vemos. Será que já partiu para a pátria celestial? Não posso responder a tal pergunta. Ele me segredou sobre a tal pedra no chão e eu falei sobre a da parede, isso antes de sermos aprisionados. Tínhamos que manter segredo. Isso só ficou entre ele e eu. Era uma época em que a desconfiança era o prato principal.
           -Mas isso não mudou muito!
           -Não? Como tu dissestes que vives há muitos anos a minha frente,o comportamento humano deveria estar bem mudado! Tu não achas?
          -Claro! Concordo plenamente com você! Mas, infelizmente, esse quadro continua inalterado. Também com essa ditadura que estamos vivendo, todo mundo desconfiando de todo mundo... As pessoas estão com os nervos à flor da pele. Parece que está todo mundo estressado. Muita gente, para suportar o tranco, tem que ter apoio de psicólogo.
          -Ô gajo. Duas coisas eu não estou entendendo. Uma, é estressado e, a outra, é psicólogo.
          -Sabe de uma coisa: no corre-corre do dia a dia, as pessoas ficam nervosas. O desgaste emocional é tanto, que as pessoas acabam adoecendo. Esse desgaste emocional, a gente chama de stress. Você, parece um psicólogo.
         -O que é isso, ó pá, estás querendo me sacanear?
         -É claro que não estou querendo te sacanear! O psicólogo ajuda as pessoas que estão com problemas dentro da cabeça.
        -São médicos?
        -Não. Não é bem assim. Se bem que existem médicos que usam a psicologia...
        -Então eles curam todos os males que estão dentro da cabeça.
        -Não. Não é uma cirurgia. O psicólogo ajuda as pessoas a encontrarem a cura para os seus males, que não são físicos. Às vezes esses males, que chamamos psicológicos, contribuem para os males do corpo. Aí sim, quando passa para o corpo, é que entra o médico.
        -Mas é assim? Assim mesmo?
        -O psicólogo ajuda você a encontrar a chave para abrir o cofre que está dentro da sua cabeça. É lá que estão guardados todos os seus problemas. E essa chave só quem
tem é você. Cada pessoa tem a sua chave. E não existe duplicata. Só você pode abrir a caixa onde estão todos os seus problemas. E a função do psicólogo é fazer você encontrar o caminho para a sua cura.  A cura está em nós, mas às vezes precisamos de alguém habilitado para nos ajudar a descobri-la.
         -Interessante. Muito interessante. Eu acho que conheci alguns franciscanos que faziam algo parecido com isso. Alguns padres também. O confessionário é mais ou menos isso, não é? O padre é um psicólogo?
         -Mais ou menos. Alguns têm até o dom de levar a pessoa, que vai se confessar, que vai pedir ajuda, a encontrar a sua chave e abrir o seu cofre de segredos. Hoje já há alguns padres que são, sim, psicólogos.
        -Acho que entendi. Mas está na hora da minha partida. Quem bom ter te conhecido, amigo. Com a sua presença ficou mais fácil suportar este lugar fétido. Mas... Quem bom ter a liberdade! Um dia eu encontro-te aqui do lado de fora. Quando conseguires escapar, estarei aqui a vos esperar.
        Pedro sumiu da vista de João, que continuava olhando pelo buraco. De repente apareceu novamente, mas voando. João ficou olhando o amigo até perdê-lo de vista. Logo bateu uma tristeza profunda. Encostou o ouvido na pequena janela e ficou ouvindo a onda se chocar contra as pedras. Parecia com a tristeza batendo no seu peito. Não se lembrava da última vez que tinha chorado. Enxugava as lágrimas que desciam pelas suas faces. Jamais poderia imaginar que sentiria saudade de um fantasma. E de um fantasma que falava um português enrolado. Às vezes até sem sotaque. Misturava as pessoas... Mas era mais um amigo que tinha conquistado. Como sempre foi muito difícil para ele ter amigos, aquele até que tinha sido fácil. E era o mais especial, com certeza. Era uma boa companhia. Naquele buraco que estava enterrado vivo, até um fantasma se tornava a melhor companhia do mundo. Voltou a olhar pelo buraco, com a esperança de ver novamente o amigo, mas nada. Nem sombra dele. Enxugou mais uma vez o rosto e tentou recomeçar o seu trabalho, raspando a junta da pedra do lado. Raspou bastante. Mas nem um cisco conseguiu tirar. A fivela já estava quase toda gasta. Então resolveu desistir temporariamente. Tinha que arranjar uma nova ferramenta.  Caminhou  até a porta e sentou-se do lado. Não sabe quanto tempo ficou ali. O estômago começou a roncar. Depois doeu um pouco. A fome era grande e a comida nada. Já tinha perdido a noção do tempo que estava sem comer. Aquela comida passou a ser a melhor do mundo. A água conseguiu economizar. Ia bebendo aos poucos. De repente se lembrou de uns poucos amigos, que eram quase nenhum. Os colegas... Percebeu que pouco ou quase nenhuma vez deram-lhe atenção. E os professores? De repente tinham raiva dele. Também não era para menos: um simples aluno que ensinava o professor! Resolveu falar para si mesmo:
          -Sabe de uma coisa: se eles têm raiva de mim, é com razão. Agora eu tenho quase certeza de que eles achavam que eu estava ali, não para aprender e sim para humilhá-los. Era isso que eu fazia: humilhava-os. Mas era uma coisa que fazia inconsciente. Juro por Deus! Agora estou vendo com clareza. Lá eu não percebia. Não enxergava nada. Eu estava cego. Será que era a cegueira da vaidade? Mas vou mudar.

Vou ser igual a todo mundo. Vou andar com livros, cadernos... Fazer perguntas como todo mundo. Posso até fingir que não entendi, mas vou perguntar qualquer coisa. E agradecer pela explicação. Agradecer... É isso. Tenho que aprender a agradecer.

                                                           Continua semana que vem...

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