terça-feira, 9 de junho de 2015

UM GÊNIO QUE ENCONTROU O PARAÍSO NO ESGOTO - Parte 12

Continuando...
O tempo foi passando e o rapaz foi dando mostras de melhoria. João estava animado com a resposta do seu organismo. Era jovem e forte. Isso contava muito. Tanto é que não demorou muito e ele abriu os olhos. Olhou surpreso, mas não conseguiu emitir nenhum som. João aproveitou para ministrar-lhe o caldo. Pouco tempo depois, já estava se alimentando com mais vontade. Neste momento já não estava mais deitado no colo de João. Estava sentado e encostado na parede. A sua recuperação era surpreendente. João e Pedro ficaram eufóricos, quando o rapaz agradeceu. Pedro falou para o amigo:
-Graças a Deus! Viu João, a sua fé conseguiu trazer o gajo de volta! São mais dois braços para nos ajudar!
-É claro! Mas foi Deus e ele mesmo os responsáveis pela sua recuperação. Você está com razão Pedro, são mais dois braços pra trabalhar com a gente!
-Hei! Meu nome não é Pedro. Eu me chamo Olavo. Não entendi muito bem, esse negócio de trabalho. Estou sonhando? Ou já morri? Trabalhar aonde? A minha cabeça está que é só confusão. Eu devo ter morrido mesmo, pois já estou vendo até claridade. Desde que fui preso, essa é a primeira vez que vejo um pouco de luz.
Olavo pára um pouco para respirar. Estava visivelmente cansado. João então pegou a vasilha de água e deu-lhe mais um pouco e ele bebeu com mais avidez. Depois falou:
- Calma, amigo. Nós só pensamos alto. Depois você vai se inteirar do nosso trabalho. Eu e Pedro estamos tentando fugir. Pedro, é esse aqui meu amigo.
- Seu amigo? Eu entendo você, companheiro. Eu também, enterrado aqui, vivo, tive que criar o meu amigo imaginário. Só assim eu consegui me manter vivo até agora. Eu sei que se não fosse você, eu tinha morrido. Mas depois desses anos todos, não sei ao certo quanto tempo, consegui me manter lúcido. Consegui sobreviver.
- Mas esse meu amigo aqui, existe. É ele que está me ajudando a achar o caminho pra fugir desse inferno. Se não fosse ele, eu teria enlouquecido, com certeza.
- Companheiro, isso aqui deixa qualquer um com o miolo mole. Se a gente não ficar vigilante, entra em parafuso.
- João, tu achas que o gajo está cego?
- Não sei. Olavo, você consegue me enxergar direito?
- Claro. Estou vendo você perfeitamente. A gente acaba, nesse ambiente quase escuro, enxergando bem. Mesmo naquele breu que eu vivia, conseguia ver alguma coisa. Se bem que aqui não tem nada pra se ver. Mas você, pelo menos, eu sei que não é alma de outro mundo. Companheiro, vou confessar uma coisa: até que eu gostaria de ver um fantasma. Acho que seria uma boa. A solidão é uma merda. Por aqui deve ter uma porção de alma penada dando cabeçada. Devem ficar zanzando por aqui sem ter nada pra fazer. É ou não é? Companheiro, vou deixar uma coisa bem clara, não acredito em alma de outro mundo. Só existe mesmo é o trabalho e o partido comunista.
Pedro olhou com desdém para Olavo e zombou dele.
- Olha só João! Esse bunda mole está me chamando de alma penada! Esse pobre coitado morreu e ainda não se deu conta! Mas eu o desculpo. Ele não sabe o que está falando. É um pobre coitado. Falou de alma de outro mundo, depois disse que não acreditava. Eu acredito em alma de outro mundo, pois estou vendo uma.
- Calma Pedro! Ele ainda não se recuperou de todo! Vamos ter paciência com ele!
 -Ô companheiro, já te disse que o meu nome é Olavo!
- Você já disse. Só estou falando com o meu amigo... Deixa pra lá! Cara, por que é que você veio parar aqui?
- Sou comunista, camarada! Sou comunista!
Olavo falou e bateu no peito. Para uma pessoa debilitada, até que conseguiu bater com uma força razoável. Além de tentar se levantar. Ficou na tentativa. João olhou para ele e ficou admirado com aquela explosão de energia que brotou nele. Pedro olhou-o com um ar interrogativo e falou com João:
           - Que raio é isto? Nunca ouvi falar de alguém que tenha nascido em algum lugar com este nome! Que raio é isto? É algum país, ó gajo?
- Pedro, isso não é país. É uma ideologia. Tem alguns países que adotam o regime comunista. A União Soviética comanda...
- Ó raios! Agora tu me falas: União Soviética! Ó raios, do que se trata?
- A Rússia invadiu vários países vizinhos e fez deles aliados. Mas isso, eu acho, foi na marra. Democraticamente, fez todo mundo virar comunista. Eu acho que é por aí. Como não sou nada ligado em política, pode ser que esteja errado.
- A Rússia eu conheço!
- Conhece mesmo?
- Sim. Nunca fui, mas conheço pelo mapa. E a Rússia czarista, quem não conhece!
   Olavo fica olhando para João, sorri e comenta:
- Cara! Você está pirando! Eu sei que isso aqui pode deixar qualquer um maluco mesmo! Você pode até conversar com a sua alma de outro mundo, mas tenha cuidado! Veja só! O fantasma tem até nome! Uma coisa de bom tem nisso aí: agora somos três, não é camarada? Pensando bem, acho que vou arranjar um pra mim também! O camarada, não fala besteira sobre a minha União Soviética, não!
- É! Pra quem estava moribundo, até que você está muito bem! Ele melhorou muito, não é Pedro?
- Claro! O gajo vai até poder nos ajudar! Mas cuidado que ele é muito debochado.
- O que foi que a sua alma penada falou?
- Falou que você vai poder nos ajudar a fugir daqui. Falou também que você é muito debochado.
- Debochado, é? Tá bom! Mas como é que a gente vai fugir?
 João joga um sorriso na cara e, antes de falar, deixa o silêncio se prolongar um pouco. Depois, demonstrando otimismo fala, mostrando o lugar da provável fuga:
- Olavo! Vai ser fácil! Olha só! Nesse cantinho aqui passa um riacho, ou um duto para escoamento de água de chuva e esgoto. Sei lá pra que mais. Mas vai ser por aqui a nossa saída.
- Mas como é que você sabe disso?
- Foi Pedro que me contou.
- Pedro... A alma do outro mundo?
- E é mesmo. Mas ele afirma que quem está morto sou eu. Pode isso? Mas tudo bem. Estou aqui com você graças a ele. Me mostrou ponto por ponto onde eu podia abrir. Na minha cela, nos fundos, que dá para o mar, consegui abrir uma pequena janela. Por ali passa um pouco de luz e ar puro. Eu só tenho que ficar ligado para não esquecer ela aberta direto. Se os guardas virem qualquer claridade aqui,  o bicho vai pegar. Sorte que Pedro me avisa quando vem alguém.
- Estranho. Você vê mesmo esse cara? Não é invenção não?
- Não. Claro que não. Eu até custei muito a acreditar. Mas tenho certeza que o vejo sim. Ele me disse que ajudou a construir essa fortaleza.
- Agora é mais um a me chamar de alma de outro mundo.
  João sorri com a reclamação de Pedro e Olavo não entende o porquê do riso.
- Você está rindo de quê?
- Foi Pedro reclamando. Ele disse que agora são dois a chamá-lo de alma de outro mundo.
- É? Até que gostaria de vê-lo.
- Então já está acreditando em alma de outro mundo?
- Eu não disse isso!
João riu com a reação de Olavo. Pedro continuava sério, mas fez careta para Olavo. Depois disso um silêncio tumular tomou conta da cela. João ficou encostado à porta, parecendo que pensava alguma coisa. Olavo, como estava ainda debilitado, fechou os olhos. Pedro começou a andar de um lado para o outro. Depois meteu a metade do corpo dentro da parede e ficou observando o que se passava no corredor do lado de fora. Ficou um bom tempo assim. Em seguida passou o corpo inteiro para fora.  Voltou quando a porta grande começou a ser aberta. Retornou rapidamente e falou com João.
- João, vamos rápido para a nossa cela. Dois guardas se aproximam.
- Tem certeza?
- Claro gajo!
- Certeza do quê, João?
- Olavo, estou passando para minha cela. Dois guardas estão se aproximando.
- Como é que você sabe?
-Pedro me avisou. Estamos indo, depois nós voltamos. Segura as pontas aí! Vai ficar tudo escuro novamente.
João passou feito foguete pelo buraco e depois colocou a pedra tapando a janela, para barrar a claridade. Pedro atravessou a parede, sem cerimônia alguma, e se colocou do lado da porta. Menos de um minuto a botija de água e a comida já estavam dentro da cela. As vasilhas vazias foram recolhidas. Na cela que estava Olavo foi feito o mesmo procedimento. Mas antes dos guardas fecharem a portinhola, um deles fez uma gracinha para o prisioneiro.
- Aí, ó comunista safado! Resolveu comer de novo? Come mesmo, pra ficar gordinho! Os peixes não gostam de osso! Eles querem carne pra comer!
Olavo ouviu, mas preferiu não responder. Engoliu em seco a ofensa recebida e falou baixinho, para que os guardas não ouvissem.
- Safado? Você vai ver só quem é o safado, quando eu sair daqui! Quando vencermos... Irão todos para o paredão! Seus filhos da...
Abortou o palavrão, porque um acesso de tosse pegou-o de repente. Ainda ouviu quando o outro guarda falou:
- Resende! O cara tá mal! Pelo jeito esse não vai longe! Os peixes vão ter que se contentar mesmo só com os ossos! Ah! Ah! Ah!
Fecharam a portinhola e se afastaram rindo da desgraça alheia. Olavo continuava tossindo. Não conseguiu nem completar o palavrão. E a sua raiva foi crescendo, até que acabou chorando. João ouviu tudo. Esperou até os guardas saírem, meteu a cara no buraco e interrogou-o.
- Tudo bem aí? Já vamos ficar com você. Aguarde um pouco. Vou abrir de novo a janela para entrar claridade. Podemos ficar tranquilos, porque eles não vão voltar tão cedo. Não vou nem te perguntar o motivo do choro. Nós ouvimos tudo.
- O meu choro é apenas de raiva. Mas já vai passar. Eles, um dia, vão me pagar. E vão pagar caro.
- Não entendi direito o que você falou. Mas segura às pontas, que daqui um pouco estou aí. Pode deixar que vou te dar a comida. Primeiro vou comer um pouco. A comida é ruim, mas se a gente não comer fica pior.
- Não chama de comida não! Isso parece mais uma lavagem!
- Que seja. Mas essa lavagem vai botar você de pé.
Pedro não esperou João terminar de comer. Atravessou logo para a cela ao lado. Enquanto o amigo não atravessava, ele ficou tentando chamar a atenção de Olavo, achando que poderia ser visto por ele. Fez de tudo, mas ele não registrava a sua presença. Quando João passou para a outra cela, Pedro comentou:
- João, este gajo também está morto. Cheguei à conclusão que estou cá com dois ex- vivos. Como pode isso?
- Pedro, só rindo mesmo de você, cara! Engraçado que ainda não percebeu que você é o único morto aqui!
- És mesmo um brincalhão! Ô gajo, tu sabes que estou vivinho da Silva! És muito engraçado! Senti até vontade de dar umas boas gargalhadas! Vou fazer igual como fizeram os guardas: Ah! Ah! Ah! É melhor pegar as ferramentas e ir ao trabalho!

- Eu é que tenho que rir. Sabe de uma coisa: vou trabalhar que é o melhor que faço. Então, localiza logo o ponto certo! Enquanto o amigo aí não se recupera, vou fazer o trabalho sozinho.
                                      Continua semana que vem...

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