terça-feira, 9 de dezembro de 2025

O Filho do Poder - Parte 4

 


Continuando...

        Quim se aproxima e mete a cara no vidro da porta traseira. Firma o olhar para o interior do veículo e fica tentando enxergar alguma coisa. De repente grita assustado:

          - Nossa mãe, Toni! Meu Deus! É sangue só! Só estou vendo uma pessoa encostada aqui na porta. Mano, acho que não sobrou viva alma dentro desse carro. Já viu o tamanhão desse carro? Dá para carregar um batalhão.

          - Está vendo mais alguma coisa?

          - O interior está bem escuro, não dá pra ver quase nada. Não sei quantas pessoas tem aí dentro. Se tiver dez, estão todas mortas. Olha só, mano: o teto tá todo amassado, e do jeito que afundou, amassou todo mundo. Que tristeza, mano. Toni, como esses vidros não quebraram? Não parece que são brindados?

          - E são mesmos. Vamos tentar abrir essa porta. É o único jeito de se saber alguma coisa. Vamos lá.

          - Mano, vamos deixar isso pra lá. A polícia não vai demorar a chegar aqui. Isso não é problema nosso. Se tivesse alguém vivo, aí era outra história. Vamos embora, mano. Vai por mim.

          - Ir embora assim? E se tiver gente viva aí dentro? Vamos resolver isso e depois vamos embora. Tá bom assim?

          - Tá bom, mano. Você venceu. Mas depois vamos embora mesmo. Não fico aqui nem mais um minuto.

            - Está combinado. Então vamos lá. Força Quim. Bastante força. Vou contar. No três a gente dá um puxão. Um, dois, três. Isso, viu? Está cedendo! De novo Quim. Agora. Abriu! Até que não foi tão difícil! Viu só? Estão conspirando a nosso favor.

                      Mas mal a porta se escancara, uma escopeta cai no asfalto. E mais três se espalham por cima de alguns corpos, corpos que Quim não havia visto. Tinha mais duas imprensadas no teto, saindo do banco da frente. Do jeito que o teto arriou, não dava para saber se tinha ali alguém com vida. É só um monte de ferro torcido. Os dois estão sem ação, mas assustados com o que viam. Quim manifesta, surpreso e interrogativo:

          - Olha só, Toni. Mano, pra que essas armas todas? Será que iam pra alguma guerra?

         - Nossa mãe! Quim isso é muito esquisito!

         - Bota esquisito nisso! Mano não é melhor a gente se mandar? Pode ser encrenca pura. E pode ainda cair em cima da gente. Escuta o que estou dizendo. Tá na intuição.

         Toni dá um sorriso sem graça e contesta:

        - Ih! Que encrenca nada! Intuição, Quim? Deixa disso. Vamos é dar uma olhada geral. A gente tem que sair daqui com a consciência tranquila e dentro da lei. Ninguém vai poder falar que recusamos prestar socorro.

        - Socorro pra quem, Toni?

        - Ué, vamos olhar. Às vezes no meio desse ferro torcido, possa ter algum sobrevivente.  

         - Que otimismo. Só você mesmo. Então tá. Olha só o cara aqui como ficou: parece que a cabeça entrou pra dentro do corpo. E você acha que possa ter mais algum sem um arranhão sequer?

         - Não sei! Esse aí... Que coisa horrível, Quim. Mas olha só. Ali não parece que tem uma pessoa?

         - Está parecendo um saco cheio de roupa. Deixa eu meter a mão.

                   Quim vai cautelosamente, mas fica receoso, ao perceber que vai ter que se apoiar nas pernas do defunto. Aborta os movimentos e recua em seguida, fazendo uma careta. Depois dá uma olhada para o irmão, com uma expressão de nojo.

         - Mano não vai dá. Tô até enjoado.

         - Enjoado? Deixa disso! Não vai dá por quê?

         - Por quê? Você viu? Pra se chegar até aquele monte de roupa, vou ter que me apoiar nas pernas do morto. Viu a cabeça dele enterrada no corpo? Não tenho estômago de ferro, mano.

          Toni dá mais uma vez a sua risada sem graça e zoa o irmão:

         - Não acredito! Você agora tem medo de defunto? É isso mesmo? Quim, você sabe que ele não vai te fazer nada. Se ele estivesse vivo, aí sim ia ser perigoso. Vai lá! Deixa de besteira! Eu estou aqui. Nessas estradas já vimos coisas piores. Saiu por quê?

         - Não aguento esse seu risinho sem graça. Estou aqui pra respirar ar puro. Posso?

         - Quim, volta pra lá, volta. Assim vamos demorar mais.

         - Tá bom. Mas vou, porque sei que, se o defunto se mexer, o primeiro a correr vai ser você! – deu um sorriso meio sem graça e, em seguida, um tapa no teto amassado do carro.

         - Correr! Que correr o quê! – ensaia uma gargalha -  Você é que é capaz de se borrar todo! Vai logo, Quim. Sem enrolação. Quanto mais rápido a gente olhar tudo, saímos daqui logo, logo. Vai lá.

        - Tá bem! Tá bem! O serviço pesado sempre cai em cima de mim mesmo. Mas eu vou te dizer uma coisa: só vou olhar aqui, nesse pedacinho. Depois perna pra quem te quer. Não fico nem mais um minuto aqui.

 Continua Semana que vem!

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