segunda-feira, 22 de abril de 2024

A Minha Casa Não é Essa - Parte 102 -Final

 


Continua...

                O silêncio era constrangedor. Pareciam três estranhos procurando alguma palavra para iniciar o assunto. Téo coçou a cabeça demonstrando seu estado interior. A irmã percebeu a sua ansiedade, porém preferiu continuar sem se dirigir a ele. Era sempre assim, quando conseguiam trocar algumas palavras, parecia um parto com alto risco. Entretanto percebeu que a mãe estava mais serena e arriscou uma conversa.

             - Mãe, veio brigar comigo, porque não fui almoçar com a senhora?

             Finalmente dona Anízia venceu o mutismo.

             - Não minha filha, já estou acostumada. A nossa vinda até aqui é por outro motivo.

             - A senhora está com uma cara muita séria. Aconteceu alguma coisa?

             A dona Anízia olhou para o filho. Arrumou-se na poltrona sem precisar levantar-se. Olhou novamente para Ângela.

             - Minha filha, vou ter que ficar aqui com você.

             - Por quê?

             - Porque... Fala Téo!

             Téo não estava se sentindo muito confortável. Falar com a irmã era pior do que enfrentar qualquer inimigo no campo de batalha. Mas não tinha saída. Engoliu em seco e procurou explicar o que estava acontecendo.

              - Ângela. Mamãe vai ter que ficar com você. Não sei por quanto tempo. Eu estou sendo procurado por um grupo de guerrilheiros. Hoje veio um homem para me matar. E eu suspeito também dos próprios americanos. Nem tenho certeza se aqui existe segurança para vocês. Por sorte a pessoa que estava com essa incumbência, era meu amigo.

             - Você mais uma vez, querendo dar uma de herói, arranjando confusão pra gente!

             - Não vim aqui para brigar. Mamãe, você, as crianças e Nestor têm que se protegeram também. Eu vou ter que partir hoje mesmo. Ainda não sei para onde. Eu e o meu amigo, Mohammed, vamos tentar sumir. Nestor não está?

             - Não. Mas não vai demorar. O que foi que você fez?

             - Esse é o problema: não fiz nada. Só sei de coisas que não deveria saber. E é melhor eu nem contar. Por favor cuida de mamãe, dos seus filhos e do seu marido. Não acredito que venham atrás de vocês, porque eles querem é a mim e a Mohammed. Estou indo. Não posso ficar mais. Não tenha raiva de mim. Dê um beijo nas crianças e um abraço no Nestor.

              Ângela ficou calada, mas sentiu, pela primeira vez, uma ponta de preocupação pelo irmão. Não sabia porque, desde criança, a convivência entre eles era difícil. Não se lembrava de já ter tido algum momento de conversa sem briga. A relação era sempre tempestuosa. Teve vontade de dar um abraço em Téo, mas recuou. Se encaminhou para a porta e esperou que o irmão se despedisse da mãe.

               Téo, antes de sair, ainda falou que ela procurasse sempre olhar pela janela, antes de sair de casa. E que qualquer coisa suspeita ligasse para polícia. Em hipótese alguma, deixar as crianças brincarem do lado de fora. Pela primeira vez deu tchau para Ângela, olhando em seu rosto.

            Téo antes de sair, olhou em torno para ver se tinha alguém suspeito, abriu o portão e voltou pelo mesmo caminho. Entrou em casa e encontrou Mohammed no mesmo lugar, de olho na direção de onde tinha havido o assassinato. Deu uma olhada também e viu que não tinha mais ninguém. A cena do crime estava desfeita.

              Mohammed olhou para o amigo e depois bateu no seu ombro.

             - E aí, tudo bem? Deixou a sua mãe em segurança?

             - Acho que sim. E como foi aí?

             - Limparam tudo. Apagaram todo e qualquer vestígio do assassinato. Depois foram embora. Ivan, antes de entrar no carro, ainda deu uma olhada aqui para a janela.

             - Será que viu você?

             - Acho que não. Viu você naquela hora, mas não me viu. Fiquei encoberto pelo seu corpo. Se eu fosse grande, aí sim, ele me veria.

             - Mohammed, vou preparar uma mochila. Você está sem roupa, não é?

             - Estou. A minha roupa, que não é muita, ficou lá no hotel. E eu não sou maluco de voltar lá.

             - Ivan, o terrível! Não viu você, mas sabe que você está aqui em casa. Temos que sair hoje mesmo. Vamos comprar alguma roupa pra você longe daqui.

             Mohammed foi até a cadeira, sentou-se. Sorriu e olhou para a roupa que estava usando e falou:

             - Realmente estou parecendo um mendigo. Essa calça comprida e essa camisa parece que foram feitas para serem explodidas. Tenho que comprar alguma coisa moderna e bonita.

             Téo balançou a cabeça levemente e foi em direção ao quadro. Sem dificuldade nenhum arrancou-o da parede e arremessou-o contra a outra parede, estilhaçando o vidro que espalhou o seu caco por uma grande parte da sala. Depois olhou para Mohammed e disse:

             - Viu Mohammed, não senti mais dor nenhuma!

              Mohammed sorriu e aplaudiu levemente o gesto do amigo.

             Téo não demorou muito. Veio de roupa trocada e com uma mochila nas costas. Vestia o que gostava: calça jeans e uma camisa verde oliva, bem passada. Estava bem apresentável. Trouxe uma mochila para o amigo, mas que não tinha nenhuma roupa, apenas alguns chocolates e biscoitos.

              Téo foi em direção aos fundos da casa, acompanhado pelo amigo. Um muro separava a casa de uma mata fechada. Era por ali que iam fugir. Ele conhecia cada pedaço daquela floresta, era o seu refúgio quando não estava bem de saúde mental. O seu remédio estava ali.

             Ele colocou as duas mãos entrelaçadas e mandou Mohammed colocar o pé. Com um impulso lançou-o para o outro lado. Depois, como era alto, pulou e segurou a borda do muro. Facilmente já estava do outro lado.

              Antes de entrarem na mata, Mohammed segurou o braço do amigo e falou bem devagar:

              Meu amigo e irmão. Até hoje fomos a caça. A partir desse instante, somos caçadores. Vamos ser a sombra que vai infernizar esses bandidos e os americanos que te perseguem.

              Téo não falou nada, apenas balançou a cabeça concordando. Depois estendeu a mão para o amigo e selaram ali uma parceria... Sobrevivência ou vingança?    

               Entraram silenciosamente na mata. Téo se adiantou, enquanto Mohammed voltava o seu olhar em direção à casa. De repente seus olhos foram mudando de cor até ficarem vermelhos como o rubi. Em seguida soltaram raios que envolveram o lar de dona Nádia. Em frações de segundos começaram a crescer vários tipos de árvores ao seu redor, já cobertas de flores de matizes variadas. Parecia uma fortaleza natural. Mohammed sorriu enigmaticamente e deu às costas para a casa da mãe de Téo. Depois retomou o seu caminho até alcançar o amigo.  

               

                                                          Fim

 

Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, pessoas ou acontecimentos reais terá sido mera coincidência.

 

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