terça-feira, 9 de abril de 2024

A Minha Casa Não é Essa - Parte 100

 


Continuando...

            

            Mohammed coçou a cabeça, andou um pouco, pelo quarto parecendo que procurava algum sentido naquilo que Téo disse. Aquela afirmativa, parecia um pouco exagerada. Parou em frente à janela aberta, que dava para a mata, nos fundos da casa, debruçou-se no peitoril e por alguns segundos mergulhou no silêncio, pensativo.

              - Sargento, isso não faz sentido!

              - Faz todo o sentido do mundo! Mohammed você pensa que eles não acharam aquele subterrâneo? É claro que acharam! Alguém deve ter fechado algum acordo. Aquele grupo de guerrilheiros não tem know-how para desvendar o que tem ali embaixo. Vou te dizer mais: o governo, de repente, também deve estar envolvido, já que também não tem tecnologia de ponta. Devem estar os três nessa empreitada.

              - Será? O senhor não está vendo fantasma?

              - Que fantasma, Mohammed? Eles nos querem fora disso! Sabe, eles vão fazer de tudo para nos matar. Os bandidos preferiram perder o que você tem de genial, - porque você é um gênio! - a perder aquilo que não sabem o que é, mas que renderia um bom dinheiro.  Esses milicianos, que lutam por dinheiro, podem ter oferecido para o meu país, o que nós achamos.

             - O senhor acha que eu sou um gênio? Verdade?

             Téo se levantou e deixou escapar um sorriso, mas que não foi percebido pelo garoto. Caminhou até a janela da frente e olhou para onde tinha acontecido o atentado contra Mohammed. A cena do crime só não estava igual, porque o amigo não estava mais lá, mas o terrorista que acompanhara Mohammed ainda estava caído do lado da árvore. Aparentemente ninguém da vizinhança tinha visto e nem ouvido nada. Barulho não houve, porque o atirador usou silencioso. Eles fazem o trabalho - chamam crime de trabalho -  e desaparecem sem deixar vestígios.

               O sargento depois de ficar algum tempo ali, voltou para onde esteve sentado, mas não se sentou novamente. Olhou para o amigo, que continuava olhando a mata e disse:

                - Você me perguntou se eu acho você um gênio. Se você não é gênio, pelo menos tem uma memória privilegiada. Mas considero você realmente um gênio. Agora, a coisa mais incrível em você é que você continua um garoto. Eu, naquela época, achava que a sua idade oscilava entre dez e doze anos. Já se passaram quatro anos e você continua com a mesma cara.

                  Mohammed abaixou a cabeça, colocou a mão na frente da boca e sorriu timidamente. Virou-se para Téo, com o rosto meio avermelhado e ainda com o sorriso que se recusava a abandonar os lábios, e caminhou até ele.

                 - Sargento, - disse querendo disfarçar - ninguém descobriu a minha idade! Os enfermeiros ou soldados disfarçados perguntavam e eu só respondia que não sabia! Isso foi mais recente. Depois que acordei. Dá primeira vez, lá no hospital, já contei para o senhor, se repetiu agora. Ficavam aborrecidos! Um deles até me deu uma taba no rosto. E ainda me chamou de mentiroso. Sabe que logo que acordei, um sujeito com a cara de mal e com um fedor azedo, se aproximou da minha orelha e disse que eu não era humano. Ele queria entender o que eu falava enquanto estava dormindo aqueles dias todos. Disse que eu tinha parte com a coisa ruim. E que teria prazer de me matar.

                 - Você estava no meio de serpentes mais venenosas que existem.

                 - Eu ouvi algumas conversas num dialeto que nunca tinha ouvido. Nem sei de que região era. Só sei que de repente eu estava entendendo tudo que falavam. Eu mesmo fiquei impressionado.

                  - E o que eles falavam?

                  - Normalmente era besteira. Só teve uma vez que um deles disse que o chefe tinha que me eliminar, porque eu não servia para nada. E que o que aconteceu naquele dia – parece que tinha tido algumas baixas – só podia ter sido causado por mim, porque eu dava azar. Aí eu respondi que eles é que deveriam ser eliminados, porque só eles falavam a língua do demônio. Quase me deram um tiro. Chegaram a apontar as armas na direção da minha cabeça. Por sorte chegou um outro guerrilheiro e repreendeu-os, e mandou-os se retirarem.

                   - Sorte mesmo. Você passou por uns maus bocados.

                   - Eles ficavam doidinhos comigo. Eu falava a língua de todo mundo. Não podiam falar nenhum segredo perto de mim e eu sabia na hora.

                   - Se eu não te conhecesse, também ficaria preocupado. Mas eu sei que você é uma pessoa do bem. Não sabemos quem você é e de onde você é, mas isso não tem importância, porque eu sei que você é meu amigo. Só isso basta.

                    Téo não percebeu, porque caminhou novamente em direção à janela, mas Mohammed deixou escapulir uma grossa lágrima. Porém foi rápido ao enxuga-la, não dando tempo que o amigo visse a sua fraqueza.

                     O sargento apoiou os dois cotovelos no parapeito e ficou olhando para a rua. O chão estava todo desenhado pelas sombras dos galhos das árvores. As sombras não eram definitivas, como não era definitivo o que passava dentro da sua cabeça. Parecia que o vento que balançava os arvoredos, também sacudia os seus pensamentos. Se esticou e passou nervosamente uma das mãos na cabeça. Girou o corpo e caminhou em direção a cama. Começou a mancar e torceu a cara como sentisse dor. Mohammed notou e interpelou-o:

            - O que houve, sargento? Que careta é essa? Está sentindo dor?

            - Estou. Onde levei um tiro sempre doí.

            - Foi depois que saímos do subterrâneo?

            Téo balançou a cabeça.

            - Não. Esse tiro foi logo que cheguei no Afeganistão.

            - Ué! E agora voltou a doer?

            - Depois que voltei para casa. Começou a doer nos Estados Unidos. Quando cheguei aqui piorou.

            - Assim sem mais nem menos ele dói?

 ....Continua Semana que vem! 


 

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