terça-feira, 16 de janeiro de 2024

A Minha Casa Não é Essa - Parte 88

 


Continuando...

            Parou bem próximo da beira do rio, em um ponto que apenas com um empurrão, o carro mergulharia naquelas águas profundas e, com certeza, nunca mais seria encontrado. Puxou o freio de mão e desceu. A esposa tinha parado um pouco atrás, mas resolveu fazer logo a manobra e colocar o carro logo na posição de saída. Aquilo tudo não estava fazendo muito bem a ela. Queria sumir dali o mais rápido possível e encontrar os seus parentes. Fez o sinal da cruz e um fio de lágrimas escorreu pela sua face rosada. O marido chegou na hora e viu o seu rosto molhado de lágrimas. Tirou o lenço do bolso e passou no rosto da esposa e disse com o máximo de doçura:

             - Oh! Meu amor! Não fique assim! Não se sinta culpada! O que fizemos, era para ser feito! Vamos colocar o nosso gesto como legítima defesa!

            - Mas eu os matei, Kurt!

            - Se não tivéssemos feito isso, quem estaria sendo jogado no rio, com certeza, seriamos nós! Foi legítima defesa, sim! Não pense mais nisso. Vou terminar o que começamos.

           Helga engoliu o choro e mentalmente pediu perdão a Deus pelo o que tinha feito. E pediu a Deus, também, pelos quatro mortos. Depois fez o sinal da cruz novamente.

            Kurt foi até o carro, abriu a porta e puxou o policial Weber, que estava no banco do carona, para o banco do motorista. Logo que terminou de fazer isso, pensou que não era assim, mas resolveu deixa-lo ali mesmo. O motorista mesmo estava no banco de trás. Mas, se eles fossem achados, quem iria questionar isso? Fechou a porta, mas depois abriu novamente. Saiu e foi procurar uma pedra. Por sorte encontrou uma do tamanho perfeito para o que precisava.

             O policial da Gestava estava um pouco tombado, com a cabeça quase batendo no volante. Kurt puxou-o e colocou-o na posição de quem estivesse dirigindo. Puxou as suas pernas um pouco para baixo e assim a sua cabeça apoiou no encosto do banco. Depois esticou o braço e conseguiu destravar o freio de mão. Mas antes de fechar a porta, fez a saudação nazista. Entretanto balançou a cabeça, negando aquilo que tinha feito. Não sabia o porquê de ter feito aquilo. Mas no fundo sabia que aquilo que tinha feito, não era por Hitler, mas sim pela Alemanha, que não tinha nada a ver com a insanidade de alguns psicopatas. Era amigo íntimo de Hitler, mas sabia que ele era uma pessoa doente da alma. Ele nunca conseguiu entender a doçura que era dispensada a ele pelo führer, enquanto esse mesmo homem tratava os supostos inimigos da Alemanha com uma crueldade sem tamanho. E o pior, sem demonstrar qualquer remorso. Para ele, Kurt, Hitler tinha um imenso coração e para com os judeus, comunistas e outros desafetos, tinha uma pedra no peito. Ficou abatido quando pensou que gostava dele. Mesmo sabendo das suas barbaridades. Um fato que até aquele momento ele não tinha entendido, de repente veio a sua cabeça: por que o führer nunca comentou com ele a respeito das barbaridades que cometia e nunca quis envolve-lo naquela sujeira? A sua proteção era incondicional. Fora colocado num gabinete, fora condecorado com a patente de general, e afastado de quaisquer atrocidades praticadas pelo partido nazista. Ele sempre fora enganado, como fora o povo em geral. Parece até mentira, mas nunca soube o que acontecia nos campos de concentração, até pouco tempo. Custou a descobrir as maldades ali praticadas. Ou sempre soube, mas preferiu fechar os olhos para o mundo exterior? Como era protegido pelo führer, e a sua família também, não se importou com as pessoas que estavam ao seu redor, sofrendo o pão que o diabo amassou. A guerra para ele, só acontecia fora do seu país. A Alemanha vivia num paraíso particular. Mas um dia a cortina, quando não se tem um coração tão duro, cai e, então, se consegue ver pelo vão da janela.  Essa visão se deu graças a sua esposa Helga, que esteve sempre atenta as conversas e mexericos na sociedade berlinense. Enquanto o marido procurava pelos amigos que só falavam futilidades, ela se chegava à roda das pessoas que discutiam política e que traziam informações frescas do front. Verdadeiras ou falsas, não importavam muito, porque ela pesava na sua balança e separava o joio do trigo. Depois de tantas informações conturbadas ela chegou à conclusão que vinham muito mais notícias falsas do que verdadeiras. Somente uma ou outra realmente poderia se dar crédito.

           As notícias inventadas eram tão repetidas que juravam, pouco tempo depois, que eram verdadeiras. Helga conhecia o mestre das notícias bem antes de ele ser um dos homens mais fortes do nazismo. Sempre fora um criador de histórias, por isso sempre procurou peneirar as notícias que chegavam de fora, que na verdade eram criadas ali mesmo, para levar o povo à falsa ilusão que a Alemanha estava dominando o mundo.

            Helga fazia um trabalho diário com o marido para que ele abrisse o olho, ficasse atento para tudo que acontecia em sua volta e procurasse sair do seu gabinete, que na realidade era quase sem importância, e se inteirasse, discretamente, do que acontecia ao seu redor, e que passava despercebido. Isso acabou funcionando e Kurt foi se inteirando do que realmente acontecia dentro do governo. Até mesmo quando ficava com Hitler, começou a ficar antenado nas conversas dos ministros, procurando decifrar o que vinha nas entrelinhas. Sabia que eles procuravam não se abrir com o führer na sua presença, mas quando precisavam dizer alguma coisa de muita importância, quase sussurravam na orelha de Hitler, e isso fazia com que ele pedisse licença e se retirasse. 

..........Continua Semana que vem!

 

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