terça-feira, 14 de novembro de 2023

A Minha Casa Não é Essa - Parte 79

 


 Continuando...

             Joseph levantou um braço e chamou Herr Carl, sem tirar o binóculo da frente dos olhos.

            - Pai. Acabou de entrar na estrada um carro. Dá uma olhada.

            Carl foi rápido até a janela e pegou o binóculo da mão do filho. Mirou na direção da nuvem avermelhada que o vento espalhava no ar e viu um veículo que deslizava em velocidade baixa no meio da poeira. Não conseguia identificar os passageiros, mas percebeu que eram dois. Então por precaução mandou que a esposa e os filhos fossem para dentro do carro, e pediu ao menino para que deixasse o veículo ligado. Ia esperar mais um pouco para ver se conseguia identificar os passageiros.

             O carro continuava em baixa velocidade, isso fez com que relaxasse um pouco, porque, com certeza, se fosse a polícia viria em alta velocidade. Quando a poeira tomou outra direção, devido à mudança do vento, o carro ficou visível. Carl sorriu de orelha a orelha e respirou aliviado. Tinha identificado o tio e a esposa dele, Frau Helga, uma bela mulher que o general desfilava vaidosamente na sociedade berlinense.

             Carl largou o binóculo em cima do parapeito da janela e correu até o carro para avisar aos familiares que era o tio que estava chegando. Foram todos rapidamente para porta principal e ficaram ansiosos à espera do seu salvador.

              Frau Helga foi a primeira a descer do carro. Estava vestida como se fosse para uma festa. Mal colocou um pé no chão empoeirado, abriu um sorriso largo quase maior que a sua boca. Anna correu ao seu encontro, que a estreitou nos braços longos e brancos como cera e beijou-lhe as faces rosadas, demonstrando apreço pela sobrinha. E realmente gostava muito da menina. Poucas vezes se viam, entretanto ao se avistarem sempre havia essa troca de carinho. Frau Helga já passava dos trinta anos e não tinha conseguido ter filhos, então tratava Anna como se fosse uma filha.

              A esposa do general Kurt à primeira vista, parecia uma mulher frívola, mas na verdade era uma pessoa de coração grandioso, além de ser muito culta. Nesses momentos onde o amor transbordava da companheira, o general chegava até às lágrimas. Lágrimas enxugadas discretamente, antes que a mulher percebesse e também os demais. Sabia que ela transferia todo o seu amor para a sobrinha. Amor que trazia guardado para um filho que nunca conseguiu ter. Quem poderia imaginar um general nazista ter um coração mole. Mas Kurt era sim esse tipo de pessoa. Era um militar alemão, mas que nunca cometera qualquer tipo de crime. Ele segredava para a esposa a sua contrariedade pelo que o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães cometia contra o seu povo. As barbaridades contra cidadãos nascidos em solo alemão, eram inadmissíveis, ferindo todos os ensinamentos que obtivera dos seus pais, cristãos por excelência. Os amigos e colegas de farda respeitavam e toleravam a sua crença, pois sabiam o quanto ele era estimado pelo führer. Por sua vez, Kurt   sabia que não podia propagar aos sete ventos a sua crença, para não colocar Hitler em situação constrangedora perante os seus comandados. Então procurava não demonstrar reação e nem emitir opiniões acerca das perseguições religiosas e raciais. Para não complicar a sua vida, a dos seus familiares e a dos seus amigos judeus, preferia se manter longe das discussões que orbitassem nessas esferas. Quando podia, saía de fininho. Mas sabia que tinha inimigos que estavam na espreita. Muita gente tinha inveja da sua amizade com o führer. Por outro lado, ele era um soldado que fora herói da primeira grande guerra. Isso era outra coisa que fazia ser respeitado.

           A amizade que Hitler nutria pelo general Kurt datava da primeira guerra mundial, quando Hitler era cabo, e Kurt era tenente. Ambos lutavam na linha de frente e numa ocasião foram cercados e quase mortos por combatentes inimigos. A companhia já estava quase todo dizimada, sobravam apenas alguns soldados, o cabo, que era Hitler, e o tenente Kurt. Todos estavam esgotados. A noite descia acompanhada de uma chuva fina. A companhia reduzida se protegia o máximo que podia dentro das trincheiras lamacentas e fétidas. O frio cortava a carne já bem desprotegida pelos casacos ralos e envelhecidos pelo uso. O cabo encolhido, mantinha a cabeça arriada, parecendo cochilar. O tenente olhava para os seus comandados e pensava em como poderiam sair dali com vida. Os tiros tinham parados a mais de duas horas. Mas ele sabia que com certeza mais bombas iam ser despejadas em suas cabeças. Ficar ali esperando, seria um suicídio.

          Os soldados estavam tirando os corpos dos amigos que tinham sucumbido horas antes. Alguns soldados tiravam as roupas dos mortos para se protegerem da chuva e do frio.  Enquanto uns jogavam os corpos para cima, outros arrastavam-nos para outra trincheira. Depois dessa limpeza, os soldados sentaram-se no fundo da vala e cada um deles tirou um cigarro. Com o grupo reduzido reunido, o tenente, que agora comandava, aproveitou para conversar com eles:

           - Escutem. Fumem os seus cigarros, mas depois procurem dormir. Acho que darão uma trégua até o amanhecer, assim penso. Vou ficar acordado, já que estou sem sono, e vocês aproveitam para dormir. Depois vamos revezando. Quando eu cansar, acordo um de vocês. Somos poucos, mas temos que mostrar para o inimigo que temos forças suficientes para nos transformarmos em dois, quando for preciso. Vamos sair daqui vivos.

           Ninguém respondeu nada. Eles achavam o tenente educado demais para ser um soldado. Mas respeitavam-no como superior, mesmo não acreditando que ele pudesse tirá-los daquela enrascada.

           A chuva não dava trégua de jeito nenhum. Pingos grossos não deixavam o sossego tomar conta da noite. Martelavam em cima dos capacetes, como goteira, parecendo assim tortura para os soldados. Mas como estavam esgotados dormiam assim mesmo.

           Kurt levantou-se e caminhou até onde estava cada um dos soldados, que já respiravam ruidosamente. Examinou-os um a um, constatando que todos dormiam um sono pesado. Entretanto as armas estavam todas no ponto de ser usadas. Ficou satisfeito ao observar a disciplina dos seus homens. Homens que estavam preparados para darem a vida pelo seu país e pelo seu colega de farda. De repente um raio cruzou o céu, iluminando toda a trincheira. Nesse momento ao olhar para a borda do buraco, viu um inimigo já preparado para cravar a sua baioneta no cabo Adolf, que dormia profundamente, não sabendo do perigo que estava exposto. Entretanto o soldado inimigo não contava com a rapidez do tenente Kurt, que vendo o brilho da lâmina próximo a cabeça do cabo, não pensou duas vezes e fez um único disparo, e certeiro. O inimigo tombou dentro trincheira, quase caindo em cima do cabo, que acordou assustado. Adolf percebeu na hora que fora salvo pelo tenente. Levantou-se e foi até Kurt. Bateu no seu ombro e agradeceu:

          - Obrigado tenente. Devo a minha vida ao senhor. Desculpe em bater no ombro do senhor, numa forma desrespeitosa.

          - Não tem problema cabo. O importante é que estás vivo.

          - Serei eternamente grato.

.......Continua Semana que vem!

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário