terça-feira, 7 de novembro de 2023

A Minha Casa Não é Essa - Parte 78

 


Continuando...

        Sem perceber já estava chegando em casa. O suor era abundante. Não tinha certeza se foi causado pelo esforço ou pelo medo. Mal chegou a porta, a esposa já veio ao seu encontro. Entraram abraçados em silêncio. Ele só foi falar quando se sentou na poltrona. O cansaço era grande. Mesmo com a ansiedade à flor da pele, Frau Eva esperou o marido voltar a respirar com mais leveza. Ela estava se segurando para não passar o nervosismo para os filhos, que já estavam na sala arrumados para a viagem, ou melhor dizendo, fuga.

           Carl finalmente respirou fundo e procurou, ao falar, não transmitir o medo que carregou desde o posto telefônico até ali.

          - Eva eu consegui falar com o meu tio. Ele me disse para que ficássemos calmos que ele viria o mais rápido possível. Aqui ele dirá o que devemos fazer. Acho que ele está otimista, mas devemos ter cautela. Acredito, acredito não, eu tenho certeza, que as providências que tomamos estão corretas. Acho que ele já vem com uma solução para o nosso caso. Agora é só esperar.

          Carl foi até a garagem e deixou o carro preparado para qualquer emergência, caso a polícia chegasse primeiro que o seu tio. Depois voltou, pegou o seu binóculo e ficou olhando, pela janela, a estrada. Após alguns minutos chamou o filho e pediu para que ele assumisse o seu posto. Em seguida pegou duas malas pequenas e levou-as para o carro. Quando ia coloca-las dentro do veículo, parou e deixou-as no chão. Voltou para o interior da casa. Coçou a cabeça e falou com a esposa:

          - Eva, eu não falei para não fazer malas?

          - Mas Carl, temos que levar algumas roupas. Aquelas malas são pequenas, não vão chamar a atenção.

          - Tudo é suspeito, Eva.

          - O que foi que o seu tio falou?

          - Ele falou no antitérmico.  

          - Então, ele mandou arrumar as malas. Não é o código? Já que ele falou, é porque ele garante.

          - Garante o quê, Eva? Acho que se ele se sentir sufocado pela nossa situação, ele vai nos largar a própria sorte.

          - Não pense assim, Carl! Ele é um bom homem! Tenho certeza disso! Ele não conseguiu nos proteger? Então, se fosse muito risco para ele, simplesmente ia nos deixar por conta da nossa própria sorte, desde o início.   

           Carl confiava no tio, isso era certo. Mas será que ele ao sentir a corda no pescoço, não iria virar às costas? Isso ficou zanzando dentro da sua inquieta cabeça. Preferiu não falar mais nada com a esposa e aceitar as duas malas. Então voltou rapidamente para a garagem, pegou as malas do chão e colocou-as dentro do carro.

            Já estava quase tudo pronto, só faltando apenas encher o tanque do carro. Foi até o armário na garagem e pegou a reserva que tinha de combustível. O carro já estava abastecido e pronto para sumir dali. Mas sentiu o seu coração apertado. Batia desconfortável. Esticou o olhar pela plantação de batatas, a sua direita, que já apareciam os primeiros brotos. Era um tapete verde esticado por mais ou menos dez mil metros quadrados. Depois olhou para uma pequena área do terreno, à esquerda, que não passava de três mil metros quadrados, cercada com arame farpado, e mirou as suas duas vacas leiteiras que pastavam sem preocupação. Sem perceber, dois fios de lágrimas desceram pelo seu rosto. Ia sentir falta daquele lugar. Já se acostumara com aquela vida mais silenciosa e sossegada. Mas agora não tinha saída, era deixar tudo para trás e salvar a sua vida e a da sua família. Enxugou o rosto e voltou para a sala, onde estavam os seus.

          O filho continuava no seu posto de observação com os olhos colados nos binóculos, vigiando quem chegasse pela estrada, que distava quase um quilometro dali. Até essa estrada, era uma área desabitada. E em toda a volta da propriedade era um somatório de terrenos baldios. O vizinho mais próximo de Herr Carl, ficava a três quilômetros à frente, mas não era visível, tendo em vista que a estrada que passava pela frente da sua propriedade se perdia numa curva a três quilômetros à frente, onde se encontrava essa propriedade habitada.

           Carl achava que se a polícia de Hitler apontasse na estrada ele teria tempo, junto com a família, de fugir sem ser visto, porque a estrada torcia um pouco à direita e ficava encoberta pela sua casa. Com isso conseguiria chegar até a curva à esquerda, onde ficava o vizinho mais próximo, e se embrenhar num bosque das proximidades e se esconder por algum tempo, até a poeira se assentar.

             Eva e o marido andavam de um lado para outro da sala com ansiedade extrema. Os dois corações estavam aos saltos. De vez em quando metiam a cara em uma das janelas para ver se o tio já estava chegando. E voltavam a caminhar no curto espaço da sala. Anna olhava, com uma boneca de pano no colo, os pais naquele anda, anda, sem entender o que estava acontecendo. O perigo passava longe dela. Os seus sonhos de menina de onze anos eram só fantasias. Era um faz de contas onde a violência era desconhecida. Aquela dor que os pais estavam sentindo por antecipação, não tinha sentindo algum no seu mundo encantado. Mas como prestara atenção nas vezes que os pais iam até a janela, por curiosidade levantou-se, ajeitou a boneca nos seus braços e foi ver o que tanto eles olhavam. Constatou que, para ela, não existia coisa alguma, além dos campos vazios e uma estrada poeirenta, que bastava o vento soprar para colorir o ar de uma névoa cor de barro. Torceu o nariz e voltou para o seu cantinho mágico, onde a felicidade era o tom maior.

              Pegou uma vasilha pequenina e fingiu que preparava uma mamadeira para a sua boneca. Sentou-se no chão e passou a dar o leite imaginário para ela. Depois colocou a boneca com a cabeça no seu ombro e deu umas palmadinhas nas suas costas. Em seguida colocou-a deitada num berço improvisado. Deitou-se ao lado e continuou sonhando.

........Continua Semana que vem!

 

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