Continuando...
O filho ficou pensativo, procurando uma forma de como contar a asneira que fizera. Olhava para a mãe, mas sem olhar nos seus olhos, e depois para o chão. Era visível o seu nervosismo. Estava constrangido e muito assustado também. Não sabia até onde poderia colocar em risco a segurança da família. A mãe, em silêncio, olhando-o ternamente, esperou pacientemente que o filho conseguisse desabafar. Quando finalmente ele conseguiu olhar dentro dos olhos da mãe, então resolveu botar tudo para fora, que o estava amargurando.
- Mãe. Acho que fiz besteira. Mas eu não sabia da origem da senhora.
- Como você descobriu? – falou, com a voz já alterada, Frau Eva. E os seus olhos perderam rapidamente a doçura de minutos antes.
- Desculpe mãe. Eu ouvi uma conversa da senhora com o pai. Eu não entendia o porquê dessa mudança.
- Quando foi isso?
- Há pouco tempo.
- Depois que viemos para o campo?
- Não. Lá em Berlin eu soube.
- Ficou ouvindo atrás da porta?
- Não mãe! Eu estava sentado debaixo da sua janela e sem querer ouvi o pai falando que estava com documento novo para a senhora. E que tinha tirado o seu sobrenome judeu, pra não deixar rastro.
- Mas isso não tem pouco tempo. E a besteira que você falou? Qual foi a besteira?
- A senhora se lembra de Wagner e Wolf?
- Claro. Me lembro muito bem dos dois, seus melhores amigos.
- Então, eu me comunicava com eles.
- Como é? Você deu a localização nossa para eles?
- Mas foi sem querer. Eu queria saber tudo que estava acontecendo na capital. Eu sabia que eram judeus, então queria ficar informado da situação deles.
- Seu pai tem que saber disso. Acho que vamos ter que sair daqui.
- Será mãe?
- A besteira já foi feita, agora temos que dar um jeito para consertar isso.
Herr Carl tinha ido até o centro da pequena cidade, como fazia, pelo menos, três vezes por semana. Precisava estar em contato com o tio general para ficar informado de tudo que se passava em Berlin. Queria saber como ia a guerra. Mas começou a suspeitar, devido a repetição dos fatos, que as notícias não eram tão verdadeiras assim. Com certeza o tio era obrigado a passa-las recheadas de vitórias no front. Dizia sempre que a Alemanha continuava devastadora. Já dominava quase toda Europa. Mesmo com uma pulga atrás da orelha, ele saía, depois que falava com o tio, com um sorriso de orelha a orelha. Caminhava alguns metros até uma panificadora e comprava alguns pães e doces para agradar os familiares. Quando chegava em casa, a dúvida não existia mais.
A tarde já caía quando Carl chegou. Entrou sorridente, mas levou uma ducha de água fria quando encontrou a esposa com o semblante carregado. Era um quadro nada, nada compatível com o seu estado de espírito. Estava feliz com a sua pátria. Não que concordasse com o que os nazistas faziam com os judeus, ciganos e outras raças que não fosse ariana, segundo Hitler, a raça pura. – Sargento, qual é a raça pura? – interrompeu a história, Mohammed.
- Mohammed para mim não existe raça pura. Isso é balela. Até hoje continuam cometendo barbaridades em nome de uma superioridade racial que não existe. É todo mundo igual. Qual raça é superior à outra? As raças vêm se misturando ao longo da existência humana. O teste do DNA está aí para provar. Quando Jesus falou que todos eram irmãos não foi à toa.
- Ué, Jesus já conhecia o teste de DNA?
- Sei lá, Mohammed. Como é que vou saber? Mas como ele sabia de tudo, de repente sabia disso também, mas não falou nesses termos, senão o pessoal daquela época ia pirar.
- É. É mesmo.
- Não vai continuar com a sua história? Para um sonho, está muito detalhada. Acho que você leu isso em algum lugar.
- Não sargento, foi sonho mesmo!
- Você pode ter lido e sonhado depois. Você perdeu a memória, não foi?
- Isso é fato. Será que li essa história? Eu estava querendo contar, porque me senti na pele daquele menino. Achei que podia ter sido eu, já que o senhor falou de reencarnação, em outra época.
- Então continua.
- Então o senhor Carl chegou e encontrou a esposa com o semblante carregado. Isso foi como uma ducha de água fria sobre a sua cabeça. Vinha com a alma feliz, em razão da sua pátria está conseguindo vencer os inimigos. Tinha momentos em que se sentia desconfortável ao saber que outros patrícios estavam dando o seu sangue pela Alemanha, enquanto ele estava ali de braços cruzados. Depois recordava dos ferimentos que sofrera na primeira grande guerra, impossibilitando-o, naquela hora, de ir para a linha de frente. Essa lembrança dava um alento. Mas era só lembrar, que as dores voltavam com toda a força. Um dos ferimentos, bem próximo do coração e que ainda tinha a bala alojada, era para que não esquecesse nunca mais que estivera no inferno. A tristeza abatia-o todas às vezes que a lembrança chegava sem avisar. Mas naquela hora ficou triste por não poder ir à guerra. Temporariamente se esqueceu da carranca que a sua esposa carregava. Deu um sorriso meio sem graça e perguntou da razão daquela expressão tão pesada.
- Eva, minha querida, o que foi que houve? Cheguei tão alegre pela nossa pátria estar se saindo vitoriosa a cada dia. As notícias do front são animadoras. Acho que essa guerra vai acabar bem antes do que imaginávamos. Então, conta o que está te afligindo.
- Carl. – fez uma pequena pausa. Mas antes que o marido dissesse alguma coisa, levantou o braço num gesto para que ele esperasse, e continuou, mas antes respirou fundo para aliviar a tensão.
- Carl, presta atenção. Por favor, não me interrompa. O que vou falar é muito sério. Acho que as coisas vão complicar para o nosso lado.
- Complicar, como? Está tudo sobre controle, minha querida. Estamos aqui em segurança. Meu tio está garantindo nosso refúgio. Estou ficando preocupado com a sua expressão um tanto carregada. Que jeito é esse tão pessimista?
- Carl, não é pessimismo. Senta aí na cadeira, deixa-me ficar mais um pouco em silêncio, para ver se me acalmo. A situação é terrível. Não fale nada, por enquanto, me deixa arrumar minhas ideias.
Nenhum comentário:
Postar um comentário