terça-feira, 3 de outubro de 2023

A Minha Casa Não é Essa - Parte 73

 


Continuando...

             Kalled com toda a sua frieza, não conseguia ficar à vontade. Ele tinha o seu limite. Como todo ser humano, na hora do perigo iminente a preservação da espécie fala mais alto. A sua valentia ia até onde encostava no medo. Os seus amigos não perceberam, mas o suor brotava no seu rosto, como num teto de banheiro cheio de gotículas, depois de um banho quente. Ele se afastou um pouco e enxugou o rosto. Depois voltou novamente a sua observação. O interior estava bem iluminado. Mas só o que ele viu foi alguns ratos passeando no pequeno salão. Então meteu a sua lanterna para dentro do buraco e vasculhou todos os cantos possíveis do porão. Não achou nada de anormal. O único senão era para um armário que estava afastado da parede. Vestiu de novo a coragem, levantou-se e chamou os amigos para descerem com ele.

             Nem sinal dos americanos e nem dos garotos. Depois de observar bem todo o salão, não teve dúvidas de que os americanos e os garotos estiveram ali. Dirigiu-se então para o armário. Olhou por trás e viu que tinha uma portinhola que estava apenas encostada. Calculou rapidamente o seu tamanho e percebeu que devia ter um metro por um metro. Achou curioso o material de que era feita. A princípio achou que fosse de aço, mas depois de passar a mão, ficou na dúvida. Como sempre fora uma pessoa cautelosa, não quis abri-la, preferindo olhar por uma pequena nesga. Entretanto a sua curiosidade foi abortada, porque a escuridão era total, não conseguindo nem saber o que estava a sua frente. Chamou os amigos e pediu que um deles abrisse a pequena porta. Mas antes engatilhou a arma e se postou bem em frente. Depois mandou que Nazary ficasse de lado e empurrasse a portinhola. E assim foi feito. Depois dela escancarada surgiu apenas um buraco completamente sem luz. Kalled mirou aquela escuridão silenciosa e sentiu um aperto no coração.

             - Isso me incomodou. - disse quase que pra si mesmo - Alguma coisa dentro de mim fala para eu não entrar aí. Mas por outro lado se assim eu não fizer, serei marcado com o ferro quente da covardia.

              - Kalled, eu acredito no seu faro. Você vê o fato, bem antes dele acontecer. Isso é um aviso. Pode ser que nessa escuridão toda tenha uma armadilha nos esperando. Vamos desistir?  Não é covardia. - falou Balal, torcendo para que o chefe virasse às costas e saísse dali, pois quem estava com mais medo era ele.

              - Você está querendo que eu fuja?

              - Não é isso, chefe.

              - É claro que é isso! Um combatente não pode fugir jamais de um campo de batalha! Já que você está com medo, você vai na frente.

              - Mas Kalled...

              - Não tem mais nem menos, pode ir em frente.

              Balal respirou fundo, abriu mais a portinhola e iluminou a entrada do túnel. Depois de constatar que não tinha nenhum perigo aparente, entrou, seguido de Kalled e Nazary, que acenderam as suas lanternas imediatamente para que o ambiente ficasse mais iluminado. Mal o local ficou com mais claridade, os olhares dos três se fixaram no tubo prateado-brilhante. O que já era surpresa, virou fascínio. Pelo brilho dos olhares, pareciam completamente enfeitiçados.  Kalled foi o primeiro a sair do êxtase e tocar a superfície do metal que revestia o túnel. Com o toque, achou que era aço, mas não conseguiu ter certeza. Aquilo era diferente. Nunca tinha visto nada igual. Em fração de segundos o túnel se iluminou. Mas o fundo continuava negro. Olharam-se surpresos com aquela repentina claridade e Nazary comentou:

            - Viu isso, Kalled? Onde estão as lâmpadas? Vocês estão vendo de onde sai a claridade?

            - Estou achando isso muito estranho. Será que isso é obra dos ianques? Mas como é que conseguiram colocar um tubo desse tamanho, sem ninguém ver? Eu não disse que eles tinham uma rota de fuga!

            - Você falou? – perguntou Balal.

            - Falei antes de entrarmos no porão. Você não ouviu?

            Balal balançou a cabeça negando e quando ameaçou falar alguma coisa, Kalled, não querendo que a conversa se alongasse, deixou-o no vácuo e, passando pelos dois, caminhou para o fundo do túnel. Os dois sem alternativas, seguiram seus passos.

              Os três estavam deslumbrados com aquele tipo de iluminação. Olhavam para a tubulação tentando encontrar as luminárias. Ao jogarem a luz das suas lanternas para cima da superfície metálica, perceberam que o lume era absorvido pela luz que saía dali. E a sensação que as lanternas estavam apagadas. Nazary juntou as mãos, ergueu para o alto e falou alguma coisa, num sussurro tal, que os amigos nem perceberam.

              Kalled foi andando mais rápido, quando percebeu já estava no ponto em que apareciam três túneis: um à frente, outro à direita e mais outro à esquerda. Como estava deslumbrado, olhava apenas para à frente e para o alto, esquecendo-se de olhar para onde pisava. Acabou tropeçando e caindo em cima dos corpos dos soldados americanos. Levantou assustado e procurou onde tinha tropeçado. Depois do susto veio a surpresa. Debaixo dos seus olhos estavam dois ianques mortos, com as feições completamente deformadas. Não conseguiu saber a causa daquilo. Chamou pelos dois amigos, que vinham caminhando vagarosamente. Com o chamado do chefe, aceleraram os passos. Ao chegar onde ele estava, levaram um choque ao ver aqueles dois corpos com as caras deformadas. Passaram pelos cadáveres e se postaram ao lado de Kalled, como se o chefe fosse protegê-los daqueles dois monstros sem vida.

              Os três se olhavam sem que um deles tivesse a coragem de falar alguma coisa. Balal virou o rosto e olhou para o túnel à direita. Nisso percebeu que vinha uma névoa esbranquiçada na direção deles. Depois olhou para o da sua frente e viu a mesma coisa. E por último o da esquerda: não era diferente. Estava assustado. Cutucou Kalled e apontou para os túneis. Nesse momento a névoa já estava bem próxima. Kalled não pensou duas vezes: puxou os dois pelos braços e tentou voltar para onde tinham vindo. Só que foram apenas poucos passos, pois o caminho estava obstruído por alguma coisa invisível aos olhos humanos. Era uma barreira intransponível. Tentaram forçar, mas tinham a sensação que braços fortes barravam a passagem. Em poucos segundos a fumaça esbranquiçada já tinha tomado conta de todo o ambiente. Um por um foi caindo. Vida, com certeza, já não existia mais ali. 

........Continua Semana que vem!

 

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