terça-feira, 10 de outubro de 2023

A Minha Casa Não é Essa - Parte 74

 


Continuando...

        Os dois, Téo e Mohammed, dormiam um sono profundo. Rachid sentado olhava os dois dormindo, mas parecia completamente alienado. Olhava e não via ninguém. Depois de algum tempo levantou-se e começou a andar de um lado para o outro, falando coisas desconexas. De repente, a cada passo, começou a mudar novamente a forma física. Em frações de segundos já estava um adulto, com a barba longa, parecendo um mulá. Era outra pessoa.

           Com passos fortes batendo no chão, Rachid, ou não, fez com que Mohammed despertasse. Foi só ele abrir os olhos e tomar um baita susto, ao ver à sua frente uma pessoa que ele nunca tinha visto.  Foi essa sensação à primeira vista. Para ele era um inimigo, um guerrilheiro, que viera atrás deles. Sem querer fazer alarde, cutucou levemente o sargento e esperou que ele abrisse os olhos. Até que Téo não acordou assustado, mesmo encontrando a cara de Mohammed quase colada na sua. Sorriu e perguntou:

           - Já amanheceu, Mohammed?

           Mohammed apenas balançou a cabeça, dizendo que não. Na realidade ele queria dizer que não sabia. Como tinha consciência que estava debaixo da terra, dentro daquela tubulação, nem imaginava se era dia ou noite.

           Téo passou às costas da mão nos olhos, depois se espreguiçou e tentou se levantar, mas foi interrompido pelo menino. Com o olhar de censura reclamou:

           - O que é que está havendo? Por que me impediu de levantar?

           Mohammed se aproximou da sua orelha e disse baixinho:

           - Sargento, o senhor já viu que tem uma pessoa que está nos olhando? Está em pé, bem na nossa frente a nos vigiar. Está parado ali há muito tempo. Não tem arma... – acho que não tem. Se tivesse já estava apontando para nós. O que está me intrigando é que ela não sai da mesma posição, e faz é tempo! Me olha, mas parece que não está me olhando. Olha e não me vê. É a sensação que estou sentindo. Muito esquisito, não acha?

              Aí sim que Téo esticou o seu olhar na direção que o menino tinha apontado. E realmente viu um homem barbudo, com mais de um metro e oitenta, com olhar fixo neles. Analisou a figura e depois falou na orelha de Mohammed:

             - Olha bem para ele. Não parece com alguém que a gente conhece?

             - Não sei sargento.

             - Olha bem, Mohammed. Vou dizer com quem ele parece.

             - Com quem? Ah! Já sei! Rachid! Não é?

             - Isso mesmo.

             - Será algum parente dele?

             - Não sei, mas temos que descobrir. Parece um guerrilheiro.

             - Mas ele não está armado, sargento.

             - Mas eu estou, Mohammed. Vamos resolver logo isso.

             - O senhor vai atirar nele?

             - Não. Claro que não. Só se ele puxar alguma arma.

             Téo foi-se levantando calmamente, entretanto não deixou de, por precaução, engatilhar a sua arma. Mohammed levantou-se junto com ele. A pessoa continuava na mesma posição. Nem o movimento de Téo e nem o de Mohammed mexeu em nada com ele.  Parecia um ser desprovido de emoções. Mohammed tentou falar-lhe:

           - Quem é você? Não me escutou? Ou não quer responder?

           Sem dar a mínima importância para o amigo, Rachid virou-se e foi caminhando. A partir do segundo passo o fato, que tinha acontecido anteriormente, voltou a se repetir. Ele foi mudando até chegar ao atual Rachid. Os dois, Mohammed e Téo, estavam boquiabertos.

          - O que é isso meu Deus?

          Téo jogou a pergunta no ar e olhou para Mohammed, como se ele fosse conseguir responder uma pergunta que não tinha resposta.

          Dessa vez Rachid, antes de se virar, se movimentou passando a mão na cabeça e em seguida descendo para o tronco até chegar às pernas. Depois apertou um braço, primeiro o direito, e em seguida o outro. Parecia que queria ter certeza se realmente estava vivo. Após esse ritual, levantou os braços para o céu e falou algo que somente ele sabia. Como Mohammed já conhecia o amigo deduziu que ele estava agradecendo a Deus por alguma graça alcançada. Esse era o tipo de gesto que fazia depois de sair ileso de alguma dificuldade.

         Téo ameaçou ir em direção de Rachid, mas foi impedido, delicadamente, por Mohammed, que falou baixinho:

         -Sargento, vamos esperar um pouquinho. Ele deve estar conversando com Alá nesse momento. Quando terminar, com certeza, virá até nós.

        Téo não respondeu, mas balançou a cabeça aceitando os argumentos do menino. Na sua cabeça rodavam os pensamentos com inúmeras interrogações. Estava ansioso para conversar com o garoto a respeito do que tinha visto, mas no fundo alguma coisa dizia que aquilo foi pura ilusão. Entretanto a sua visão, tinha certeza, fora real. Tudo aconteceu na sua frente e na do menino. Não foi sonho.

         Enquanto Mohammed olhava o amigo conversar com Deus, sentiu a mão do sargento no seu braço. Com esse leve toque ele se virou, percebendo na hora que Téo queria falar alguma coisa, pois, mesmo sem emitir qualquer som, o seu olhar estava ansioso para dizer algo. Então baixinho perguntou:

        - O que houve, sargento? Parece que o senhor quer falar alguma coisa. O que foi?

        Téo ficou olhando para Mohammed e depois mirou Rachid, num mutismo só. Em seguida voltou o olhar novamente para Mohammed, mas continuou sem falar nada, deixando o menino preocupado, achando que ele tinha pegado alguma ziquizira transmitida por Rachid. Mas a suspeita foi por terra, pois Téo finalmente conseguiu quebrar o silêncio.

         - Mohammed me responda com sinceridade. Você viu o que eu vi? Vimos duas vezes, não foi? Não foi sonho, né? Não estou ficando maluco, não é?

        - Calma sargento. Longe disso. Se o senhor estiver ficando maluco, eu também estou. Pode ficar tranquilo que eu vi a mesma coisa que o senhor viu. Pode ser uma coisa de doido, mas eu não estou nem um pouquinho maluco. Vamos esperar Rachid explicar o que aconteceu. Isso se ele conseguir explicar.

.....Continua Semana que vem!

 

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