terça-feira, 26 de setembro de 2023

A Minha Casa Não é Essa - Parte - 72

 


Continuando...

            O tempo passou em total silêncio. Eles não marcaram no relógio, mas deve ter sido quase uma hora, apenas olhando na direção da entrada do porão. Tanto do lado de fora como de dentro, nenhum ruído fora ouvido, até aquele momento, pelos guerrilheiros. Só Kalled, que tinha a audição mais apurada, conseguiu perceber alguma coisa se movimentando dentro do buraco, mesmo afastado, mais ou menos, dois metros da entrada. Ficou atento virando uma das orelhas nessa direção. Depois de algum tempo, deixou escapar um sorriso. Tinha identificado a origem do som: era algum rato se mexendo. O roedor passeava pelo porão a procura de algum alimento. Isso era um bom sinal, pois levava a quase certeza da inexistência de alguém dividindo o espaço escuro com ele. Mas continuou atento a mais outros ruídos. Depois de alguns minutos outros sons chegaram até o seu ouvido. Identificou na hora que eram de mais alguns roedores. Para não deixar dúvidas veio uns guinchados, agora ouvido por todos, de ratos brigando ao disputar algum alimento.

             Kalled sinalizou, enquanto se aproximava mais da entrada do porão, para que os amigos o acompanhassem. Parou na beira do buraco, ladeado por Balal e Nazary. Juntou os dois e falou bem baixinho:

             - Para termos certeza absoluta, vamos botar o plano em execução. Se não sair ninguém, é porque tem alguma passagem de escape aí dentro.

             Vou falar alto que estamos indo embora. Com certeza os ianques não entendem a nossa língua, mas os meninos vão dizer para eles o que falamos. Aí, se ainda estiverem aí dentro, vão sair, com certeza. Saindo, pegamos todos. E vivos! Estão entendidos?  

             Os dois não responderam, mas balançaram a cabeça afirmativamente. Ficou cada um no seu posto, ao redor da entrada do porão. O silêncio era profundo e nervoso. A tensão estava estampada na feição de cada um, mas Balal era o que demonstrava ser o mais descontrolado. E isso se confirmou quando, sem perceber, estalou um dos dedos. Imediatamente o chefe fez um sinal, com a cara torcida de raiva, de que iria decapitá-lo. Balal, entendeu o gesto e chegou a sentir um calafrio percorrendo o seu corpo. Na mesma hora parou de apertar os dedos e sinalizou pedindo desculpas. Nesse momento parecia que algumas gotas de suor desciam pelo seu rosto, tanto que, com às costas da mão, passou pelo rosto.

             Aquela noite parecia que não tinha fim. Tentavam não tirar os olhos de dentro do buraco. Já estavam ali a mais de meia hora e nada de aparecer algum americano. Kalled então sinalizou para os dois dizendo que ia botar o plano em funcionamento. Meteu a cara na entrada do porão e falou mais alto do que de costume:

            - Nazary! Balal! Mohammed! Mustafá! Acho que perdemos o nosso tempo aqui! Esses ianques já devem estar bem distantes! Nos enganaram direitinho! Mas não vai faltar oportunidade para nos encontrarmos! Alá está conosco! Vamos embora!

            Terminou de falar e, apontando com o dedo, indicou onde ficariam os seus dois combatentes. Depois afastou-se e se escondeu atrás de uma meia parede, que ainda resistira a chuva de bombas.

            O silêncio continuava mais barulhento do que nunca. E isso dava nos nervos de qualquer mortal. Mas como eram combatentes experientes, tentavam engolir toda e qualquer adversidade e digeri-la da melhor forma possível. Sabiam que se tivessem que ficar um, dois, três ou mais dias no mesmo lugar, esperando o “coelho” sair da toca, ficariam sem pestanejar. Eram preparados para isso. A paciência, carregavam dentro das suas mochilas. Fazia parte como se fosse a ração que os mantinham vivos.

            Kalled continuava ligado em qualquer som que viesse, principalmente, de dentro do porão. Os minutos não paravam a sua marcha. Iam implacáveis furando o tempo. Nada os interrompiam. Cada um deles parecia que trazia um pêndulo dentro da cabeça marcando o seu tic tac: era a espera. Naquele momento era o único barulho que se abraçava a ansiedade. Dava para ver claramente quando um ou outro metia a mão na granada e deixava aflorar quase um descontrole, querendo arrasta-lo a acabar logo com aquela espera, que para Balal e Nazary era desnecessária. Podiam ser preparados para a paciência, mas paciência tem hora e limite. E era isso o que andava na cabeça dos dois. Entretanto tinham consciência que não podiam ir contra as ordens do chefe, pois se descumprissem pagariam um preço alto. Então lançar uma granada dentro do porão, parava na vontade.

            Quase uma hora ficaram de olhos fixos no buraco. Como ninguém saía, Kalled caminhou com cuidado até onde estava Balal e sinalizou para o outro, para que se aproximasse. Quando estavam bem próximos, comentou:

            - Pelo tempo que ficamos esperando, e nada deles aparecerem, não vamos mais perder tempo: vamos descer.

            - Mas chefe e se eles estiverem só esperando a gente descer? – questionou, Balal.

            - Balal. Eu sei que é um risco. Estamos numa guerra e guerra só tem risco. Não podemos dar mais chances de fuga para esses ianques. Na minha opinião já não estão mais aí dentro. Tenho quase certeza que fugiram.

             - Então, Kalled, vamos embora.

             - Como ir embora, Nazary? Eu tenho um objetivo: acabar com aqueles americanos. E não vou desistir até pegá-los com as minhas próprias mãos. E vou fazer justiça. Se fugiram, foi lá por baixo mesmo. Não sei como. Mas a gente vai no rastro deles. Ou estão apenas escondidos. Por aqui eles não saíram. Custe o que custar vamos pegá-los.

            - Kalled, agora o que fazemos?

            - Balal, vamos descer. Vamos com cuidado. Quero bastante iluminação pra dentro do buraco.

             Os três se postaram o mais próximo da entrada. Acenderam as lanternas e direcionaram a luz para dentro. Ninguém ousou colocar a cara para olhar, apenas as pontas das lanternas ficaram com meio corpo para dentro. Depois de alguns minutos é que Kalled resolveu dar uma espiadela. Com cautela colocou apenas um pedaço do rosto na borda do buraco, o suficiente para que conseguisse ver alguma coisa lá no fundo.  

........Continua Semana que vem!

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