terça-feira, 5 de setembro de 2023

A Minha Casa Não é Essa - Parte 69

 


Continuando...

           Correram atrás de Rachid com medo que ele sumisse de novo. Mas o menino parou a alguns metros à frente, já fora da bolha, e tinha, aparentemente, voltado ao normal. Os dois chegaram e postaram-se à sua frente. Rachid estava parado sem demonstrar qualquer reação com a presença dos dois. Téo e Mohammed trocaram um olhar e examinaram o menino dos pés à cabeça. Mohammed se assustou ao perceber que o amigo estava com um olhar distante. Cutucou Téo levemente.

         - Sargento, o que será isso? – falou baixinho.

         - Parece que ele está em estado de choque. – respondeu Téo, sem demonstrar preocupação.

         - Estado de choque? E o que é que a gente faz?

         - Não sei. Acho que temos que esperar ele reagir sozinho.

         - Se conversarmos com ele, ele pode voltar ao normal?

         - Não sei mesmo, Mohammed. Mas podemos tentar. Vamos colocá-lo sentado e vamos fazendo perguntas. Ouvi dizer que às vezes a pessoa não volta nunca mais ao normal. Não tenho certeza.

         - Não fala isso, sargento! Ele vai voltar sim! Vamos conversar com ele.

         - Rachid, o que foi que houve? O que foi que aconteceu? Você viu algum monstro?

         O menino olhou para Mohammed, para o sargento e depois rodou os olhos por toda volta. Parecia que estava ausente. Mohammed então repetiu as perguntas, se aproximou mais um pouco dele e sacudiu-o pelo ombro. Segundos depois veio o resultado. Ele reagiu. Com os olhos vidrados, respondeu ao amigo.

          - Monstro, Mohammed? Se tivesse monstro, eu tinha pegado ele. Acho que não foi monstro nenhum. Pior!

          - Se não foi alguma coisa horrorosa, o que foi então, Rachid? Que coisa pior é essa?

          - Não sei. Não sei. Nem sei onde estou.

          Mohammed colocou novamente a mão no ombro de Rachid, mas dessa vez não o sacudiu. Abaixou a cabeça e com a ponta dos dedos, da outra mão, passou nos olhos. Depois foi ao encontro de Téo e perguntou choroso:

           - Sargento, o que será que aconteceu com ele? O meu amigo não está aqui. Onde está ele?

           - Nem desconfio. Nem desconfio, Mohammed. Nós nem sabemos como ele apareceu. Simplesmente surgiu ali na nossa frente. De onde ele veio?

          - Eu não sei. Também não vi, sargento. Ele apareceu do nada. Parece até que saiu de dentro da parede.

         O tempo foi passando e nada de Rachid voltar ao normal. Os dois já estavam cansados de fazer perguntas sem obter êxito. Depois de muito tempo gasto em vão, acabaram adormecendo. O tempo que dormiram, não dava para ser avaliado por eles, já que não tinham marcado a hora. Mas isso não importava, porque esse tempo de sono profundo foi necessário para repararem as forças físicas e mentais. O desgaste emocional daquele dia fora estressante. Nada melhor do que algumas horas de um sono reparador. Era o mesmo dia? Ninguém sabia.

         O chefe do bando, na verdade um grupo de milicianos, foi obrigado a esperar a poeira se assentar para então poder vasculhar o local, à procura da entrada do porão. Essa demora podia custar à fuga dos inimigos, causado pela imprudência de um dos seus homens, que despejara uma bomba a mais, desnecessária.

         Kalled continuava com o rosto coberto e deitado em cima de cascalhos e poeira. De vez em quando esmurrava o chão, extravasando a raiva que inundava o seu coração. Chegou até a tirar o revolver da cinta e apontar para o camarada, que nem percebeu o gesto do seu chefe, pois estava com o rosto coberto, esperando também a poeira baixar. Mas Kalled desistiu de atirar no companheiro, recolhendo a arma. Não dava para saber se foi por arrependimento ou para não fazer mais barulho desnecessário. Só ele sabia o motivo de recuar daquele gesto, fato raro, já que era um assassino de uma frieza inimaginável.

          O tempo foi passando e a poeira também. Com a ajuda de um vento moderado, ela foi se espalhando até quase sumir. Mas esse tempo, até a chegada desse vento, não foi muito curto, levou para mais de hora. Com isso Kalled, que ainda não tinha tirado a raiva de dentro de si, ficou de cócoras e chamou o camarada que estava com a bazuca, que, obediente, veio rapidamente ao chamado do chefe. Com a arma ainda na mão, arriou-se ao lado do chefe, colocou a arma no chão, e, ajoelhado, perguntou:

         - O que o senhor deseja, chefe?

         Antes de responder, Kalled xingou-o de tudo que era nome feio. Depois que tinha extravasado toda a ira em cima do subordinado, é que foi responder a sua pergunta.

          - Amim, eu quero que você vá fazer uma inspeção. Olha bem esses escombros e vê se acha algum corpo. Acredito que os que estavam aqui em cima não resistiram e morreram. Mas eu quero mais: quero achar os outros, que devem estar escondidos embaixo da terra. Vê se encontra a entrada.

          Sem contestação o subalterno levantou-se e foi vasculhar aquela montoeira de cascalhos. Tirou a arma da cintura e foi em frente. Não teve o mínimo cuidado em se proteger, indo de peito aberto. Os seus amigos apenas acompanhavam, de longe, a sua coragem ou loucura. Ninguém tinha certeza do que se passava na cabeça dele.

          Amim ficou por algum tempo sumido das vistas dos seus companheiros. Ninguém sabia mais por onde ele andava. Como não escutaram nenhum tiro, concluíram que ele estava vivo. Mas um deles colocou uma dúvida no ar:

         - Chefe e se esfaquearam ele? A faca é silenciosa.

         Enquanto conjecturavam sobre a morte ou não de Amim, ele continuava vasculhando palmo a palmo aquela área devastada. Decepcionou-se por não encontrar nenhum vestígio dos corpos dos americanos. Depois de tanta bomba jogada ali e não conseguir pegar nenhum inimigo foi realmente decepcionante. Então pensou numa única coisa lógica: eles fugiram. Mas como?  Deduziu então que não podiam ter saído dali. Não tinham para onde fugir.  Logo só podiam ter entrado no porão. Agora só faltava achar a tal entrada e pegar todos juntos encolhidos dentro do buraco. Era entrar e acabar com a raça deles, e deixá-los ali mesmo sepultados. E a vingança estava feita. Ele pensava e quase deixava o pensamento sair pela boca. Sorriu com escárnio

 ..........Continua Semana que vem!

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