terça-feira, 15 de agosto de 2023

A Minha Casa Não é Essa - Parte 66

 


Continuando...

           Téo terminou de falar e ficou em silêncio, com o olhar mirando o fundo do túnel, parecendo que procurava mais alguma coisa para dizer ao menino. Depois fechou os olhos e foi buscar no passado, não muito distante, a sua história que toda vez que lembrava, parecia que estava acontecendo naquele momento. Não demorou muito e abriu os olhos, voltando a olhar para Mohammed, que ainda continuava calado esperando que ele continuasse a falar mais alguma coisa. Téo engoliu em seco e começou a falar:

          - As bombas estouravam por todos os lados. O céu de Bagdá era só fumaça.  Um pelotão inteiro jazia ali numa rua do subúrbio da cidade. Aquilo tinha sido uma carnificina. Os terroristas depois de terem acabado com mais de cinquenta vidas, ainda, para não ter dúvida de que houvesse algum sobrevivente, despejou várias granadas por cima daqueles corpos já moribundos. Depois começaram a dar tiros para o ar, parecendo que participavam de alguma festa satânica. Isso, só fiquei sabendo depois.

          Não resistindo à curiosidade, Mohammed interrompeu o sargento:

          - O senhor estava neste pelotão, que foi dizimado?

          - Estava Mohammed. Eu estava ferido, mas ainda estava acordado. Mas não foi por muito tempo, logo depois apaguei, mas consegui ainda ver quando lançaram granadas em cima dos corpos.

          - Pegou alguma granada no senhor?

          - Puxa Mohammed! Se tivesse caído alguma em cima de mim, eu estaria contando isso agora pra você? Acho meio impossível! Não é?

          - Claro! Claro! Eu quis dizer... eu quis dizer, perto. Se algum estilhaço tinha pegado no senhor.

          - Pegou. E não foi pouco não. – falou e em seguida levantou a camisa para o menino olhar. Do pescoço até o umbigo só tinha cicatrizes. Mohammed olhou assustado o quadro que se apresentava a sua frente. Com os olhos arregalados, comentou:

          - Puxa sargento! Como o senhor conseguiu se safar dessa? Só mesmo milagre! Sargento, aí teve a mão de Alá!

          - Eu sei. Eu sei que tenho uma proteção fora do comum. De quem? Não sei.

          - De Deus. De Alá!

          - Será que Deus ia proteger só a mim? Pessoalmente? Acho muito difícil isso. Ele tem que ter ajudante para olhar por nós.

          - Pela sua religião, Jesus. E pela minha, Maomé. É a minha religião atual. Não posso ter outra.

          - Mas assim mesmo, Mohammed, é muita coisa para um santo só. Jesus deve ter uma porção de ajudantes e Maomé também. Buda também deve ter parceiros para cuidar dos seus adeptos.

           Mohammed coçou a cabeça, pensativo. Depois passou a mão no queixo e ficou cismando. Téo olhava curioso com a expressão do amigo. Pensou em perguntar alguma coisa, mas desistiu. Ficou apenas olhando para as caretas que o menino fazia, enquanto ruminava alguma coisa.

            O tempo silencioso envolvia os dois. Parecia que apenas os pensamentos de Mohammed faziam barulho. E o sargento teimava em não interromper essa viagem, mas aquilo já estava dando nos seus nervos. “O que será que tanto esse menino pensa? ” – balbuciou Téo. Parece que Mohammed escutou o que sargento falara e disse:

           - Sargento eu pensava sobre essas coisas de Alá. Imaginei entrando no seu mundo, mas fui interrompido por um porteiro.

           - Porteiro? O que é isso agora? – Téo falou deixando escapar um leve sorriso.

           - Porteiro sim. Esse porteiro é a nossa pequenez. Como pude ousar tal pensamento? Alá nunca esteve aqui. Maomé já. E assim mesmo não temos como imaginar a morada dele lá em cima. Achamos sempre que temos que contar com eles, entretanto a coisa não é bem assim. Aqui na Terra temos que contar, em primeiro lugar, conosco e depois com os amigos. É um tentando ajudar o outro. Lembra que Rachid salvou a gente? Então ele deve ser ajudante de Maomé. O senhor me salvou, então deve ser ajudante de Jesus. Os dois ficam lá de cima satisfeitos com o nosso desempenho e Alá aplaudindo Jesus e Maomé pela boa administração.   

             - Dê onde você tirou isso, Mohammed?

             O menino não respondeu ao sargento, franziu o cenho e depois abriu um sorriso que iluminou todo o seu semblante.

           Voltaram a caminhar, com a mesma marcha anterior, mas em silêncio.  Mohammed já estava com a expressão bem mais tranquila, já o sargento começava a exteriorizar a tensão que mastigava a sua tranquilidade. Olhou para o fim do túnel e sentiu que ele não tinha fim. Isso causou um mal-estar tamanho, quase o levando ao pânico. Visualizou o seu futuro, sendo um prisioneiro perpétuo naquele túnel sem fim. Olhou para o menino, querendo externar o que trazia no peito, mas o seu orgulho não permitiu dizer que sentia medo. Pior é que não sabia dizer que medo era esse. De quê ou de quem. Pensou um pouco mais e achou que não era dos bandidos. Isso já foi um pequeno alívio.

          A cada passo que dava sentia os pelos do seu corpo se eriçarem. Passou a mão na cabeça pensando que os cabelos estavam levantados. Sentia-se muito estranho. Sem perceber parou de andar. Mohammed, que já estava um pouco mais adiantado, ao olhar para o lado, já incomodado com o silêncio entre eles, para falar alguma coisa com Téo, assustou-se, parou e virou-se para trás. Ficou surpreso ao vê-lo parado, com o olhar perdido no nada. Deu meia volta e foi ao seu encontro.

 ---------Continua Semana que vem!

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