terça-feira, 8 de agosto de 2023

A Minha Casa Não é Essa - Parte 65

 


Continuando...

            Rachid ajoelhou-se e depois arriou o tronco até colocar a testa no chão, fez uma oração muda, sem certeza se estava na direção certa de Meca. Mas acreditava que Alá ia perdoá-lo por essa falha. Alá sabia mais do que ninguém, que ele estava debaixo da terra, sem orientação nenhuma. Então não seria punido por Ele.

           O menino levantou-se e voltou a apreciar a representação do sistema solar, que flutuava a poucos metros dos seus olhos. Estava hipnotizado. Realmente nunca tinha visto nada igual. E talvez nunca mais visse. De repente sentiu-se sugado. E numa fração de segundos estava em pé do lado de fora da sala. Pisava novamente aquele túnel que para ele era outra incógnita.    

 

 

          Mohammed e o sargento caminhavam cautelosos. A claridade do túnel deixou-os curiosos. Não viam nenhum ponto que tivesse alguma lâmpada. O sargento então bateu na parede, mas sentiu que era de uma solidez absurda, e absorvia o som. Sem dúvida, aquele material era desconhecido. Bateu com a ponta da sua arma e também não causou nenhum som. Não dava para imaginar quem poderia ter construído aqueles túneis. Uma tecnologia admirável. Eles se deslocavam sem causar qualquer ruído. A temperatura era agradabilíssima. Uma brisa constante passeava pelas tubulações, causando um prazer enorme aos dois, ao ponto de Mohammed comentar:

         - Sargento. Dê onde será que vem esse ventinho leve? Aqui embaixo era para estar quente, mas desde que entramos nesses túneis a temperatura sempre esteve agradável. Acho que nunca respirei um ar tão puro.

         - Eu também. É uma coisa que está me deixando encucado. Outra coisa que não sai da minha cabeça é o tal gás. O que foi que o bloqueou? Aquela parte da tubulação não foi fechada, muito pelo contrário, ela continuou passando o ar, mas o gás não. Não conheço tecnologia que faça isso.

         - Muito estranho. O senhor não acha que se isso tivesse sido construído pelos homens que estão atrás da gente, eles já não estariam aqui dentro?

         - Acho, Mohammed. Mas como eu já falei, eles têm como construir isso não. Isso parece coisa de outro mundo.

         - O senhor acha que foram seres de outro planeta?

         - Seres de outro planeta? Eu até acredito que tenha vida em outros planetas. Mas respirando oxigênio? Só ser for de outro sistema solar. Mas o que é que eles queriam aqui? Vir de tão longe para um planeta tão minúsculo como o nosso! Prefiro acreditar que seja gente da Terra mesmo!

          - Mas quem?

          - Sei lá Mohammed. Vamos continuar andando. Esse tubo deve ser igual aos outros. Parece que tem a mesma extensão.

          Os dois continuaram caminhando, mas em silêncio. Os passos eram contidos, estando mais para um caminhar de tartaruga. O sargento se esqueceu da claridade natural do ambiente e apontou a sua lanterna acesa para o fundo do corredor. O menino olhou-o de soslaio e deixou escapar um sorriso matreiro. O sargento, coincidentemente, ao apontar a lanterna para o lado do menino, não deixou de observar esse sorriso com ar de gozação. Suspeitou que fosse para ele, então perguntou:

          - Mohammed, não entendi o motivo desse sorriso. Pode me explicar?

          - Claro sargento. Mas primeiro tira essa luz da lanterna da minha cara.

          - Luz?

          - É sargento. Fiquei com vontade de rir, porque está tudo claro e o senhor está com a lanterna acesa à toa. Hahahaha! Desculpe sargento, não consegui me segurar! Foi muito engraçado!

         - Engraçado? O que é que tem de engraçado nisso?  A lanterna acesa! A preocupação batendo aqui dentro do peito. A dúvida de sairmos daqui ou não. Você ainda ri. Ri da nossa prisão subterrânea?

        - Puxa sargento! Desculpe. Não foi a minha intenção parecer despreocupado. Estou preocupado e muito. Eu só queria rir um pouquinho para espantar a incerteza... Sabe como estou me sentindo?

        - Não. Nem sei de mim.

           - O senhor está realmente muito abatido. Eu também estou com muito medo. Tem hora que me vejo escalando uma montanha, tendo apenas como tábua de salvação, teias de aranha para me segurar. Temos que acreditar que vamos sair daqui. Já estive em situação pior do que essa, mas consegui sair. E o senhor também.

        - Sim Mohammed.  A última, a que estávamos juntos, não foi a mais difícil.

        - Não foi? Só saímos de lá por puro milagre!

        - Só estou aqui, porque Deus quis, mais uma vez. A mais difícil...

        Mohammed, quando o sargento fez uma pausa, olhou-o com o olhar de incredulidade. Como podia existir uma situação pior do que a que tinham passado? – pensava. Aquilo sim foi um milagre. Se não fosse o amigo Rachid, eles estariam mortos. Ali teve a mão de Deus para guiar o amigo até onde eles estavam. Fazê-lo levar a mochila com as bombas de gás lacrimogênio.

          - A mais difícil. – continuou Téo, depois de uma pausa - Só em pensar me dá um aperto no coração. Não consigo saber como saí daquela situação.

          - Pode contar?

          Antes de responder ao menino, Téo parou de andar, olhou para o fundo do túnel, mas parecendo que os seus olhos iam além, muito além daquela tubulação. Quando voltou os olhos para Mohammed, trouxe-o cheio de lágrimas. Naquele momento o menino percebeu que era um amigo que olhava para ele, pois Téo não esboçara qualquer constrangimento, ao demonstrar a sua emoção. Muito pelo contrário, colocou uma das mãos no seu ombro e deixou que o choro viesse e aliviasse a sua alma de um peso que carregava há muito tempo.

          O sargento depois de descarregar a sua dor, deixou que um sorriso sem jeito aparecesse nos lábios meio descorados. Bateu no ombro do menino, enxugou as lágrimas com a manga do uniforme e falou, sem demonstrar qualquer vergonha:

          - Meu amigo, Mohammed. Você já tinha visto algum soldado americano chorar? Acho que não. Mas viu agora. Não devemos chorar, nem na presença de um colega de farda, muito menos na presença de outras pessoas. Principalmente frente a frente com o inimigo, mesmo quando é feito prisioneiro. Mas... Tem sempre um mas. Raramente choramos, essa é a verdade. Mas- mais uma vez o mas! - só na presença de uma pessoa que sabemos, não vai duvidar da nossa masculinidade, sendo o pai ou a mãe e um verdadeiro amigo.  

...............Continua Semana que vem!

 

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