terça-feira, 14 de junho de 2022

A Minha Casa Nao é Essa - Parte 05

 


Continuando...

           - Eu não me lembro direito. Dizem que fiquei três meses dormindo.

           - E os seus pais? – interrogou-o outro soldado de nome Peter: um magricela com quase dois metros de altura, que mais parecia uma vara de bambu.

          O menino olhou-o, e antes de responder, passou as costas da mão em um dos olhos, enxugando uma lágrima que acabara de escorrer. Depois passou no outro olho, aí sim é que foi falar:

          - Eu não sei. Não consigo me lembrar. Eu falei que era brasileiro, mas também não tenho certeza. Nem meu nome eu sei.

          - Você está com amnésia. Tem muito tempo? – perguntou o quarto soldado, um baixinho troncudo, mais conhecido como apache.

         O menino ficou por alguns segundos sem responder, enquanto passava os olhos por aqueles corpos espalhados pelo chão. Téo teve a sensação que ele já estava acostumado com aquela cena de sangue, visto que olhava sem demonstrar qualquer emoção. Depois do silêncio, ele disse:

          - Acho que já tem um ano. Eu só sei da minha vida, quando abri o olho no hospital. Parece que já nasci com esse tamanho.

         O soldado magricela de nome Peter, aproximou-se de Téo e cochichou no seu ouvido:

        - Sargento, eu acho que esse garoto está inventando essa história toda. Ele deve ser um terrorista. Ele só tem cara de criança. Vamos leva-lo com a gente. Lá, querendo ou não querendo, ele vai falar tudo. A amnésia dele vai sair correndo!

       O amigo coçou a cabeça, sem tirar os olhos do menino e falou baixinho na sua orelha:

         - Peter. Peter. Você sabe que o seu método o comando não vai aceitar. Nem eu. Eu sei que esse menino é suspeito, e que não temos nenhuma alternativa, a não ser leva-lo preso. Sei que ele é muito esperto. De bobo não tem nada. E que não podemos tirar o olho de cima dele, nem por um segundo. Sei de tudo, Peter. Mas não posso aceitar tortura. Acho que não é terrorista, mas também não devemos facilitar. Viu como John quase deu cabo dele? E ainda continua com vontade. Mas vai ficar na vontade. Esquece Peter. Temos que recolher logo essas armas daqui.

         - E os corpos?

         - Ficam onde estão.

         - Eu sei. Estou falando sobre a identificação.

         - Um destacamento da OTAN depois faz o reconhecimento deles. Se fossem americanos, pegávamos a identificação de cada um. É melhor a gente sair daqui, para não termos surpresas. O garoto vai com a gente.

         - Está bem. Apache, John, vamos pegar essas armas, antes que sejam recolhidas pelos terroristas. E vamos sair logo daqui para não sermos surpreendidos.

         O sargento Téo pegou uma metralhadora que ainda estava dependurada no ombro do garoto e entregou-a a Apache. Depois mandou que o garoto seguisse na sua frente. O menino fez cara feia, mas obedeceu. E os cinco foram caminhando, e pulando os corpos, para sair dali e pegar a direção do centro da capital, Cabul.

          A periferia em que os quatro soldados e o menino estavam era um local muito perigoso.  Eles sabiam disso e a atenção era sempre dobrada. Não era à toa que de vez em quando algum destacamento era pego de surpresa, como aquele que não tinha sobrado nenhuma viva alma para contar a história. Eram mais de quinze corpos mutilados por bombas e tiros.

           O menino de repente parou. Téo então o empurrou com a ponta da metralhadora, mas ele fincou pé, virou-se e falou baixinho:

           - Está vendo aqueles escombros? Aquele lá à esquerda.

           - O que é que tem?

           - Tem gente de tocaia. Vão nos pegar.

           Téo a princípio duvidou. Mas por via das dúvidas, chamou os seus comandados:

            - Apache, John, Peter. Venham até aqui, mas devagar. Menino eu estou com a arma engatilhada. Se forem seus amigos, o primeiro a tombar vai ser você.

            - Se fossem meus amigos eu ia avisar? Eu nem conheço quem está lá. 

            - Como é que você sabe que tem gente de tocaia?

            - Eu sinto o cheiro de bandidos. Me acostumei na convivência com eles. Eles têm um cheiro que sinto a quilômetros.

            - Quem são eles? São Talibãs?

            - Não. Por aqui não tem Talibã. Tem ladrões espalhados por tudo que é lugar. E tem muitos milicianos também. Esses não têm ideologia. Só querem dinheiro. Lutam para quem der mais.

            - Você conhece esse tipo de gente e assim mesmo vende armas para eles?

            - Não. Eu nem conheço eles. Eu vendo para uma pessoa, que nem sei o nome. Mas é para sobreviver. Só para não morrer de fome. Além do mais, a maioria das armas já está inutilizada mesmo! Essas daí, - apontando para algumas metralhadoras retorcidas -  vão recolher para quê? 

 

...........Continua semana que vem!

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