terça-feira, 17 de maio de 2022

A Minha Casa Não é Essa - Parte 01

 


A Minha Casa Não é Essa

- José Timotheo -

 

          Era início de verão no hemisfério sul. O Rio de Janeiro já estava de porta escancarada para mais um dia de um sol abrasador. Mal começava a estação e já dava para ver o que ia ser dali para diante. O serviço de meteorologia não vislumbrava para tão cedo uma chuvinha salvadora.

           - Esse ano está estranho. No outono e no inverno tivemos chuva em abundância. A primavera passou numa secura só. E agora o verão também promete ficar seco. Isso é o fim dos tempos. –  Téo pensava, olhando pela janela, mirando o céu à procura de alguma nuvem que pudesse mudar o curso das previsões meteorológicas. Da cozinha veio um chamamento. Era dona Nádia.

            - O almoço está pronto, Teozinho! A mesa está posta! Vem! Mais uma vez vamos almoçar só nós dois! Aquela ingrata da sua irmã, já ligou dizendo que está impossibilitada de vir! Mais uma vez! Mais uma vez! Ela está afastando meus netos de mim! Mora aqui do lado e fica, a toda hora, arranjando desculpa esfarrapada para não vir aqui! Ingrata, Teozinho! O que fazer? Vem logo! A comida vai esfriar!

           Téo saiu do seu ponto de observação e caminhou até a cozinha em silêncio. Sentou-se ao lado da mãe e almoçou como sempre: mudo. Depois foi para o seu quarto e ficou olhando para o nada. Mas a cabeça não parava de pensar. Isso era o que ele mais fazia. Raramente saía de casa. Os amigos já tinham saído quase todos da sua vida. Colocou a mão direita na coxa e esfregou-a levemente. De vez em quando sentia ainda a perna direita doer. Quando doía, lembrava-se de como tinha acordado no hospital, depois de alguns dias em coma, com ela doendo muito. Logo um mal-estar, acompanhado de uma transpiração intensa, brotou rapidamente. Nesses momentos sentava-se na cama, com medo de desmaiar. Não conseguia entender porque sentia medo. Já tinha ficado várias vezes sob fogo cruzado, sem entrar em pânico, e agora, sem tiro por perto, sentia-se tão mal. Não conseguia entender como a perna esquerda, que fora ferida no primeiro ano que esteve no Afeganistão, nunca o incomodou. Em poucos meses já estava lutando novamente. Essa, com um ferimento menos grave, nunca parou de doer um só dia. 

           Ele pegou um livro que estava debaixo do travesseiro e desfolhou. Já tinha perdido a conta de quantas vezes tinha olhado para aquele livro, sem conseguir ler uma linha sequer. Mirou um quadro que estava na parede: era uma foto de uma região deserta. Toda vez que olhava, a perna doía no ponto em que a bala tinha penetrado. Evitava o máximo que podia encará-lo, mas era uma missão quase impossível, pois parecia que existia um imã que puxava os seus olhos para aquela direção. Tentou algumas vezes arrancá-lo da parede, porém uma mão invisível puxava a sua para baixo. Acabou desistindo, pois percebeu que existia uma força misteriosa mais forte do que a sua vontade.  E essa força também o levava a virar o quadro quase que diariamente fazendo-o ler uma inscrição, na parte superior da moldura. Desconhecia o autor e o seu significado. Aquilo era mais um dos mistérios que carregava no seu dia a dia.

        -“Em novembro...” - Era só isso escrito. Mas o que mais o deixava encucado, era um pequeno desenho, logo após o mês. Parecia uma adaga cortando uma garganta. Não consegui encontrar o significado de mais esse enigma, também.  Algumas vezes pensou em perguntar à mãe de onde tinha vindo aquele quadro, mas desistia no meio do caminho. Outra coisa que fugira da sua lembrança, era a sua vinda para o Rio. A sua memória vivia constantemente em desalinho. Tentou falar várias vezes com dona Nádia sobre isso, mas acabava desistindo com medo que ela o achasse desequilibrado.

         Téo lutou no Afeganistão. Como tinha cidadania americana, se alistou como voluntário. O pai, americano, e a mãe, brasileira, não o demoveu da decisão.  Foi e ficou por lá três anos, comendo o pão que o diabo amassou. O que ele imaginava que seria apenas uma aventura, na realidade acabou conhecendo o inferno de perto. Esteve de corpo e alma dentro do caldeirão de Lúcifer. Foi a pior experiência da sua vida, que ainda parecia viva dentro de si. Desde que voltou para o Brasil, não teve um dia sequer de paz. Se achava constantemente dentro de um campo de batalhas. Só parava de guerrear quando conseguia dormir, assim mesmo depois de alguns soníferos. Mas não era um sono tranquilo, pois se via dormindo dentro de uma trincheira. Quando voltou da guerra? Não se lembrava. Estava combatendo? Também não tinha a mínima ideia. Mas de repente acordou no leito de um hospital.

................Continua semana que vem!!

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