terça-feira, 11 de junho de 2019

A História de Helô - Parte 36



Continuando...

          Ao sair do refeitório, depois do almoço, logo no corredor, Helô foi enlaçada pela irmã Gertrudes, que já estava à sua espera havia algum tempo, e ansiosa, falou:
          - Vem, minha filha! Vem! Não podemos perder tempo! Só temos poucos minutos!
          - Poucos minutos pra quê, irmã?
          - Ué, guria! Vamos ver a irmã Amélia! Tu não querias vê-la? Então! Vamos lá?
          As duas saíram quase correndo pelo corredor. Com passos largos chegaram ao jardim. A irmã Amélia ainda não estava, mas a espera não foi longa, pois, minutos depois, chegou acompanhada de uma das assessoras da Madre Joana. Há quase três meses não se viam. Helô teve um choque ao vê-la, mas conseguiu, sem deixá-la perceber o seu susto, examiná-la dos pés à cabeça. Era assustador o quadro que estava à sua frente. Conseguiu segurar-se para não chorar. Ela era só pele e osso. A irmã Amélia estava irreconhecível. A irmã Gertrudes, discretamente, virou-se para o lado e enxugou uma lágrima.
           Vencendo a dor que dilacerava o seu coração, Helô conseguiu sorrir para Amélia, f
oi ao seu encontro e abraçou-a ternamente. Depois, sem nada dizer, afastou-se um pouco e examinou-a de cima a baixo. Com o que viu, recolheu o sorriso. A irmã Amélia, percebendo que ela ia interrogá-la a respeito dos hematomas espalhados pelos braços e rosto, adiantou-se e procurou justificar-se, dizendo:
          - Minha menina, não fique preocupada. Estive bem doente. Agora estou bem melhor. Esses lugares arroxeados foram causados por alguns tombos. Não fique preocupada. Agora estou quase com a saúde no lugar!
          Helô olhava-a e não acreditava no que estava vendo e ouvindo. Aquilo tudo era muito estranho. Não estava conseguindo engolir nada, nada daquilo. Eram vários hematomas, isso os que ela estava vendo nos braços e rosto.  - E por baixo da roupa? Como alguns tombos puderam fazer tantos estragos? -  perguntou-se. Por algum momento ficou calada, mas pensou: - preciso tirar alguma coisa da irmã Amélia que me leve à verdade. Sem rodeios, perguntou:
          - Mãezinha, por que a Madre Joana não falou nada comigo da sua doença? Foram quase três meses sem notícias da senhora!
          A irmã Amélia olhava com um olhar assustado. Parecia que procurava alguma justificativa que fosse convincente. Com a voz trêmula tentou fazer a sua dissertação.
          - Sabe...
            Mas Helô foi dura nas palavras.
          - Irmã, sem enrolação! Sei que vai arranjar uma porção de justificativas, mas com certeza que não vão me convencer de nada!
          - A culpa foi minha. Eu pedi para a Madre não falar nada. Não queria deixá-la preocupada.  
          - Escutei bem? Preocupada?! E eu é que quase morri de preocupação, por esse silêncio preocupador! Preocupada com quê?
          - Mas você não morreu e nem eu! Minha menina, não fique aborrecida comigo não! Se tivesse acontecido alguma coisa grave, você saberia rapidamente. Fique tranquila. Estou quase boa.
          Helô voltou a olhá-la de baixo até em cima. Verificou as panturrilhas, mas não achou nada de mais. Depois observou os braços novamente. Nem deu para contar a quantidade de manchas que se espalhavam neles.  Então foi olhar mais atentamente o rosto. Engoliu em seco. Ali estava pior. Pensativa, olhava para o rosto quase disforme da irmã Amélia. Tristonha, mirou os seus olhos roxos e quase chorou. Segurou as lágrimas com muito esforço.  Quase explodiu de revolta. Olhou para a irmã Gertrudes como se pedisse socorro, mas ela não se manifestou. Sabia que não podia contar com ela, pois também sentia muito medo da Madre Joana, como todos, inclusive ela. Mas mesmo com todo esse pavor que tinha dela, não ia sossegar nunca enquanto não a colocasse atrás das grades. A sua aliada era mais forte: a Madre Maria de Lourdes. Então, estava decidida a ir até o fim.
          Pensou em falar alguma coisa para a irmã Amélia, mas desistiu. Abortou o comentário antes que chegasse à garganta, pois havia percebido os movimentos da escudeira da Madre Joana que se escondia atrás de uma pilastra. A distância não era muita, com certeza estava escutando tudo de que falavam. Pensou: - essa Madre e suas assessoras são bandidas! Mas nós vamos pará-las! Se Deus quiser! Esses olhos roxos não foram causados por quedas. Isso só pode ter sido agressão. Por que, meu Deus?
          Helô foi invadida pela tristeza e pela revolta. Seu coração estava sangrando. Acabou não conseguindo segurar as lágrimas. Tentou disfarçar, mas a irmã Amélia percebeu. Abraçou-a com carinho e disse, com a boca dentro da sua orelha:
- Minha filha, seja forte! Falta pouco para fugirmos daqui. Espere com paciência. Não chore! Estou falando bem baixinho porque parece que escutam tudo que falo. Helô, temos que ficar atentas. Estamos lidando com bandidos, mas eu juro que nada vai lhe acontecer. Quando nós sairmos daqui, vamos denunciar isso tudo que vem acontecendo aqui dentro.
          - Isso tudo o quê? O que é que a mãezinha sabe?
          - Por enquanto você não precisa saber de nada. Sei de muitas coisas que vão ser o maior escândalo. Por agora tenho que me silenciar, mas está próximo o dia da casa ruir.
          Helô preferiu calar-se a fazer qualquer comentário ou pergunta. Ela sabia que não deveria forçar a irmã Amélia a revelar seus segredos, assim como ela também não podia revelar os seus. Ia seguir a orientação da Madre Maria de Lourdes, que dizia que a irmã Amélia já estava assoberbada de problemas e que não era justo colocar mais peso sobre seus ombros. Tudo só poderia ser revelado quando saíssem dali. E com certeza ela iria ficar escandalizada também, quando fosse ler o seu relatório. Isso depois de conhecer todo lado sombrio da Madre Joana e suas assessoras das trevas, dizia ela.
          A preocupação era companheira de Helô. Estava acompanhando a Madre, mas não sabia até onde ia chegar essa investigação. Ela não cansava de dizer que era necessário conhecer todo o subterrâneo da maldade, só que Helô estava achando que tinha conhecido muito pouco. A sensação que tinha era que pouco tinha descoberto naquela gruta, mas que na verdade já era o bastante para incriminar a Madre Joana e seu bando. Entretanto, a Madre Maria de Lourdes deixava Helô com essa sensação de ter visto pouco, isso para que ela tivesse a vontade de ver mais. Então  olhava para trás e falava para si: - conheci a entrada da gruta até chegar à primeira porta, que na verdade não passa de um cemitério; a primeira sala, onde somem com  os corpos  das crianças, no caso meninos, e até algumas meninas que iam parir e morriam no parto e que não eram colocadas ali  nas gavetas; a segunda sala, onde estava montada a enfermaria, e depois... mais nada. O que tinham encontrado era uma porta que dava para outro compartimento, mas que a Madre sorria e não dizia o que tinha do outro lado.
           Com o pouco que Helô havia descoberto, com certeza, já daria para resolver os mistérios que envolviam a Madre Joana de Maria e seu grupo do mal. Ela só não comentava com ninguém porque a Madre Maria de Lourdes insistia diariamente para que ela se mantivesse calada. Aquele segredo tinha que ficar trancado a sete chaves até que as investigações fossem concluídas. Batia na mesma tecla que, quando chegasse o momento, avisaria.  Helô então prometeu que guardaria no silêncio o segredo das duas e que não falaria nem para a pessoa que mais amava: a irmã Amélia. Como uma menina, e depois já quase mulher feita, conseguiu manter-se calada enquanto adultos, uma grande maioria, tem a língua solta? Mas Helô era uma raridade e a Madre sabia disso, tanto que insistia em dizer que ela tinha sido escolhida porque era mais preparada. Desde tenra idade já mostrava os seus dotes morais, uma pessoa íntegra. Então quando começaram as excursões pela gruta, ela com apenas dez anos, a Madre falou que ali estava uma pessoa madura, mesmo com pouca idade.
          Os dias galopavam. Mais um mês tinha partido sem deixar saudade para Helô. Desde o último encontro com a irmã Amélia, não teve mais nenhuma notícia. Nem a irmã Gertrudes e nem outras irmãs souberam informar a respeito de mais esse sumiço de Amélia. Foi um mês de muita tristeza para Helô.
...............Continua semana que vem!

Nenhum comentário:

Postar um comentário