Continuando...
Ao sair do refeitório, depois do
almoço, logo no corredor, Helô foi enlaçada pela irmã Gertrudes, que já estava
à sua espera havia algum tempo, e ansiosa, falou:
- Vem, minha filha! Vem! Não podemos
perder tempo! Só temos poucos minutos!
- Poucos minutos pra quê, irmã?
- Ué, guria! Vamos ver a irmã Amélia!
Tu não querias vê-la? Então! Vamos lá?
As duas saíram quase correndo pelo
corredor. Com passos largos chegaram ao jardim. A irmã Amélia ainda não estava,
mas a espera não foi longa, pois, minutos depois, chegou acompanhada de uma das
assessoras da Madre Joana. Há quase três meses não se viam. Helô teve um choque
ao vê-la, mas conseguiu, sem deixá-la perceber o seu susto, examiná-la dos pés
à cabeça. Era assustador o quadro que estava à sua frente. Conseguiu segurar-se
para não chorar. Ela era só pele e osso. A irmã Amélia estava irreconhecível. A
irmã Gertrudes, discretamente, virou-se para o lado e enxugou uma lágrima.
Vencendo a dor que dilacerava o seu
coração, Helô conseguiu sorrir para Amélia, f
oi ao seu encontro e abraçou-a
ternamente. Depois, sem nada dizer, afastou-se um pouco e examinou-a de cima a
baixo. Com o que viu, recolheu o sorriso. A irmã Amélia, percebendo que ela ia
interrogá-la a respeito dos hematomas espalhados pelos braços e rosto, adiantou-se
e procurou justificar-se, dizendo:
- Minha menina, não fique preocupada.
Estive bem doente. Agora estou bem melhor. Esses lugares arroxeados foram
causados por alguns tombos. Não fique preocupada. Agora estou quase com a saúde
no lugar!
Helô olhava-a e não acreditava no que
estava vendo e ouvindo. Aquilo tudo era muito estranho. Não estava conseguindo
engolir nada, nada daquilo. Eram vários hematomas, isso os que ela estava vendo
nos braços e rosto. - E por baixo da
roupa? Como alguns tombos puderam fazer tantos estragos? - perguntou-se. Por algum momento ficou calada, mas
pensou: - preciso tirar alguma coisa da irmã Amélia que me leve à verdade. Sem
rodeios, perguntou:
- Mãezinha, por que a Madre Joana não
falou nada comigo da sua doença? Foram quase três meses sem notícias da
senhora!
A irmã Amélia olhava com um olhar
assustado. Parecia que procurava alguma justificativa que fosse convincente. Com
a voz trêmula tentou fazer a sua dissertação.
- Sabe...
Mas Helô foi dura nas palavras.
- Irmã, sem enrolação! Sei que vai
arranjar uma porção de justificativas, mas com certeza que não vão me convencer
de nada!
- A culpa foi minha. Eu pedi para a
Madre não falar nada. Não queria deixá-la preocupada.
- Escutei bem? Preocupada?! E eu é
que quase morri de preocupação, por esse silêncio preocupador! Preocupada com
quê?
- Mas você não morreu e nem eu! Minha
menina, não fique aborrecida comigo não! Se tivesse acontecido alguma coisa
grave, você saberia rapidamente. Fique tranquila. Estou quase boa.
Helô voltou a olhá-la de baixo até em
cima. Verificou as panturrilhas, mas não achou nada de mais. Depois observou os
braços novamente. Nem deu para contar a quantidade de manchas que se espalhavam
neles. Então foi olhar mais atentamente o
rosto. Engoliu em seco. Ali estava pior. Pensativa, olhava para o rosto quase disforme
da irmã Amélia. Tristonha, mirou os seus olhos roxos e quase chorou. Segurou as
lágrimas com muito esforço. Quase
explodiu de revolta. Olhou para a irmã Gertrudes como se pedisse socorro, mas
ela não se manifestou. Sabia que não podia contar com ela, pois também sentia
muito medo da Madre Joana, como todos, inclusive ela. Mas mesmo com todo esse
pavor que tinha dela, não ia sossegar nunca enquanto não a colocasse atrás das
grades. A sua aliada era mais forte: a Madre Maria de Lourdes. Então, estava
decidida a ir até o fim.
Pensou em falar alguma coisa para a
irmã Amélia, mas desistiu. Abortou o comentário antes que chegasse à garganta,
pois havia percebido os movimentos da escudeira da Madre Joana que se escondia
atrás de uma pilastra. A distância não era muita, com certeza estava escutando
tudo de que falavam. Pensou: - essa Madre e suas assessoras são bandidas! Mas
nós vamos pará-las! Se Deus quiser! Esses olhos roxos não foram causados por
quedas. Isso só pode ter sido agressão. Por que, meu Deus?
Helô foi invadida pela tristeza e pela
revolta. Seu coração estava sangrando. Acabou não conseguindo segurar as
lágrimas. Tentou disfarçar, mas a irmã Amélia percebeu. Abraçou-a com carinho e
disse, com a boca dentro da sua orelha:
-
Minha filha, seja forte! Falta pouco para fugirmos daqui. Espere com paciência.
Não chore! Estou falando bem baixinho porque parece que escutam tudo que falo.
Helô, temos que ficar atentas. Estamos lidando com bandidos, mas eu juro que
nada vai lhe acontecer. Quando nós sairmos daqui, vamos denunciar isso tudo que
vem acontecendo aqui dentro.
- Isso tudo o quê? O que é que a
mãezinha sabe?
- Por enquanto você não precisa saber
de nada. Sei de muitas coisas que vão ser o maior escândalo. Por agora tenho
que me silenciar, mas está próximo o dia da casa ruir.
Helô preferiu calar-se a fazer
qualquer comentário ou pergunta. Ela sabia que não deveria forçar a irmã Amélia
a revelar seus segredos, assim como ela também não podia revelar os seus. Ia seguir
a orientação da Madre Maria de Lourdes, que dizia que a irmã Amélia já estava
assoberbada de problemas e que não era justo colocar mais peso sobre seus
ombros. Tudo só poderia ser revelado quando saíssem dali. E com certeza ela
iria ficar escandalizada também, quando fosse ler o seu relatório. Isso depois
de conhecer todo lado sombrio da Madre Joana e suas assessoras das trevas, dizia
ela.
A preocupação era companheira de
Helô. Estava acompanhando a Madre, mas não sabia até onde ia chegar essa
investigação. Ela não cansava de dizer que era necessário conhecer todo o
subterrâneo da maldade, só que Helô estava achando que tinha conhecido muito
pouco. A sensação que tinha era que pouco tinha descoberto naquela gruta, mas
que na verdade já era o bastante para incriminar a Madre Joana e seu bando.
Entretanto, a Madre Maria de Lourdes deixava Helô com essa sensação de ter
visto pouco, isso para que ela tivesse a vontade de ver mais. Então olhava para trás e falava para si: - conheci a
entrada da gruta até chegar à primeira porta, que na verdade não passa de um
cemitério; a primeira sala, onde somem com
os corpos das crianças, no caso
meninos, e até algumas meninas que iam parir e morriam no parto e que não eram
colocadas ali nas gavetas; a segunda
sala, onde estava montada a enfermaria, e depois... mais nada. O que tinham
encontrado era uma porta que dava para outro compartimento, mas que a Madre
sorria e não dizia o que tinha do outro lado.
Com o pouco que Helô havia descoberto,
com certeza, já daria para resolver os mistérios que envolviam a Madre Joana de
Maria e seu grupo do mal. Ela só não comentava com ninguém porque a Madre Maria
de Lourdes insistia diariamente para que ela se mantivesse calada. Aquele
segredo tinha que ficar trancado a sete chaves até que as investigações fossem
concluídas. Batia na mesma tecla que, quando chegasse o momento, avisaria. Helô então prometeu que guardaria no silêncio
o segredo das duas e que não falaria nem para a pessoa que mais amava: a irmã
Amélia. Como uma menina, e depois já quase mulher feita, conseguiu manter-se
calada enquanto adultos, uma grande maioria, tem a língua solta? Mas Helô era
uma raridade e a Madre sabia disso, tanto que insistia em dizer que ela tinha
sido escolhida porque era mais preparada. Desde tenra idade já mostrava os seus
dotes morais, uma pessoa íntegra. Então quando começaram as excursões pela
gruta, ela com apenas dez anos, a Madre falou que ali estava uma pessoa madura,
mesmo com pouca idade.
Os dias galopavam. Mais um mês tinha
partido sem deixar saudade para Helô. Desde o último encontro com a irmã
Amélia, não teve mais nenhuma notícia. Nem a irmã Gertrudes e nem outras irmãs
souberam informar a respeito de mais esse sumiço de Amélia. Foi um mês de muita
tristeza para Helô.
...............Continua semana que vem!
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