Helô olhou para a irmã e não aguentando a sua
cara engraçada, caiu na gargalhada. A irmã Gertrudes também não resistiu e
deixou o seu riso solto ecoar pelo jardim. Ficaram tentando parar de rir, mas
custaram a conseguir. A irmã Gertrudes, percebendo que tinham chamado muito a
atenção, com muito esforço, conseguiu engolir o riso. A preocupação falou mais
alto. Não queria ser chamada a atenção. Então, quando finalmente serenaram os
ânimos, ela pegou a mão de Helô e convidou-a a passear pela alameda. Depois de
contornar todo o jardim, sentou-se num banco e puxou a menina para sentar-se ao
seu lado, abraçou-a e depois falou próximo a sua orelha:
-
Minha menina, preste bem atenção no que vou te falar. Não comentes com ninguém
o que acabas de me contar. Daqui a pouco todos ficam sabendo e... e cai no
ouvido da madre. Aí vai ser um interrogatório daqueles! Deus nos acuda! Tu não
queres isso, certo?
-
Claro que não! Irmã, fala você! Não me chama de tu, não!
-
Fazes-me rir! Está bem: você me faz rir! Está melhor?
-
Agora sim!
-
Então aproveita que você está bem e vai estudar um pouco de música. A irmã Das
Dores me disse que anda muito dispersa! Você não falou que vai ser cantora? Então
tem que estudar muito! Gostou? Falei você!
-
Gostei. Está bem, vou estudar mais!
A
irmã Gertrudes deu um beijo na bochecha de Helô, levantou-se e saiu em direção
ao alojamento das crianças maiores, para fazer a sua inspeção diária. Mas mal
aproximou-se da porta, foi interceptada pela irmã Dolores que trazia um recado
da madre superiora, dizendo que a esperava no seu escritório. A irmã que já tinha as bochechas rosadas ficou
com elas mais vermelhas. Arregalou os olhos, demonstrando que estava
amedrontada. E não era para menos, porque sabia de antemão que qualquer
chamamento da madre era sinal de encrenca. Tentou recompor-se e foi em direção à
sala da madre. No caminho vasculhou sua memória para tentar descobrir a causa
do chamamento. A princípio não achou mas depois se lembrou de Helô. Só podia
ser essa a causa. Na mesma hora veio a imagem da amiga Amélia na sua cabeça. -
Só pode ser isso. – pensou. Porém não recuou e continuou o seu caminho. Chegou
à frente da porta, bateu levemente e esperou. Rapidamente a porta foi aberta
pela irmã Celeste, a fiel escudeira da madre, que lhe deu passagem. Em seguida
saiu, fechando a porta atrás de si, deixando as duas sozinhas.
A irmã Gertrudes já estava dentro da sala, frente a frente com a madre. Arrumou
o hábito e postou-se feito uma estátua. Não sabia o que fazer ali parada. A
respiração já estava bem ofegante e as bochechas ficaram logo avermelhadas além
do normal, mostrando bem o que se passava no seu interior.
A
madre do jeito que estava ficou: cabeça baixa, fazendo suas anotações diárias.
Parecia que não tinha mais ninguém ali no ambiente. Deixou a irmã Gertrudes ali
parada por mais de cinco minutos. De repente levantou a cabeça e apontou uma
cadeira. A irmã Gertrudes sentou-se e manteve-se calada. Não ousou perguntar
nada. Sabia que algumas irmãs foram chamadas até a sala da madre e saíram de lá
sem proferir uma palavra sequer. A pessoa entrou muda e saiu calada. Podia
acontecer com ela. Ficou na sua. Mas isso era um fato que fugia à sua
compreensão. Lembrou-se mais uma vez de Amélia. - Isso não acontecia com ela. –
pensou. Todas as vezes que era chamada,
a coisa ficava preta para o seu lado e isso era do conhecimento de todos, mas
ninguém ousava questionar.
A
madre terminou de fazer as suas anotações, fechou o livro, tirou o óculo e
disse:
-
Irmã, o que é que está havendo com a menina Heloisa? Tenho sido informada que a
menina anda meio cabisbaixa, arredia e parecendo triste. Soube que ela esteve
com você por mais de uma hora. Posso saber o que houve? Pode responder.
A
irmã ficou tentando encontrar algum argumento para justificar o tempo que
passou com Helô. Sabia que tinha que dividir o seu tempo com todas as crianças.
Essa era a falta que tinha cometido, com certeza. Tinha que justificar de
qualquer jeito, todavia não queria dizer a verdade mas, por outro lado, não
podia mentir. Estava num beco sem saída. O seu silêncio fez com que a madre
falasse mais rispidamente:
-
Irmã! Irmã! Não venha com mentiras! Sabe muito bem que não perdoo a falta de
verdade! E a irmã sabe muito bem o preço a pagar! Não sabe? Se não sabe, vai
saber agora!
-
Não irmã! Eu sei da punição! É...
-
É o quê?
-
Vou contar madre! Vou contar! Não é nada demais! A menina me contou um fato, mas me pediu pra
não contar pra ninguém. Ela tem vergonha se alguém souber.
-
Souber de quê? Fala logo!
-
Eu dei a palavra...
- E eu quero saber de palavra? É alguma coisa
grave? Ela está doente?
-
Não madre. Ela está bem de saúde. Não é nada demais.
-
Se não é nada demais, então fala. E mesmo que fosse alguma coisa muito grave,
você tinha que falar de qualquer jeito. Você está cansada de saber que Helô é
uma das poucas crianças que me preocupa. Desembucha. Fala logo, criatura! Fala!
Com o silêncio da irmã Gertrudes, a madre gritou
e deu um soco na mesa. Com toda essa violência, após o susto, resolveu falar.
- Madre, ela nem sabe direito. Acha que
estava dormindo. Na verdade não sabe o que aconteceu. Pode ter sido um sonho.
-
Fala logo criatura! Deixa de enrolação!
-
Vou falar. Madre, ela me disse que ouviu alguém falar com ela. Escutou
direitinho alguém falando no seu ouvido. É só isso. E ela está muito
preocupada. Na verdade, está com muito medo.
-
Só isso mesmo? Quer que eu a chame para confirmar?
-
Não madre. Acho que não. Foi só isso mesmo. Juro por Nosso Senhor Jesus Cristo.
Mas se a senhora acha que deva chamar a menina. Ué, pode chamar!
................Continua semana que vem!
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