terça-feira, 11 de dezembro de 2018

A História de Helô - Parte 10

Continuando...

         
            A irmã se arriscou ao falar para a madre chamar a menina Helô. Mesmo não tendo nada demais, já que não mentiu, seria um risco ela ficar dentro do escritório com a madre. Lembrou-se da palmatória. Sabia que outras crianças, que foram até a sua presença, mesmo sem ter cometido qualquer erro, conheceram esse instrumento de violência usado nas escolas até o meado do século passado. Essa lembrança causou-lhe mal estar. Arrependeu-se profundamente, mas já tinha feito a besteira. Agora era só esperar e torcer para que nada de mal acontecesse com  Helô. 
          A madre voltou a escrever alguma coisa no caderno. O seu silêncio estava dando nos nervos da irmã Gertrudes. A cabeça da madre era sempre uma incógnita. Ninguém arriscava qualquer prognóstico. A única aposta que se podia fazer com precisão, e com todos escolhendo o mesmo número, era que daquela cabeça não saía pensamento bom. Pelo menos era isso que se comentava à boca miúda, mas devia ser um exagero. Alguma coisa de bom ela devia ter.
          A madre fechou o caderno mais uma vez, retirou os óculos e olhou para a irmã.  Levantou-se da cadeira, espalmou as mãos na mesa e disse:
         - Preste atenção nas minhas palavras. Estou aceitando a sua história. Isso não quer dizer que esteja acreditando nela. Agora vou deixar bem clara a minha posição frente à sua postura. De hoje em diante não quero conversa com qualquer criança, principalmente Helô, em lugar ermo. Tudo que acontecer aqui dentro do convento tem que ser às claras. Eu tenho que saber de tudo. Estamos entendidas?
           A irmã Gertrudes respirou aliviada. Apostou no improvável e deu sorte. Respondeu à madre, mesmo parecendo um desabafo:
          - Sim senhora, madre! Sim senhora! Muito obrigada pela compreensão! Podes ficar certa que daqui para a frente isto não vai se repetir! Nunca mais!
           A madre pareceu gostar das palavras da irmã. Adorava quando as pessoas se diminuíam na sua presença. Deixou que um leve sorriso de satisfação brotasse nos seus lábios. Depois dispensou a irmã Gertrudes, dizendo:
       - Pode ir. Vai na paz de Deus, minha  filha.
         Gertrudes saiu o mais rápido que pode. Esse deus da madre não era o mesmo dela. Estava triste, preocupada, mas pelo menos aliviada pois o seu gesto, quase colocando a menina em perigo, não foi em frente. Agradeceu ao seu Deus por ter livrado Helô das mãos daquela megera. Ela e a maioria das irmãs nunca conseguiram entender aquele coração de pedra.  A fixação que ela tinha em Helô era uma coisa muito estranha. Com toda essa fixação, nunca presenciou qualquer troca de palavra dela com a menina.
         O corredor parecia que estava mais longo naquele momento. Queria chegar o mais rápido possível ao alojamento das crianças menores para fazer a sua inspeção costumeira, mas estava mais para se refugiar. Finalmente entrou. Pegou a primeira criancinha no colo e abraçou-a bem apertado. A irmã Laura sorriu ao ver aquele gesto de amor, mas não entendeu aquele afago. 
          Enquanto a irmã Gertrudes olhava berço por berço, Helô já tinha procurado as coleguinhas e brincavam próximo ao pomar. Estava tentando parecer o mais normal possível, como tinha sugerido a irmã Gertrudes. E assim foi por toda aquela semana. Parecia que tinha esquecido a voz que tinha ouvido. Conseguiu se segurar e não comentar nada a respeito com as suas amigas, mas quando podia dava uma escapulida até a gruta. Depois da descoberta, já tinha voltado lá três vezes. As suas excursões continuavam sem ninguém saber. Procurava ter a maior discrição possível, mas achava estranho ninguém sentir a sua falta naquele período das suas escapulidas. As vezes que foi, não tinha conseguido coragem suficiente para penetrar o interior da gruta.  Enquanto procurava encontrar coragem para passar dos primeiros cinco metros, pensava na madre e então concluía que o seu medo maior era o que sentia dela. Todas as vezes que pensava nela retrocedia, pois achava que se ela sentisse a sua falta aí o bicho ia pegar. Era na madre superiora que morava o maior perigo.
          Os meses foram passando e Helô foi rareando a sua visita à gruta. A sua vida tinha voltado ao normal no convento. A irmã Amélia finalmente tinha tido permissão para se aproximar novamente dela. Isso foi a causa que fez com que esquecesse praticamente a gruta. Estava feliz com o contado diário com a sua mãezinha, como ela chamava a irmã Amélia. Já tinha cinco meses que gozavam de muita paz. Estavam vivendo um período em que dava para jurar que a madre não estava mais no convento. Se perguntada, a irmã Amélia não conseguiria apresentar outro período que tenha desfrutado de tanta tranquilidade. Mas para isso estar acontecendo, foi mérito da irmã Gertrudes, orientando-a sobre o risco de ficar em locais de pouca movimentação com Helô. Disse: - Evites ficar próxima da menina em lugares de pouca visibilidade da madre e suas fiéis escudeiras e fiques sempre atenta, quando se aproximar alguma espiã da madre, para te calares. Procures sempre os lugares bem abertos, para não dares nenhum motivo à megera.  E assim os dias passaram a ser vividos em paz. A liberdade voltou a reinar, pelos menos Amélia e Gertrudes não notaram nenhuma espiã da madre nos arredores.  
..........................Continua semana que vem!

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