A irmã se arriscou ao falar para a madre chamar a menina Helô. Mesmo não
tendo nada demais, já que não mentiu, seria um risco ela ficar dentro do
escritório com a madre. Lembrou-se da palmatória. Sabia que outras crianças,
que foram até a sua presença, mesmo sem ter cometido qualquer erro, conheceram
esse instrumento de violência usado nas escolas até o meado do século passado.
Essa lembrança causou-lhe mal estar. Arrependeu-se profundamente, mas já tinha
feito a besteira. Agora era só esperar e torcer para que nada de mal
acontecesse com Helô.
A
madre voltou a escrever alguma coisa no caderno. O seu silêncio estava dando
nos nervos da irmã Gertrudes. A cabeça da madre era sempre uma incógnita.
Ninguém arriscava qualquer prognóstico. A única aposta que se podia fazer com
precisão, e com todos escolhendo o mesmo número, era que daquela cabeça não
saía pensamento bom. Pelo menos era isso que se comentava à boca miúda, mas
devia ser um exagero. Alguma coisa de bom ela devia ter.
A
madre fechou o caderno mais uma vez, retirou os óculos e olhou para a
irmã. Levantou-se da cadeira, espalmou as
mãos na mesa e disse:
-
Preste atenção nas minhas palavras. Estou aceitando a sua história. Isso não
quer dizer que esteja acreditando nela. Agora vou deixar bem clara a minha
posição frente à sua postura. De hoje em diante não quero conversa com qualquer
criança, principalmente Helô, em lugar ermo. Tudo que acontecer aqui dentro do
convento tem que ser às claras. Eu tenho que saber de tudo. Estamos entendidas?
A irmã Gertrudes respirou aliviada. Apostou no improvável e deu sorte. Respondeu
à madre, mesmo parecendo um desabafo:
-
Sim senhora, madre! Sim senhora! Muito obrigada pela compreensão! Podes ficar
certa que daqui para a frente isto não vai se repetir! Nunca mais!
A madre pareceu gostar das palavras da irmã. Adorava quando as pessoas
se diminuíam na sua presença. Deixou que um leve sorriso de satisfação brotasse
nos seus lábios. Depois dispensou a irmã Gertrudes, dizendo:
-
Pode ir. Vai na paz de Deus, minha
filha.
Gertrudes saiu o mais rápido que pode. Esse deus da madre não era o
mesmo dela. Estava triste, preocupada, mas pelo menos aliviada pois o seu
gesto, quase colocando a menina em perigo, não foi em frente. Agradeceu ao seu
Deus por ter livrado Helô das mãos daquela megera. Ela e a maioria das irmãs
nunca conseguiram entender aquele coração de pedra. A fixação que ela tinha em Helô era uma coisa
muito estranha. Com toda essa fixação, nunca presenciou qualquer troca de
palavra dela com a menina.
O
corredor parecia que estava mais longo naquele momento. Queria chegar o mais
rápido possível ao alojamento das crianças menores para fazer a sua inspeção
costumeira, mas estava mais para se refugiar. Finalmente entrou. Pegou a
primeira criancinha no colo e abraçou-a bem apertado. A irmã Laura sorriu ao
ver aquele gesto de amor, mas não entendeu aquele afago.
Enquanto a irmã Gertrudes olhava berço por berço, Helô já tinha
procurado as coleguinhas e brincavam próximo ao pomar. Estava tentando parecer
o mais normal possível, como tinha sugerido a irmã Gertrudes. E assim foi por
toda aquela semana. Parecia que tinha esquecido a voz que tinha ouvido.
Conseguiu se segurar e não comentar nada a respeito com as suas amigas, mas
quando podia dava uma escapulida até a gruta. Depois da descoberta, já tinha
voltado lá três vezes. As suas excursões continuavam sem ninguém saber. Procurava
ter a maior discrição possível, mas achava estranho ninguém sentir a sua falta
naquele período das suas escapulidas. As vezes que foi, não tinha conseguido
coragem suficiente para penetrar o interior da gruta. Enquanto procurava encontrar coragem para passar
dos primeiros cinco metros, pensava na madre e então concluía que o seu medo maior
era o que sentia dela. Todas as vezes que pensava nela retrocedia, pois achava
que se ela sentisse a sua falta aí o bicho ia pegar. Era na madre superiora que
morava o maior perigo.
Os meses foram passando e Helô foi rareando a sua visita à gruta. A sua
vida tinha voltado ao normal no convento. A irmã Amélia finalmente tinha tido
permissão para se aproximar novamente dela. Isso foi a causa que fez com que
esquecesse praticamente a gruta. Estava feliz com o contado diário com a sua
mãezinha, como ela chamava a irmã Amélia. Já tinha cinco meses que gozavam de
muita paz. Estavam vivendo um período em que dava para jurar que a madre não
estava mais no convento. Se perguntada, a irmã Amélia não conseguiria
apresentar outro período que tenha desfrutado de tanta tranquilidade. Mas para
isso estar acontecendo, foi mérito da irmã Gertrudes, orientando-a sobre o
risco de ficar em locais de pouca movimentação com Helô. Disse: - Evites ficar
próxima da menina em lugares de pouca visibilidade da madre e suas fiéis escudeiras
e fiques sempre atenta, quando se aproximar alguma espiã da madre, para te
calares. Procures sempre os lugares bem abertos, para não dares nenhum motivo à
megera. E assim os dias passaram a ser
vividos em paz. A liberdade voltou a reinar, pelos menos Amélia e Gertrudes não
notaram nenhuma espiã da madre nos arredores.
..........................Continua semana que vem!
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