A menina estava cabisbaixa. Entrou na sala de
aula sem falar com ninguém. Entrou muda e saiu calada. Ficou num canto onde a
professora pouco a via. Terminada a aula, já estava praticamente na porta para
sair da sala, mal cruzou o portal e a irmã Gertrudes pegou-a pelo braço e
levou-a para um dos bancos que circundavam o jardim. Helô deixou-se levar sem
nenhuma contestação e não fez nenhum questionamento também.
A
irmã Amélia viu quando as duas se sentaram. Procurou ficar o mais escondida
possível. Primeiro porque, já que estava proibida de ver a menina, tinha que se
precaver contra as punições impostas pela madre e, segundo, para manter a
segurança da própria menina pois tinha medo que a madre não cumprisse mais as
promessas que fizera, mas a saudade que sentia da menina às vezes levava-a
àquele risco.
Naquela semana, não soube o porquê mas mais uma vez fora afastada da
menina e isso acontecia muitas vezes durante o ano. Nunca soube a causa, mas
parecia uma punição. Punição do quê? Sabia que não tinha feito nada de errado. -
Será que era pelo amor que sentia pela menina? – se perguntava. Os seus
segredos estavam fechados no seu coração e em hipótese alguma revelaria nada a
menina, mesmo porque se contasse alguma coisa Helô correria perigo de vida. Mas
em algum dia desses tudo isso ia mudar. Essa era a promessa que se fazia
diariamente.
Já
tinha mais de uma semana que não via Helô. A saudade era muita. Naquele dia não
resistiu e arriscou vê-la novamente, mas de longe. Ela sofria e a menina
também. O único alento era que a madre designava a irmã Gertrudes para tomar
conta de Helô e isso a deixava mais tranquila, pois sabia das suas qualidades
morais, além de ser a sua melhor amiga.
A irmã Amélia, como Helô, fora criada no convento desde muito pequenina.
A sua origem era obscura. Tentou, mas nunca descobriu de onde tinha vindo. - Quem
eram os seus pais biológicos? Quando perguntava à irmã sobre a sua origem, ela
simplesmente dizia que não sabia. Tinha chegado ali quase recém-nascida. Parece
que foi achada no portão do convento, mas alguma coisa buzinava no seu ouvido
dizendo que aquilo não era verdade. Desconfiava que a madre soubesse do seu
passado, mas ela insistia em dizer que ignorava a sua origem. Quando a madre
chegou já encontrou a menina ali, todavia sobre a vida dos internos ela deveria
saber. - Algum documento deve existir. - pensava Amélia. Um dia ainda ia provar
que a madre escondia a sua procedência. Por enquanto ainda não podia provar,
mas um dia a sua história viria à tona. Só que a madre, quando percebeu que
Amélia estava muito determinada em descobrir a sua origem, ameaçou jogá-la ao
relento. Com medo, a menina estancou a
sua curiosidade e procurou não mais externar o assunto. Como não tinha outro
jeito, tentou esquecer ou pelo menos fingir que tinha esquecido e procurou
seguir todas as normas do convento, cumprindo sempre tudo que era determinado
pela madre sem nenhum questionamento. Transformou-se numa pessoa querida por
todos: das suas coleguinhas também órfãs e até das religiosas.
Amélia, ainda muito novinha, demonstrou interesse,
quando chegasse aos dezoito anos - ela já sabia que era o limite para
permanecer ali - em seguir o caminho religioso. Isso gritava no seu interior
como sendo uma forma de permanecer protegida. Um teto para morar pelo resto da
vida era o que importava. Talvez não tivesse vocação, mas isso não queria dizer
nada. Já tinha observado que a maioria das irmãs estava longe de ter algum tipo
de afinidade com as palavras de Jesus, mas mesmo assim usavam um hábito e se
diziam religiosas. Por que ela não poderia também se esconder por debaixo
daquela vestimenta? Ali estava talvez a única forma de continuar abrigada. Tinha medo sim de encarar uma vida fora dali.
Um mundo desconhecido não estava nos seus planos. Ficar ali era uma forma de
resguardar-se do mundo exterior de que ela tanto ouvia falar mal e, aos dezoito
anos, começou a sua vida religiosa.
Enquanto observava Helô, Amélia pensou
na madre. O medo que sentia por essa criatura era inimaginável, tremia só em
ouvir a sua voz. Esse medo acompanhou-a por toda a sua vida e por isso foi se
tornando uma pessoa extremamente triste. A sua alegria só se aproximava quando
estava ao lado de Helô, pois essa era a sua única razão de viver. A sua única
amiga, a irmã Gertrudes, tentou várias vezes saber a causa de tanta dor, mas
ela desconversava. A amiga, que estava desde pequena com ela, sabia que essa
tristeza tinha começado a partir dos quinze anos. Ela sempre estranhou esse
comportamento de Amélia. Depois de ficar um ano fora do convento em tratamento
médico, segundo informação da madre, voltou completamente mudada.
A beleza da menina chamava a atenção de todos, a sua alegria era
contagiante. Morena clara, de olhos verdes, com quinze anos de idade já
despertava sensualidade. Mesmo vestida dos pés a cabeça, os visitantes não
conseguiam deixar de notar os seus dotes físicos. Principalmente um dentre os
senhores deixava claro o seu desejo pela menina. Desde o momento que Amélia
começou a ser tornar moça, esse senhor, que vinha mensalmente trazendo caixas
de alimentos e, diziam à boca miúda, entregava vultosa soma em dinheiro à madre
superiora, não conseguiu esconder a sua paixão. Ainda tinha outro senhor de
nome Arcanjo, que era um padre quarentão, que também deixou claro a sua
predileção por Amélia. Ela então procurava sumir da sua vista antes que ele se
aproximasse, entretanto não adiantava de quase nada essa fuga, pois não
demorava muito e lá estava a madre a convocá-la para uma visita à sua sala com
o propósito de se confessar com o padre Arcanjo. Fazendo um adendo, esses
senhores nunca vinham sozinhos, estavam sempre
acompanhados de no mínimo mais três.
A
madre, o misterioso senhor e o padre não precisavam esconder que eram grandes
amigos e, pelo jeito, amigos de longa data. A intimidade entre eles não deixava
nenhuma dúvida. Todos sabiam, entretanto ninguém ousava fazer qualquer
comentário, tendo em vista que logo que eles chegavam os três sumiam da vista
de todos, mas não ficavam completamente a sós por muito tempo. No máximo uma
hora depois algumas internas eram chamadas pela madre e por lá ficavam por
horas. Normalmente, quando uma dessas internas voltava a sua alegria não a
acompanhava. Poucas conseguiam voltar a
sorrir. O que acontecia por lá, ninguém nunca ficou sabendo. Nenhuma delas se
arriscava a comentar o ocorrido entre aquelas quatro paredes. Algumas, meses depois, sumiam por um tempo
longo, outras nem voltavam. A justificativa era que tinham ido se tratar e as
que não voltavam caíam no esquecimento.
........................Continua semana que vem.
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