terça-feira, 16 de outubro de 2018

A História de Helô - 2ª Parte

Continuando...
Aquele dia ela passou calada, porém pensativa. No dia seguinte, mal
o galo cantou, ela já estava de pé, foi a primeira a se levantar. O sono não
veio e a cabeça estava mergulhada em dúvidas, não sabia se deveria falar
com alguém sobre a sua descoberta. Pesou os prós e os contras, pensou
no problema sério que poderia arranjar para si mesma já que entrou
numa região proibida. Seria punida com certeza, entretanto tinha uma
saída: falar apenas com a irmã Amélia. Sorriu e achou isso o mais certo a
ser feito, porém alguma coisa soprou na sua orelha dizendo que não
deveria. Imediatamente escondeu o sorriso, olhou em volta desconfiada e
assustada. - Será que estava sonhando? – pensou. Foi até o banheiro e
lavou o rosto, penteou os cabelos e escovou os dentes. Sentiu que alguém
sussurrava no seu ouvido, mas não dava para entender direito o que era,
estava ficando mais assustada ainda. Pensou em chamar pelas colegas,
mas a voz se fez mais clara:
- Não faça isso, Helô! Não acorde ninguém e guarde esse segredo só
para você, tranque-o a sete chaves no seu coração.
A menina ficou com os olhos esbugalhados, o medo era visível. Não
conseguia se mexer, parecia que os pés estavam colados no piso do
banheiro mas, depois de alguns minutos, os seus movimentos foram
voltando. Engoliu em seco, olhou por todo o banheiro, procurou atrás da
porta... procurou, mas não achou nada. Pensou que poderia ser coisa da
sua cabeça. - Isso é coisa criada pelo medo. – disse para si. Saiu do
banheiro e foi até a janela que ficava atrás da sua cama, abriu-a e ficou
olhando para o pomar. Uma brisa fresca passou pelo seu rosto, sentiu-se
mais leve, porém a voz novamente falou ao seu ouvido, sussurrando o seu
nome:
- Helô! Helô! Fale comigo, mas não grite.
Ela ficou feito uma estátua. O olhar estava assustado e o corpo
rígido. Torceu o pescoço de um lado para o outro, parecendo que
procurava alguém. A voz então falou novamente:
- Helô, não fale para ninguém sobre a gruta. Fale comigo.
A menina não sabia o que fazer, mas de repente uma força foi
tomando conta dela até que verbalizou:
- Não sei quem está falando mas vou dizer uma coisa: vou falar com
a irmã Amélia, que é como se fosse minha mãe, e com a irmã Gertrudes,
que é como se fosse a minha segunda mãe. Vou falar com elas.
De repente a voz disse um NÃO tão alto, na sua orelha esquerda,
que Helô ficou tão apavorada que pulou a janela e saiu correndo pelo
corredor que margeava o convento. Mais uma vez encontrou a irmã
Gertrudes, uma mulher de meia idade, cara redonda, avermelhada, olhos
azul celeste, bem gordinha e parecia que estava à sua espera. Apenas
abriu os braços, enlaçou-a e com um sorriso nos lábios, repreendeu-a:
- Helô! Helô! Correndo de novo? Tão cedo e já estás a correr
desembestada! Minha menina, não vais chegar com atraso na aula. A irmã
Amélia está preocupada. Tem perguntado por ti. O que houve que não
brincaste com as meninas ontem?
Helô meio ofegante tentou falar alguma coisa, mas a voz recusou-se
a sair. A irmã carinhosamente abraçou-a, beijou-lhe as faces e disse:
- Vai tomar o café e depois para a sala de aula. Mais tarde
conversamos.
A menina baixou a cabeça e permaneceu calada, também não sabia
o que dizer. Como falar que ouviu vozes? Não levantou a cabeça até se
afastar da irmã e não foi para o refeitório, voltando para o alojamento.
Mal entrou e encontrou todas as amigas já de pé, pegou o seu material
escolar em silêncio e foi para o refeitório tomar o café da manhã.
O dia correu e Helô, para preocupação das irmãs Amélia e Gertrudes,
passou o dia muda. Parecia que tinha feito votos de silêncio. Nem, como
era de costume, foi brincar com as outras meninas. Escolheu um banco próximo ao jardim e se isolou de todos. Ficou ali em estado de meditação.
Nem a sua melhor amiga, Sofia, conseguiu removê-la de suas cismas.
O horário do almoço se aproximava e Helô continuava imóvel. As suas
colegas já estavam indo em direção ao refeitório mas ela não dava sinais
de que ia se levantar. A irmã Gertrudes observava-a de longe. – O que
estaria acontecendo com a sua menina? – pensava. Olhou para o relógio e
viu que o tempo estava curto para o início do almoço, a madre não
admitia atraso. Com certeza seria castigada. O pátio já estava vazio,
somente Helô permanecia ali com as mãos no queixo, os cotovelos
apoiados nas coxas e os olhos perdidos no nada. A irmã não resistiu e se
aproximou. Postou-se à sua frente, passou a mão nos seus cabelos e disse:
- Helô, o que houve? As suas colegas já lavaram as mãos e se dirigem
para o refeitório.
Ela levantou a cabeça e pousou os olhos nos olhos da irmã
Gertrudes, deixando escapar um leve sorriso. Foi um sorriso morno, sem
expressão, triste, verdadeiramente dorido. A irmã sentiu a tristeza
abraçada com a menina. Pegou as suas mãos, que apoiavam o queixo, e
puxou-a até que ela se levantasse. Com ela já erguida, abraçou-a e em
seguida perguntou-lhe docemente:
- Meu anjo, o que é que está acontecendo com esse teu
coraçãozinho? Andaste a manhã todinha acompanhada da tristeza. Agora
não temos tempo para conversas, mas após o almoço continuaremos com
a nossa prosa, certo?
Helô não respondeu, mas balançou a cabeça concordando com a
irmã. Em seguida saíram as duas em direção ao refeitório. Como o tempo
para início do almoço estava expirando, a irmã sugeriu que ela não lavasse
as mãos. Não deveriam dar motivos à madre para alguma reprimenda.
Helô quase não mexeu na comida, o prato ficou quase intacto. Três
garfadas foi o máximo que conseguiu. Bebeu apenas uma caneca cheia de
suco de amora, que era a sua fruta favorita, colhida no pomar do
convento. Depois se dirigiu para o alojamento, no setor onde ficavam as
crianças até dez anos, escovou os dentes e pegou o material para a aula
de canto, que começaria às 14 horas, com a irmã Maria das Dores.
...................Continua semana que vem!.

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