quarta-feira, 10 de outubro de 2018

A História de Helô - 1ª Parte

A HISTÓRIA DE HELÔ
- José Timotheo -

O relógio de parede, do século 19, dava a sua décima badalada. Helô
virou-se para confirmar a hora, mesmo sabendo que estava certa: dez
horas. Depois voltou a olhar pela janela, ansiosa. Esfregou as mãos várias
vezes nervosamente e, em seguida, alisou as suas tranças. Com um dos
pés, empurrou a pequena maleta que estava encostada na parede. Parecia
que esperava alguém entrar pelo grande portão que dava acesso à
propriedade. Quem ela esperava?
Faltava um dia para Helô completar dezoito anos, mas ainda era uma
menina. Mantinha acesa a chama infantil, entretanto, com a aparente
meninice, era um espírito determinado e forte.
Desde recém-nascida esteve sob os cuidados das irmãs de caridade,
naquele convento. Foi parar ali pelas mãos da irmã Amélia, que havia
estado na capital do Estado de São Paulo, por quase um ano, para
tratamento de saúde e, de lá, voltou com Heloisa Helena, Helô, com dois
meses de nascida. O orfanato ganhava mais uma moradora.
Até o dia que completou dez anos, Helô teve uma vida que podemos
chamar de normal. Era uma criança sorridente, educadíssima, generosa. O
que tinha bastava para a sua felicidade. Foi então que, uns dias após
completar dez anos, a sua vida começou a mudar.
Sempre obediente, nunca passou pela sua cabeça transgredir
qualquer ordem. Frequentadora assídua do pomar sabia que não poderia
ultrapassar o seu limite, mas de repente olhou para a mata e alguma coisa
surgiu dentro da sua cabeça, mandando-a investigar o que tinha por
detrás daquela cortina de árvores. A coisa era tão forte que sonhava
constantemente.
Helô foi percebendo que a vontade de ir ao pomar era cada vez
mais crescente. Um belo dia em que estava com duas colegas, dentro da
sua cabeça alguém ou alguma coisa disse para descobrir o que aquela
mata escondia e, sem mais nem menos, ela jurou que ia fazer aquilo,
mesmo sabendo de antemão que ia ser uma missão muito difícil. E mais
alguma coisa brotou em seguida, dizendo que tudo teria de ser mantido
em segredo. Este e os outros pensamentos ela não soube como caíram
dentro da sua cabeça, então conversou com os seus botões: - Meu Deus!
Meu Deus! Quem falou dentro da minha cabeça? E eu prometi, ainda, que
ia fazer aquilo. Aquilo o quê? Que segredo é esse?
Ficou em silêncio, pensativa, depois deu um leve sorriso e concluiu:
- Pensamento é assim mesmo, aparece do nada! Não vou ficar encucada!
Continuou brincando com as amigas, que nem perceberam o que
andava na sua imaginação.
As idas e vindas ao pomar só aumentavam a curiosidade da menina.
Intuitivamente, vislumbrava um tesouro enterrado no interior da mata,
mas essa fantasia era interrompida quando ecoava dentro da sua cabeça
que não era nenhum tesouro. Ela olhava em volta para ver se alguém
tinha falado. Achava estranho aquilo e tentava parar de pensar.
O pomar ficava dentro de uma área de aproximadamente três mil
metros quadrados, e uma variedade de árvores frutíferas compunha todo
esse espaço. Cercando esse terreno, uma mata fechada se postava como
uma muralha, parecendo uma sentinela protegendo aquele mundo verde
de intrusos. As crianças sempre ouviam que ali moravam animais ferozes
e bruxas comedoras de crianças. O medo já estava enraizado em todas
elas, nem mesmo as noviças e freiras se arriscavam a tal aventura, mas
Helô, desde pequenininha, era tida como destemida e quase nada a
assustava, só a madre lhe causava arrepios. Parece que era a única coisa
que realmente a deixava com medo, entretanto ela conseguiu conviver
com esse fantasma até completar dezoito anos.
Naqueles dez anos era a única que sempre se aproximava da mata,
mas nunca tentou entrar, sempre respeitou as proibições. As outras
crianças mantinham-se bem afastadas daquele suposto perigo e gritavam
para que ela voltasse. Meio contrariada, acabava atendendo ao
chamamento das colegas e voltava, mas aborrecida com as amigas. Dizia
que não via nenhum bicho e muito menos bruxas canibais.
Foram alguns anos até quase encostar-se às árvores, mas acabou
deixando de lado as proibições e entrou. Aproveitou um dia em que as
amigas não quiseram ir brincar no pomar, pois era uma manhã friorenta,
e, como era uma pessoa destemida, resolveu ir sozinha. Mal entrou no
pomar os seus olhos se grudaram na mata e, de repente, quando
percebeu, já estava dentro daquele mundo proibido. Parecia que um
imenso imã a tinha arrastado até ali. Olhou tudo em volta, procurando os
animais perigosos e as bruxas, mas graças a Deus não viu nada, pelo
contrário, encontrou um local com árvores floridas e pássaros que ainda
não tinha visto. Distraída com tudo, foi andando e ficando maravilhada
com o que via. De repente uma grande pedra interrompeu a sua
caminhada. Resolveu então contorná-la e ao passar para o outro lado
deparou-se com uma gruta. A entrada não estava completamente livre,
uma vegetação rala pendurava-se ali. Helô então, mesmo receosa, meteu
as mãos entre as plantas afastando-as e olhou para o interior, mas quase
nada conseguiu ver. A escuridão tomava conta do ambiente, mesmo
assim, quando deu por si já estava dentro da gruta e, como entrou, saiu. O
coração, quase na boca, batia descompassado. Se perguntada, não saberia
dizer como entrou e como saiu de lá. O medo era evidente mas, como a
curiosidade batia mais forte, meteu a mão na vegetação pendurada e foi
arrancando. Quando a entrada ficou liberada, com alguma claridade já
invadindo o interior, respirou fundo e foi entrando mas cautelosamente.
Andou alguns metros, parou e observou onde estava pisando e também as
laterais. O piso era uma laje rochosa e as paredes eram revestidas de
mármore que devia ser branco, pois a falta de iluminação prejudicava a
identificação, além da poeira acumulada, claro. De onde ela estava não
dava para ver o que havia à sua frente, era uma escuridão só. Pensou em
continuar, deu mais alguns passos mas parou. Observou que estava
descendo uma rampa e parecia que se continuasse iria para um fosso.
Ficou receosa e recuou. – E se caísse num buraco profundo? - questionou.
Resolveu então voltar no dia seguinte com uma vela. Pensou e saiu quase
que voando, só parou quando foi barrada, ao aproximar-se do prédio do
convento, pela irmã Gertrudes que a pegou pelo braço e falou:
- O que foi que houve, Helô? Que correria é essa?
- Nada irmã! Nada! Só estava brincando. – respondeu ofegante.
- Tu pareces assustada – disse a irmã, meio risonha.
- Não, irmã, só estou meio cansada de correr por aí! – justificou-se a
menina, mas já se livrando da mão da irmã.
   -------------- Continua Semana que vem...

Nenhum comentário:

Postar um comentário