No meio
daquele bate papo acalorado, um grito de mulher explode no recinto:
- Porra! Por que vocês não conversam
como gente!
Era Lucinha, a única repórter
feminina da redação, que saía da cozinha. Os dois, pegos de surpresa,
emudeceram. A doce Lucinha fê-los voltar à calma. Vendo os dois perplexos, deu
um sorriso meio sem jeito e repetiu a mesma pergunta, só que num tom que
combinava com a sua doçura:
- Desculpe gente. Mas vocês deveriam
conversar com calma, como gente. Não acham?
PC percebendo que o chefe deu uma
relaxada aproveitou e investiu no seu intento:
- Chefe nós vimos um lance incrível!
Deixa eu e Marcão pegar esse caso! O garoto é estagiário, mas é esperto! E tem
que aprender mais! Deixa a gente tentar! Se não der certo... Pelo menos é uma
tentativa! Pode dar certo, não pode? Vamos lá, Souza!
Souza não respondeu de imediato.
Olhava para PC fixamente. Fazia umas caretas enquanto pensava. A sala estava
abraçada ao silêncio. Os outros repórteres pararam o que estavam fazendo e
ficaram esperando pela resposta do chefe. Parecia que a tal resposta não ia
sair nunca daquela garganta. Quem o conhecia sabia que antes de qualquer
decisão, ele fazia uma porção de caretas. E era o que estava acontecendo. Mas
quando parasse de torcer a boca de um lado para o outro, vinha à resposta. E não deu outra: parou de fazer caras e
bocas. A resposta veio, mas quase num sussurro:
- Está bem.
PC, como os outros repórteres, não
entendeu o que Souza tinha falado. Então questiona:
- Chefe, o que você falou? Não
entendi.
Parecia que a resposta estava
meio à contra gosto. Não tinha muita certeza se estava fazendo a coisa certa,
deixando PC com o caso. Engoliu em seco e falou mais alto:
- Está bem PC! O caso é seu! Vocês
venceram! Mas tem uma coisa: não vai querer dar uma de policial, não! Está bem?
PC sai do fundo da sala, com um
sorriso nos lábios, se aproxima de Souza, põe a mão no seu ombro e fala:
- Chefe você não vai se arrepender.
Pode anotar aí: eu, PC, vou tirar a raposa da toca. Vamos tirar!
- Você é louco! E está levando o
Marcão para o caminho da insanidade! Sumam daqui!
Durante três dias a manchete foi
sobre o caso dos olhos azuis:
- “A polícia acredita que dentro de
vinte e quatro horas colocará a mão nos assassinos. As pistas estão cada vez
mais claras. É só uma questão de tempo”.
PC termina de fazer o texto e vai
até Souza e pergunta:
- Chefe, vê se a chamada está legal.
Souza nem olha para o texto. Antes
faz a sua cobrança:
- PC, hoje é o terceiro dia. E até agora nada aconteceu. A partir de
amanhã as coisas vão voltar ao normal. Vamos noticiar só verdades. Chega de
viajar na maionese. Vamos continuar falando do caso, mas somente sobre as
mortes. Meu irmão. Vou repetir uma coisa que eu já estou cansado de falar:
quero coisa concreta.
Mal Souza termina de falar, o
telefone toca. O continuo atende e grita:
- PC é pra você!
Ele dá um sorriso, mexe na sua
bolsa a tira colo e, enquanto caminha na direção do contínuo, pergunta:
- Topete. É mulher?
- Não, PC! É voz de barbado!
Ele dá um muxoxo e fala:
- Estou desprezado! As mulheres estão
me abandonando!
Pega o telefone da mão do contínuo
e atende:
- Pronto! Aqui é PC! O melhor repórter
de polícia! Quem fala?
Do outro lado uma voz cansada e
tenebrosa responde:
- Quem fala? Já deves saber que sou
eu. Com certeza já estavas esperando a minha ligação, certo? Vai um aviso:
estás metendo o bedelho, onde não és chamado. Estarei ao teu lado pronto a
tirar-lhes os olhos. É uma pena que eles sejam tão feios. E muitos olhos
saltarão das órbitas. Outros tantos estarão em festas: o verde estará no azul;
o preto estará no azul; o castanho estará no azul, mas o azul estará dançando
fora de órbita. Finalmente os olhos azuis serão entregues aos vermes. Todos os
presentes verão e ficarão sem entender.
PC completamente sem ação emudeceu
por completo. Com expressão mista de terror e surpresa, deixa o fone cair,
segurando-o apenas pelo fio.
Todos os colegas olham sem entender
o que está acontecendo. O chefe, vendo que o amigo estava parado sem ação,
interroga-o:
- PC o que houve?
Com o silêncio do amigo e a falta
de resposta, ele grita:
- Fala homem! O que houve? Você está
com cara de idiota, PC!
PC coça a cabeça e balbucia algumas
palavras:
- Olho azul. Órbita. Olho preto. Azul
no verde.
Souza ficou olhando para o amigo
sem nada entender. As palavras que dizia
eram desconexas. Para trazer o amigo a realidade, deu-lhe uma boa sacudidela. PC
olhou para Souza e disse:
- Viu chefe, deu certo! Foi o homem
que telefonou! É o assassino! Mas ele decidiu brincar com a gente. Só deixou
enigmas.
- O que foi que ele disse?
- Loucura. Tudo uma tremenda loucura.
- O que foi homem? Desembucha!
- Souza o cara é um psicopata. O que
ele disse é um quebra cabeça. Falou de olhos em órbitas. Em festas. Misturou
olhos verdes, pretos e castanhos. Disse que eles estão todos no azul. E que o
azul, se não me engano, será dos vermes. Uma loucura! O que será isso? Com quem
estamos lidando?
Continua semana que vem...
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