Assombração
caminhou bastante. Chegou cansado, parecendo que tinha participado de alguma
maratona. Humildemente foi entrando porta adentro. Parou há alguns metros da
recepção. Olhou, mas se sentiu um pouco envergonhado. Mirou duas
recepcionistas, tentou falar alguma coisa, mas a voz resolveu não sair. Aquilo
estava difícil para ele. Uma
das recepcionistas percebendo que ele não estava nada, nada confortável, se
dirigiu a ele e falou sorrindo: - E aí, Assombração! O quê que você deseja?
Tudo bem? – Ele acabou deixando um sorriso tímido escapulir e até conseguiu
falar alguma coisa: - Tô! Estou bem! Você me conhece? – a recepcionista sorriu
novamente. Com uma voz doce e batendo levemente na sua mão, disse: - Claro. E
quem não te conhece? Posso te ajudar? – aí que Assombração ficou com a cara de
quem tinha visto assombração. Depois o seu rosto foi ficando avermelhado,
parecendo um tomate quase maduro. Custou a sair daquele estado. Antes de falar
alguma coisa, esperou o coração voltar a um ritmo que pudesse respirar com mais
tranquilidade. Estava envergonhado. Com isso, ficou nervoso pra cacete. Baixou
a cabeça e respirou fundo várias vezes. Isso dava certo. Já tinha feito antes.
Mas nunca soube como aprendeu. Entretanto, naquele momento, não fazia a menor
diferença saber. Ele tinha
é que voltar a se equilibrar, serenar o seu coração. E foi aos poucos
conseguindo que os batimentos cardíacos voltassem a um patamar tolerável. O
coração tinha respondido ao seu apelo mudo. Acabou encontrando coragem para
falar com a recepcionista, mas sem ainda conseguir olhar cara a cara. – Todo
mundo me conhece? Conhece mesmo? – A menina antes de responder, bateu levemente
na sua mão de novo: - Claro! Acho que todo mundo gosta de você! -
Assombração com um pouquinho mais de segurança, disse: - Pensei que só Dona
Verona e Seu Juca me conheciam. – deu uma pausa e continuou: - A senhora pode
me ajudar? – a recepcionista deu um sorriso e brincou com ele: - Senhora,
Assombração? Sou muito nova pra isso! Sou quase da sua idade! – ele sorriu mais
descontraído, mas se guardou de novo dentro do silêncio. Ela se calou e esperou
para ver se ele dizia alguma coisa. Já que ele emudeceu, ela voltou a falar. –
Vamos ver se posso te ajudar. Fica tranquilo e fala o que você deseja. Mas olha
pra mim, viu! – Brigando contra a sua timidez, finalmente ele conseguiu
olhá-la. Quando os olhos se cruzaram, Assombração se sentiu nas alturas. O olhar da menina era tão meigo, de
uma ternura tal, que naquele momento percebeu que a sua timidez tinha saído
correndo. Instantaneamente abriu um sorriso de orelha a orelha, tão conhecido
da vizinhança, para Angelina, a recepcionista, uma cabocla de cabelo escorrido
e olhar amendoado. De repente sentiu que os seus olhos estavam molhados. Passou
as costas das mãos tentando secar a pequena poça lacrimal. Pela primeira vez
teve a sensação de que podia realmente encarar uma pessoa e dizer o que ia
dentro do seu coração, sem vergonha nenhuma. Percebeu que do outro lado tinha
um ser humano igualzinho a ele, que sorria, chorava, que podia ser feliz, mas
que também sentia dor. E não importava se era branco, preto, amarelo, vermelho
ou de qualquer outro tingimento. Era gente igual a ele. E gente é tudo igual,
mesmo tentando ser diferente. Tem muita gente fora de foco, isso tem!
Preconceituosa, vaidosa, vaidosa até ao extremo, ladra em demasia e... mesmo
assim, são seres humanos e como tal, podem ser consertados. Não sei bem como
fazer isso agora, mas tenho esperança. De repente numa próxima volta?!
Assombração engoliu o sorriso escancarado, mas deixou escorregar um sorriso de
canto de boca, e falou: - Oi. Eu fiquei sabendo que a menina do nº 18...
Verinha. O nome dela é Verinha. Eu... – de repente interrompeu o que estava
falando e ficou olhando para a recepcionista. Ela retribuiu o sorriso, passou
carinhosamente a sua mão nas costas da mão dele. Ele sorriu novamente, mas não
conseguiu falar nada. Angelina quebrou o gelo, dizendo: - Deve ser a paciente
do quarto 233. Acho que é Vera. Deixa que vou confirmar. É isso mesmo. Mas ela
não pode receber visitas. Recomendações médicas.
- Mas eu não quero fazer nenhuma
visita não. – ele retrucou.
Angelina olhou-o com ternura e disse:
- Você quer saber como ela está passando? Acho que continua mais ou menos. Está
na mesma. Continuam procurando um doador de...
Assombração não deixou que a
recepcionista concluísse a frase.
- É isso! É isso! Eu quero dar o meu
sangue pra ela! Ela vai ficar boa!
- Então você quer ser doador?
- É isso! É isso sim!
- Mas não é só doar o sangue.
- Tudo bem! Eu dou até o meu coração!
Eu só quero que ela fique boa! Só isso!
Continua semana que vem...
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