Do lado de fora da casa os quatros irmãos conversavam animadamente. Sentados
num banco tosco, no meio de um jardim, com uma vegetação harmoniosa, que
emprestava sua beleza para compor o design da casa, eles botavam o papo em dia,
enquanto esperavam Mundinho. A curiosidade dos três irmãos de João era muita.
Queriam saber tudo sobre a cidade grande. O papo só foi interrompido quando
finalmente Mundinho chegou. Eles não resistiram e deram uma salva de palmas
pelo atraso do amigo. Mundinho ficou vermelho. Envergonhado pediu desculpas.
Mas em seguida foi abraçado por João e seus irmãos, já caindo na gargalhada ao
notarem como ele ficou desbundado. Mundinho acabou se descontraindo e riu com
eles.
A cidadezinha só
tinha uma rua principal. Era um minúsculo lugarejo. Mas muito agradável. E
Mundinho sentiu um bem estar logo na chegada. Até se lembrou de onde morava e
que também não era muito grande, mas ficou menor depois que Das Graças foi
embora. O astral do lugar não ficou nada bom. Mas ele tentou afastar essa
lembrança, se fixando na praçinha, à direita na entrada, que era um cartão
postal de tão bem cuidada, como ele nunca tinha visto outra igual. As flores
pareciam que vinham abraçar o visitante, derramando o seu perfume pelo ar. A
praça da sua cidade - voltou ele a comparar - era sem graça. As flores não
conseguiam embelezar nada. Já tinha dúvidas se realmente existia alguma flor ou
jardim. De repente nem praça tinha. Se não a saudade traria a tona algum perfume. Não se lembrava se elas exalavam algum
cheiro. Tinha quase certeza que não. Depois que Das Graças foi embora as árvore
perderam até o seu verde. Ficou tudo
pálido. No fundo ele nem fazia questão de olhar o que acontecia em sua volta.
Pra ele nem o galo cantava mais às cinco horas da manhã. Não escutava. Não via.
Não sentia cheiro algum. A não ser, o cheiro dela que trazia na saudade. E essa
saudade ele carregava de mãos dadas com a esperança.
João chamou o amigo de
volta. Sabia que ele estava viajando no seu silêncio. A irmã dele se achegou e
deu o braço para Mundinho. Foram descendo rua abaixo. Não sei se poderia se
chamada assim, pois era completamente plana. O lugar ficava numa planície, mas
quando eles iam de casa para a pracinha, usavam essa expressão “descer rua
abaixo.”
Os irmãos de João
estavam animados com a festa. Não só
pela festa em si. O
que mais empolgava a cidade inteira era o casamento na roça. Eles contaram para
Mundinho que ali faziam um casamento na roça diferente. Ele ficou curioso em
saber qual era essa diferença. Porque ali, diziam eles, só iam conhecer o casal
na hora do casamento. Era um mistério para todo mundo. Até o próprio casal só
ia se conhecer, também, no momento do matrimônio. Isso porque no ato da inscrição,
o candidato tinha que colocar um pseudônimo na ficha de inscrição que continha
um número. Nem a pessoa que recebia o
envelope sabia quem era o inscrito. Esse envelope era lacrado e colocado numa
urna. Mas o candidato ficava com uma filipeta que continha o mesmo número da
ficha. Esse número ele apresentava na hora do casamento. Mas na ficha tinha
umas normas. Na verdade uma só era importante. Onde dizia que a pessoa sorteada
tinha que se manter no anonimato. Caso fosse descoberta, seria eliminada. E
seria feito outro sorteio na hora do enlace matrimonial. Ela só podia ser conhecida no instante do
casamento. Mas o restante do elenco: o pai, mas que também não conhecia a
filha, o padre, os padrinhos, o delegado, etc. Entretanto ficava tudo nos
conformes. Mundinho entendeu o esquema.
Mas achou difícil aquilo dar certo. Chegaram à praça, sentaram-se num
banco e foram explicar mais alguns pormenores, que na verdade não tinha nada
demais. – O restante do elenco é praticamente o mesmo dos outros anos. Alguns
participam há mais de cinco anos, com o mesmo papel. Já estão para lá de
ensaiados! Mas mesmo assim ensaiam por um período bom, antes da festa! - comentou
Leandro, irmão mais novo de João, que por sua vez, falou para o amigo: – Mundinho
a cidade toda se inscreve para ser o noivo e a noiva. Daqui a pouco as
inscrições começam. Pode olhar no relógio: precisamente às dezenove horas. E
terminam nem um minuto a mais nem a menos das vinte horas. O sorteio começa às
vinte e uma horas, com certeza! Você vai ver a cidade em peso aqui. Isso é só
para os jovens. Mas é bastante gente. Eu e meus irmãos, todo ano, nos
inscrevemos. Minha irmã já foi sorteada uma vez! Foi à noiva mais bonita que tivemos
aqui! Mundinho o sorteio é honesto. Pode acreditar. E você vai comprovar isso!
E tem prêmio! E não é ruim não, hem! No ano passado dois fazendeiros, doaram
dois novilhos. O noivo levou um e a noiva o outro. - Mundinho continuou
surpreso, pois nunca tinha ouvido falar em sorteio para a escolha de noivos
para festa junina. João olhou para ele e disse para que não ficasse com cara de
incredulidade. Ai apontou para ele, uma faixa que estava pendurada próximo ao
local das inscrições, onde dizia o prêmio daquele ano: dois potros. Um para a
noiva sorteada e o outro para o noivo, também sorteado. Naquele ano um dos
doadores era o próprio pai do amigo. Os irmãos de João se adiantaram para o
local de inscrição. João foi atrás com Mundinho. Foram logo os primeiros da
fila. Levaram um bom tempo para convencer Mundinho a também participar. Mas
finalmente conseguiram: estavam todos inscritos e sorridentes. Mundinho
questionou com o amigo se por acaso fosse sorteado, fato que aconteceria mais
tarde, como ele iria participar no dia seguinte sem a vestimenta de caipira? A
irmã de João falou para Mundinho ficar tranqüilo, pois o que não faltava na
casa deles era a tradicional roupa. – Mas tem um porém. - falou Mundinho. – E
qual é o porém? - Interrogou Maria Isabel, irmã de João. – Se por um acaso eu
for sorteado, tenho que manter segredo. Certo? E aí! Como é que fica a minha
situação? - É simples: de qualquer jeito nós vamos arranjar uma caipira para
você. Então você não vai precisar quebrar o silêncio. Se por um acaso eu ou
meus irmãos formos sorteados, nós também não vamos falar nada. É segredo total!
Assim é que funciona a nossa festa. A graça está na surpresa. – Mundinho foi
todo ouvido com as explicações e ponderações de Isabel. Sorriu e aceitou tudo
que ela disse, sem mais questionamentos.
Continua semana que vem...
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