terça-feira, 7 de abril de 2015

UM GÊNIO QUE ENCONTROU O PARAÍSO NO ESGOTO - Parte 4

Continuando...

            O tempo foi passando, mas a ansiedade começou a tomar vulto. Ali dentro daquele cubículo as horas se arrastavam. Não queria ficar nervoso, mas não tinha jeito. Pensou que poderia ficar louco.- Como não enlouquecer aqui? Se isso tivesse uma fórmula seria de fácil resolução. Não posso ficar maluco. Não existe um só problema nessa vida que eu não consiga resolver, droga! Tudo para mim sempre teve solução! Mas e agora? Calma João. Como eu vou sair daqui? Todo problema tem uma fórmula. É, mas esse problema tem alguma fórmula que desconheço. Mas... Vou bater nessa porta pra ver se alguém me escuta. Vou gritar.
                  João bateu com tanta força que machucou um dedo. Gritou até ficar rouco. Mas nada de aparecer uma viva alma. Doía dedo, doía garganta e doía a alma. Teve vontade de chorar, mas engoliu o choro. Virou-se para a parede e falou alguma coisa abafada. Parece que nem ele entendeu o que resmungou. Bateu levemente a cabeça na parede. Resmungou novamente alguma coisa, mas agora,compreensível.
- Não deram a mínima pra mim. Que raio de lugar deve ser esse.
 Depois colocou as duas mãos na cabeça e gritou:
- Meu Deus! Meu Deus! Me socorra!
 Em seguida ficou em silêncio. Escorregou vagarosamente pela parede e se sentou no chão frio e úmido. Ali ficou algum tempo sem procurar pensar. Era muito difícil ficar sem pensar, mas estava tentando. Parece que adormeceu. Mas isso acabou não durando muito tempo. Talvez meia hora. E voltou a pensar novamente:
-Não acredito que tenha gritado o nome de Deus. Sempre fui ateu. Acreditei sempre e unicamente na ciência. Deve ter sido o inconsciente coletivo atuando. Eu acho que foi um desabafo. É fruto do medo. Na hora do perigo temos que ter alguém para segurar a mão. Me desculpe por estar pedindo socorro. Lá estou eu admitindo que existe um Deus. Mas... Eu tenho que pegar na mão de alguém! Meu Deus, se você existe mesmo, me tire daqui. Uma coisa écerta: se me apresentar alguma saída, pode ter certeza que você vai ter em mim um fiel escudeiro. Pode escrever aí no céu: estudo até teologia! Acredito até em horóscopo! Vou ser monge! Vou lá pro topo do mundo! Fico sentado no ponto mais alto do Himalaia! Faço qualquer negócio!
           Enquanto ele monologava, do lado de fora o silêncio se abraçava com a penumbra. O corredor era tão pouco visitado que o piso e as paredes eram moradia de uma infinidade de musgos. A umidade era tanta, que fedia a mofo.
           Antes de chegar à cela de João, que era a última, tinha mais cinco de cada lado. Eram todas hermeticamente fechadas. Nenhum som era ouvido, nem de fora e nem de dentro. Quem eram as pobres almas ali confinadas? Ninguém sabia se tinha vizinho, ainda mais quem era. Todos chegavam ali com os olhos vendados.
           O lugar era uma construção bem antiga. Uma fortaleza construída pelos portugueses no final do século XVIII. O cubículo em que jogaram João foi construído alguns anos depois. Ele ficava debaixo da construção original. Era uma caverna que fora descoberta ao retirarem uma grande pedra que ficava no meio do pátio, e posteriormente transformada em onze minúsculas celas. Era o lugar onde enterravam vivos os indesejáveis. E com as ditaduras do século XX, continuou sendo o lugar preferido para encarcerarem pessoas extremamente perigosas para o regime. Esse lugar, pouquíssimas pessoas sabiam da sua existência. Os soldados que eram designados para atender aquele buraco, tinham que manter total segredo. Quem por ventura abrisse a boca, pagava com a própria vida. E João foi jogado logo ali. Pobre João! Que perigo ele poderia trazer para os ditadores? De repente a educação, a cultura... Ele era um cara bom. De repente a sua bondade também incomodava. E era extremamente inteligente.Era cientista. Simplesmente um gênio. Uma pessoa incomum. Parecia que não era deste planeta. Mas com toda a sua genialidade, não estava conseguindo pensar numa forma de sair dali. O mal estava se mostrando mais genial do que ele.  Lembrou que um amigo falava sempre da força do pensamento. Mas ele nunca se interessou por isso. Se de repente tivesse se enveredado por esse caminho, a história podia ser outra. Nesse momento podia ter serventia. Quem sabe abrir a porta com essa força... – Isso é fantasia - pensou.
                O estômago de João começou a roncar. Ele nunca foi de comer muito. Às vezes até esquecia de se alimentar, mas dessa vez o corpo estava reclamando. Tentou se lembrar da última refeição. Não conseguiu. Só Sabia que estava com muita fome, que estava há muito tempo sem comer.
- Será que me esqueceram nesse buraco fedorento? Agora percebi como é bom comer. Como é bom se alimentar. Mas eu nem sei qual é o meu prato preferido. Engraçado é que nunca me preocupei sequer em olhar para o meu prato, lá em casa.
Se me perguntarem hoje como ele é, com certeza vou responder que não sei. Nunca observei. Branco? Isso vou responder com toda certeza: não. A  minha mãe não gosta de pratos, xícaras brancos. Ela gosta da cor de verde. Mas eu não tenho certeza se os pratos eram realmente verdes. Mas... parece que  o meu estômago vai dar um nó. Estou com muita sede também. Acho que estou há séculos sem beber água. Será que vão me deixar aqui até eu morrer de sede e fome?
 Ele nem ousou responder a sua pergunta muda. Onde estava, continuou sentado. Também não adiantava muito trocar de lugar, isso não iria mudar em nada a sua situação. Ali, pelo menos, estava do lado da porta. Passou a mão pela porta e sentiu que havia uma portinhola. –Quando abrissem, pelo menos daria para visualizar o ambiente e guardá-lo na memória. A sua mente fotográfica iria ajudá-lo naquele momento – pensou ele.
           A perna começou a adormecer. Se sentiu incomodado, se levantou e fez alguns exercícios. Depois deu alguns pulos e correu sem sair do lugar. Percebeu que a ansiedade estava diminuindo.A fome e a sede continuavam, mas sem causar desespero. Sentou-se novamente e esticou bem as pernas. A friagem e a umidade subiram rapidamente pelas pernas fazendo com que ele se arrepiasse todo. Encolheu-as e sentiu nojo daquele contato com o chão imundo. O tempo passou e ele adormeceu. O tempo que ficou dormindo, não deu para avaliar. Acordou sobressaltado. Tinha sonhado. Sonhado não. Tinha tido um pesadelo. Alguém amarrava pedras nos seus pés e jogava-o no mar. Despertou assustado, quando encostou o seu corpo na água. O coração pareciasair pela boca.
- Porra! Que susto! Ainda bem que continuo vivo. Foi só um pesadelo. Parecia real. Eu até xinguei. Eu que nunca fui disso. Porra! Porra! Estou virando uma pessoa normal? Até que soou bem. Foi bom que deu pra espantar o medo.
              Depois daquela experiência assustadora, deu um sorriso e se esticou de novo. Dessa vez não fez cara de nojo e acomodou melhor as costas na parede. Fechou os olhos e deixou escapar uma risada.
- Caramba! Só rindo mesmo! Ficar de olhos abertos ou fechados dá no mesmo! Puxa vida! Será que já estou ficando maluco?
             Ficou em silêncio, mas abriu os olhos. Estava com medo de dormir e sonhar novamente. E o tempo foi rolando. Não tinha certeza se já tinha passado de quarenta e oito horas da última vez que tinha comido alguma coisa. E bebido também. Estava com a garganta seca e as tripas dando um nó. Enquanto tentava se lembrar da última refeição, alguém mexeu na fechadura da portinhola. Procurou não olhar. Preferiu esperar ser aberta para que não perdesse um só instante de luminosidade. Quando a claridade, mesmo sendo pouca, entrou na cela, procurou memorizar os mínimos detalhes. Até um pequeno buraco, no lado oposto da porta, onde deduziu que seria para fazer às suas necessidades fisiológicas, ele viu. Como já estava habituado com a escuridão,achou que foi até fácil. Já estava tudo gravado na memória. E deu até tempo para tentar se comunicar com o carcereiro.
- Ei! Onde estou? O que é que vão fazer comigo? Disseram que sou comunista, mas isso não é verdade! Eu não sei nada de política! Por favor me escute! Não fecha a portinhola não! A minha mãe deve estar desesperada com o meu sumiço! Não fecha! Por favor, não fecha!
           A pessoa que estava do lado de fora, nada respondeu. Apenas colocou uma vasilha de água e uma outra com um caldo ralo. Fechou a portinhola e se retirou sem responder aos apelos de João. A escuridão voltou a reinar. João bebeu um pouco de água e depois bebeu um pouco do caldo, que ele não conseguiu identificar do que era. Parecia mais água com sal. Mas como a fome era muita, secou o vasilhame com três goladas.  Para quem não se alimentava há muito tempo, até que foi reconfortante. Deixou as duas vasilhas bem junto da porta. Depois se levantou e deu uma esticada na coluna. Enquanto se alongava, lembrou do seu gato Newton. Todas as manhãs ele observava como ele se alongava e acabava se espreguiçando também. Em seguida deu uns pulos e começou a falar consigo mesmo.
- Olha só que coisa horrível. Tenho que fazer daquele buraco fedorento o meu banheiro particular. O ambiente está fétido. Não sei quanto tempo vou aguentar essa podridão. Mas... não tem outro jeito. Tenho mesmo é que suportar. Mas eu vou sair daqui. Como? Ainda não sei. Mas vou arranjar um jeito. Vou arranjar uma saída. Eu pensei numa saída, mas essa eu tenho que esquecer: a morte... Deixa ela pra lá. Vai ser minha última opção. Espero não precisar dela. Vou estar do lado de fora curtindo a vida. Engraçado, hoje estou pensando na vida. Num jeito de viver... Um modo bem “descolado”. Eu ouço algumas pessoas da faculdade falando assim. Eu achava esquisito, mas agora até que soou legal. Pensamento. Eu sempre pensei muito. Dizem que eu só vivo viajando. O meu negócio é pensar. Estou sempre tentando encontrar respostas. Nunca pensei na força do pensamento. De repente se tivesse me dedicado a encontrar resposta pra essa força, hoje poderia ser útil. Podia estar me comunicando com alguém lá fora. Ainda está em tempo. Vou começar a exercitar. Um colega me falou algumas vezes sobre isso. Di Carlo é ligado no assunto. É isso! Vou tentar me comunicar com ele! Estranho. Eu penso 24 horas, mas nunca me perguntei o que é o pensamento. Que força  é essa? Vou me concentrar no meu amigo. Quem sabe eu consiga alguma coisa.
                Antes de tentar, foi tateando até o banheiro. Urinou bastante. O fedor que subiu, quase o sufocou. Um cheiro forte te amônia entrou pela sua narina, causando ânsia de vômito. Depois sentiu vontade de defecar, mas acabou perdendo a vontade.
  Tinha certeza que mais cedo ou mais tarde ia ter que encarar aquele desafio. Ficar na posição que vem desde o início da humanidade ia ser inevitável. Pensou numa moitinha de capim. Com certeza seria muito mais agradável do que aquele buraco fedorento. Conviver com aquele fedor de merda, ia ser terrível. Quantas pessoas já ficaram ali de cócoras mirando aquele buraco? Passou pela sua cabeça até em tentar abrir mais aquele buraco, mas desistiu.
    João ficou zanzando na escuridão de um lado para o outro. Já tinha decorado quantos passos tinha de uma parede a outra. Também com apenas três passos... Começou a bater na parede para tentar encontrar alguma pedra que pudesse estar oca. Enquanto batia, pensou:
- Não posso me esquecer da telepatia. Nunca pensei nisso, mas vou tentar. Não tenho nada a perder. Tenho que arranjar alguma ferramenta para tentar abrir um buraco em qualquer lugar e sair daqui.
             João foi até a porta e colocou amão na portinhola. Depois bateu. Era tão firme quanto à própria porta. Parecia de pedra. Ficou em pé, mas se sentiu meio desanimado. Coçou a cabeça e se movimentou um pouco. Colocou as mãos nos bolsos detrás da calça e de repente, deixando escapar um sorriso, falou satisfeito:
- Espera aí! Achei o que precisava para sair daqui! Olha só! Eles esqueceram de tirar o cinto da minha calça! A fivela vai ser a minha ferramenta! Pode escrever aí: qualquer buraquinho eu fujo! Vou começar logo a procurar por essas pedras na parede!


                                         Continua semana que vem...

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