terça-feira, 31 de março de 2015

UM GÊNIO QUE ENCONTROU O PARAÍSO NO ESGOTO - Parte 3

CONTINUANDO...


Ele pegou o livro que ainda estava debaixo do braço de João e começou a folhear sem muito cuidado, quase arrancando as páginas. Olhou pra João, deu um sorriso e perguntou, mas respondendo também.
- Então! Lendo Marx? Comunistazinho safado! Com essa cara de sonso aí, deve está escondendo “um puta” de um terrorista! Mas não me engana não! Diz aí qual é o grupo que você pertence! MR8? Você tem cara que deve ser do MR8! Não entendi o que você falou! Pode repetir garoto?
          João resmungava alguma coisa. Mas parecia que estava em estado de choque. Era uma falsa calma que ele aparentava. Parecia que a voz não saía. Engoliu em seco e repetiu.
- Eu falei Newton. Isaac Newton.
          Policial deu um sorriso de desdém e falou.
          -Ah! Olha só! O menino resolveu falar! Então esse é o nome do seu chefe? Bertoldo, revista ele! Vê se tem alguma coisa escondida! Um panfleto, microfone... Qualquer coisa!
- Deixa comigo! Deixa comigo! Agora é que vai começar a ficar bom!
          O policial Bertoldo foi tirando a roupa de João à procura de qualquer coisa que, além do livro, o incriminasse mais. Mas nada foi encontrado. João ficou só de cueca. E um vento frio começou a incomodá-lo. Ele tremia. O policial gritou para o outro.
          -Aí Guto! Nada! Nada! O que é que a gente faz com ele?
- Vamos dá umas porradas nele, até ele falar! Vamos ver se ele dá ou não o endereço desse Isaac rapidinho.
            João Paulo de repente pareceu ligado na conversa dos dois. Calmamente, mas com uma ponta de ironia, se dirigiu a eles.
- Tem certeza que vocês querem mesmo o endereço de Sir Isaac Newton?
          -Mas é claro, garoto! Fala logo, antes que a gente encha você de porrada! -falou Guto rispidamente.
-Eu acho que vai ser impossível eu fornecer essa informação pra vocês.
          -Como impossível? Qual é cara! – Guto foi falando e empurrando João, que se desequilibrou e se esborrachou no chão. Mesmo caído protestou.
- O que é isso cara? Assim vocês vão me machucar! Me deixa explicar!
João tentou se levantar, mas um dos policiais empurrou-o com o pé. Dessa vez bateu com a cabeça no chão. Ficou atordoado, mas mesmo assim começou a falar.
          -Gente. Sir Isaac Newton é Inglês. Ele já morreu há muitos anos.É meu amigo de cabeceira. E têm outros também.Tenho vários amigos gênios, que já pousaram aqui entre nós, que me acompanham diariamente.
          -Viu isso? Aí Guto,Cabedelo, vocês tão vendo isso? O cara tá mais enrolado do que a gente imaginava! A rede de subversão é grande! Cara! Vamos lá! Passa os nomes e endereços dessa cambada toda aí!
           -Gente! Eu não tenho como passar endereço de ninguém! Esses cientistas, estão todos mortos!
           -Cabedelo! Dá um corretivo nele! Esse subversivo, filho de uma puta, tá querendo enrolar a gente! Enche ele de porrada!
 Até o motorista, que parecia menos violento, bateu no pobre do João. Mas como João não esboçava qualquer tipo de reação, as pancadas foram perdendo a intensidade. Nem um leve gemido João deixou escapar. Com isso eles frearam a sede de sangue. Perdeu a graça o plano de tortura.Ficaram impressionados com a resistência que viam nele.O prazer estava, quando as vítimas se cagavam de tanto medo. João jogou um balde de água fria neles. Perderam o prazer. Era visível a desilusão nos seus olhos. O gosto de ver o sofrimento alheio não aconteceu dessa vez. Pegaram João e jogaram-no dentro do carro. Eles nem se incomodaram quando o capuz caiu. Olharam com desdém, mas ficaram mais surpresos, pois João falava com alguém. Cabedelo vendo isso se dirigiu para Bertoldo e questionou o comportamento do preso.
- Bertoldo. Será que esse cara não é maluco? Será que Guto não se enganou? Esse cara é pirado. Vai por mim.
- Porra Cabedelo! Fala pra mim! Qual é? Se é maluco, o problema é dele! Agora tá ferrado! Tem culpa de qualquer jeito! Quem mandou botar Marx debaixo do braço! É comunista sim! E burro!  Já perdi até a vontade de dar umas porradas nele! Vamos deixar esse cara no forte? Perdi o tesão!
- Olha só! Vamos soltar o cara! Vai por mim!Esse cara fala com uma porrada de gente!Até um tal de Arquimedes ele já falou! Olha só. Tá falando com outra pessoa agora.Escuta. Agora é com uma mulher: madame Curió. Esse cara é maluco mesmo! Curió é nome de passarinho!
-Cabedelo, para com isso! Tá ficando mole agora? O cara caiu no nosso carro e já era!
-Mas Guto... Está bem. Então vamos largar ele lá no forte e depois damos no pé. Isso está me cheirando a azar. Vai por mim. O que é que você acha disso?
-Realmente eu nunca vi um cara assim! De repente você está certo. Eu sei que a gente pode apagar ele por aqui mesmo, mas isso pode trazer azar pra gente... Ele já levou umas boas porradas, então a gente larga ele lá no forte e os caras lá decidem o destino dele. Já fizemos a nossa parte, para o bem da revolução.
           Chegaram num acordo e botaram João sentado no banco como um saco de batatas. Mas dessa vez ele soltou um gemido.Mas não deram nenhuma importância. De repente nem o ouviram gemer. Esqueceram até de colocar nele, o capuz. Também naquela altura, não ia fazer qualquer diferença. João já estava em outro lugar.
            Depois de algum tempo de viagem, ele perguntou pelo livro. Os caras se olharam e riram. Deram boas gargalhadas. João acabou rindo também. Riu, mas sem saber o porquê do riso. Quando voltou o silêncio ele falou novamente.
-Senhores, aquele livro eu achei na cantina da faculdade. Eu só estava procurando o dono.
-Aí Cabedelo! Olha só o cara! Diz pra ele que o dono é um tal de Karl Marx!
-Mas o Karl Marx é o autor. E já morreu há muito tempo.
-Guto vamos devolver o livro pro cara. Não vai ter utilidade nenhuma pra gente. Eu dei um folheada nele e vi que só tem a capa e a contra capa do livro do comunista. O que está por dentro é outra coisa. Ele é muito babaca, que nem percebeu isso. Só pode ser maluco mesmo.
-Senhor, eu não leio livro nenhum. Sabe de uma coisa: não preciso ler nada. Gosto muito de ciências e sei bastante. Mas também não leio nada a respeito. Já está tudo dentro da minha cabeça.
-Viu só gente! O cara é um gênio! Olha só! Estamos com um gênio do nosso lado! Isso não é bacana? Guto aproveita e dá uma cotovelada nesse cara aí, dá! Ele tá chamando a gente de burro! Dá uma porrada nele, dá! Cabedelo, rasga a capa dessa merda de livro! Mas deixa  o conteúdo! Sabe de uma coisa: pra lá aonde ele vai, vai ter todo tempo do mundo pra ler essa bosta. Vou falar com o pessoal de lá, pra dar uma colher de chá pra ele. Ele não disse que não lê nada? Então vai ser obrigado a ler essa droga!
          João preferiu não falar mais nada. Dessa vez a cotovelada pegou de jeito. Até a respiração estava dificultosa. Passou a mão no local, como se isso fosse aliviar a dor. Com dificuldade tentou respirar fundo. Conseguiu, mas foi doloroso. Nisso o capuz foi empurrado novamente na sua cabeça.
Eles rodaram bastante tempo com João. Circularam por mais de duas horas. A maior parte do tempo era por ruas esburacadas. João não tinha nenhuma noção do lugar que estava. Só tinha uma certeza: os lugares que estava passando eram desertos. Somente em um lugar ele percebeu que tinha movimento de carros. E foi o único trecho que devia ser de asfalto. Quando pararam, já estava anoitecendo. Mas ele ainda não sabia que era noite. João só foi descobrir, quando foi retirado do carro e ficar sem o capuz. Ficou um tempo encostado no carro, enquanto Guto conversava com um sargento. Eles falavam baixo. João tentava ouvir, mas não conseguia entender nada do assunto. Nem mesmo os seus colegas sabiam o que estava sendo conversado. Só deu para perceber que ali era um forte. Ouvia nitidamente as ondas se chocarem contra a parede da construção. E sentiu uma “poeira” de gotículas de água salgada bater no seu rosto. Estava fria, mas foi agradável. Não demorou muito e dois soldados vieram e o levaram para o interior. Nada falaram, simplesmente jogaram-no dentro de uma cela escura e suja. A escuridão era total e o lugar fedia a mofo. Se encostou numa das paredes de pedras irregulares e, naquele momento, mesmo estando encarcerado, se sentiu livre. E as pedras pareciam acolchoadas. Eram frias e úmidas, tomadas pelo limo, mas mesmo assim sentiu uma sensação gostosa. Respirou fundo e se interrogou do porque daquela situação. Era um cara que nunca se interessou por política. Mas não era nenhum alienado, mesmo muita gente pensando o contrário. Sabia o que estava acontecendo a sua volta.Não tinha certeza, mas desconfiava, porque muita gente desaparecia do nada. Uns até voltavam, mas se mantinham calados, enquanto outros evaporavam e ninguém nunca mais colocava os olhos em cima deles novamente. Entretanto,aquela coisa de política, não interessava nada, nada a ele. O que importava realmente eram as suas teorias e os seus inventos. –“Mas o que iria adiantar os seus inventos ali?” – pensava com um aperto no coração. Porém a esperança de que iria sair dali gritava mais alto. Iam perceber que tinha havido um engano. Um grande equívoco. E respirou fundo novamente.
          Tinha perdido a noção do tempo. Mas já era uma pequena eternidade. Sem perceber já estava sentado. Os seus olhos já começavam a se acostumar com aquele breu. Começou a identificar o ambiente. Achou um colchão embolado num canto. Se levantou e foi olhar a sua descoberta. Ele estava úmido e fedia muito. Ali estava faltando o sol. –“Como posso trazer o sol aqui pra dentro? – pensou com os seus botões. Depois achou melhor não só pensar, mas também falar. Falar em voz alta. Conversar com alguém. Mesmo que esse alguém fosse ele mesmo. Não ia ter ninguém ali para julgar a sua sanidade mental mesmo!
           Naquele primeiro dia... Ou noite? Não sabia, já tinha perdido completamente a noção do tempo que estivera com os policiais. Não tinha certeza também se tinha chegado ali à noite. Não lembrava se o sol tinha batido na sua pele, ou se a noite tinha jogado estrelas dentro dos seus olhos. Estava tudo confuso. Deitou mas não conseguiu pregar olhos. Pensou no silêncio que o envolvia. Mas sabia que não existia o silêncio absoluto. No fundo todo silêncio é barulhento. A “engrenagem” que move os planetas faz barulho. A Terra faz o seu barulho passeando no espaço. Todo o universo faz barulho. Perdeu um tempão pensando nisso. –“Ou será que não faz?” – falou alto. Só voltou a pisar no chão, quando alguém abriu uma pequena portinhola e passou alguma coisa, parecido com um pedaço de pão, e uma coisa esbranquiçada parecendo com leite. Tomou coragem e comeu o pão, constatou que o leite estava misturado com café. – Isso é coisa de hotel! – falou alto e depois esboçou um sorriso. Após se fartar de quase nada, resolveu conversar consigo mesmo.
-Então é manhã. Amanheceu mesmo. Vamos ver se vão me trazer o almoço. Quem sabe um bife acebolado. Depois vão me levar para pegar sol. Toda prisão faz isso. O que você acha? Estou perguntando pra você que está aí dentro de mim. Vamos dialogar? Precisamos manter uma conversação alegre e sadia, para isso aqui não ficar monótono. Ou pior ainda, uma situação desesperadora. Eu não posso perder o controle da situação. – Que lugar é esse?–até que enfim você falou. Que lugar é esse? Boa pergunta. E eu sei? – Você não é fera em física, matemática e etc? Dá um jeito pra gente sair daqui! - Eu já pensei nisso. Juro por Deus. Me diz uma coisa: nesse lugar para que servem as minhas teorias? Os meus inventos, pra que servem? Se pelo menos tivesse um ponto de luz. A única claridade que surgiu, foi quando eles deixaram o café. Deve ser de manhã. Acho. Temos que ficar atentos quando trouxerem o almoço. Se realmente trouxerem a bendita comida, vamos aproveitar para, mesmo com a pouca claridade que adentrar esse cubículo, fazermos uma observação rápida.
 João parou de falar. Tateou pelas paredes até localizar a porta, já que tinha tentado fazer um reconhecimento, mesmo no escuro. Colocou-se ao lado e ali ficou, pacientemente, até que abrissem novamente a portinhola. A espera estava dando nos nervos. Ele procurava não ficar tenso. Para isso começou a se lembrar das suas teorias, dos seus projetos. Lembrou-se do motor movido a água. Quando ele comentou com algumas pessoas, ninguém deu a mínima importância para o seu invento. Se recordou também de como deu trabalho o projeto de um gerador de energia elétrica, a partir da ação da gravidade. E a vestimenta para deficientes se locomoverem normalmente! Era só a pessoa vestir e pensar que podia andar e rapidamente a roupa se moldava ao corpo e respondia ao comando do cérebro. Mas era só teoria. Faltava dinheiro para tocar o projeto. Entretanto, garantia que funcionaria. Procurou patrocínio, mas ninguém acreditou na sua criação. Os projetos estavam repousando numa velha estante. Estavam juntos com alguns livros de poesia. Parecia que era a única coisa que lia. Entretanto chegou ler alguns romances. Mas isso era raridade, tendo em vista que o seu tempo era precioso demais. Ele achava que o tempo que iria perder lendo um romance, deixaria de criar alguma teoria ou inventar alguma coisa.
                                         Continua semana que vem...



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