quarta-feira, 18 de março de 2015

UM GÊNIO QUE ENCONTROU O PARAÍSO NO ESGOTO - Parte I

 UM GÊNIO QUE ENCONTROU O PARAÍSO NO ESGOTO

                                                      José Timotheo

A cantina estava vazia, João se espreguiçava num banco cercado de caixas de refrigerantes. Os seus olhos estavam fechados.Alguém chegou silenciosamente. Sorrateiramente se sentou ao seu lado e levemente tocou no seu braço. Num ser normal, isso iria causar um susto, mas João apenas abriu os olhos e olhou em volta. Do seu lado estava um professor de física. João fixou o seu olhar no olhar do seu professor e esboçou um sorriso. Ficou em silêncio e esperou que ele dissesse alguma coisa. O silêncio entre os dois ficou barulhento,até que o professor, meio sem jeito, tentou quebrar esse momento,em que as emoções causam às vezes estrago,engoliu a seco e falou:
                 -João... Você está ocupado?
                  Como era do seu feitio, João demorou um pouco para responder. Olhou de novo o professor e,secamente, mas de forma calma, falou:
-Não.
                 Respondeu, mas continuou sem dar muita atenção. O professor, meio sem jeito, coçou a cabeça, pigarreou e insistiu:
- Podemos conversar?
                Dessa vez João olhou-o, jogou um sorriso meio sem graça e falou:
-Claro mestre. Em que posso ser útil?
-Eu preciso que você conheça algumas pessoas. Pode vir comigo até a minha sala?
-Posso sim, professor. Agora?
-Se puder, tudo bem.
                 João se levantou e seguiu o professor. Entraram na sala e João sentou numa cadeira que o mestre apontou. Em seguida três pessoas adentraram no recinto. João olhou-os surpresos. Não deu para perceber de onde eles tinham saído. Parecia que a parede tinha se afastado para os três aparecerem. O professor vendo do jeito que ele ficou, com uma interrogação no colo, se adiantou e disse:
-Ali é o meu local de estudos. A gente tem que ter um esconderijo para poder pensar em paz. João, vou te apresentar a esses senhores. O da esquerda é o General... General Dimitri. O do meio é o General... General... Apenas General. E o General Mackey.
                João se levantou e cumprimentou os três. Olhou-os meio sem jeito e comentou:
- Professor, ele é russo? O outro americano? E o outro?
               O professor coçou a cabeça, antes de falar. Mas assim mesmo fez com que o silêncio se acomodasse entre eles. Esperou um pouco e finalmente disse:
               -João, realmente o ilustre general Dimitrié russo. O não menos ilustre, Gene -
 ral Mackey, é americano. E o nosso amigo general, é brasileiro.  Podemos chamá-lo apenas de general.
- Eu não estou entendendo... um general russo aqui.
- João, são apenas estudiosos. Eles estão aqui para conversar com você sobre a sua arma, digo, a sua invenção.
             -Mas professor, eu não quero fazer da minha invenção uma arma de destruição. Ou melhor, eu não quero que seja uma arma.
             -Claro João! Os meus amigos além de generais são físicos nucleares! E mais ainda, são pacifistas! Querem a energia nuclear apenas para fins pacíficos. Eles apenas estão curiosos. Não acreditam que você tenha desenvolvido uma teoria que... Eles querem apenas conversar.Vou segredar-lhe uma coisa: esses russos e americanos não acreditam que no Brasil tenha alguém com capacidade para desenvolver qualquer tipo... Alguém que possa, sem um laboratório bem equipado, mexer com energia atômica. Eles acham que nós não somos capazes. Você acredita nisso? Eu só quero que você converse com eles. Vamos conversar. Se você não entender russo e nem inglês, eu traduzo pra você.
- Não precisa. Eu falo bem o idioma russo e o inglês. Meu pai é judeu russo. Ele veio para o Brasil pequeno com seus pais, fugindo da guerra. Os meus avós não deixaram que o meu pai esquecesse a língua natal. Depois me ensinou o básico. Como eu tenho muita facilidade para o trato com outras línguas, foi fácil dominar bem o idioma.
            -Você fala outras línguas?
            -Falo algumas. Inglês, alemão, espanhol, russo, italiano, mandarim, e outras. Falo e escrevo.
- Então você pode escolher.
            O russo tirou do bolso do casaco uma garrafa de vodka. Ofereceu a João e ele recusou.
- Obrigado. Não bebo bebida alcoólica.
            Nisso entrou um rapaz com uma bandeja contendo cinco xícaras de café. Ofereceu aos generais, ao professor e a última a João. João bebeu e comentou.
- Essa é a minha bebida preferida.
            Bebeu tudo de uma só vez, devolveu a xícara para a bandeja e se sentou. Passou a mão no rosto e esfregou os olhos. O professor perguntou se estava tudo bem. Depois o convidou a entrar na sua sala de estudos. João levantou-se e se encaminhou para a tal sala.
 O ano de 1972 continuava fazendo corações de pais e mães sangrarem e até pararem de bater... Uma vida que desaparecia nos calabouços da ditadura, arrastava outras vidas para os calabouços da agonia. O filho ia para a faculdade e mais tarde chegava à notícia que ele havia desaparecido. Alguém o viu ser jogado dentro de um carro. Acho que isso era feito propositalmente. Sempre alguém via. Com isso a notícia caía rapidamente no colo da família. Aí um tiro que era disparado para um, derrubava uma família inteira. A via “crucis” estava armada. Tem pessoas procurando filho,marido,mulher, um amigo, uma amiga até hoje.Os órgãos que poderiam informar continuam mudos. Naquela época, quando alguém conseguia chegar até a polícia para tentar saber o paradeiro de um filho, era recebido com um “ninguém sabe, ninguém viu”. Muitos nem iam, com medo de ficarem por lá também.
         Conheci um cara genial. João Paulo era o seu nome. Cursava física. Diziam que era o maior cdf da faculdade. Era dos números que mais gostava. Se o assunto fosse outro, ele saía à francesa. Principalmente política, pois não entendia nada. E não fazia questão de saber. Dizia que não via utilidade no assunto. Era um sonhador. Falava que queria, depois de formado, trabalhar na NASA, nos Estados Unidos da América. Indiscutivelmente era a maior fera da faculdade. O terror dos professores. Mas tentava ser humilde. Tentava. Mas como, se ele sabia que sabia mais do que os mestres? Procurava não tripudiar. Queria ser igual aos colegas, entretanto não conseguia. Como ele iria fazer pergunta para esclarecer uma dúvida, se não tinha nenhuma? Procurava se esforçar para dar alguma chance ao professor, porém a coisa soava mais como gozação. Não queria se colocar na posição do mestre, mas só que ele era o próprio mestre. Era mestre sem ter feito mestrado e doutor sem ter feito doutorado. Ele virou uma lenda.                                  
                                                                    - Continua semana que vem...

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