terça-feira, 14 de abril de 2015

UM GÊNIO QUE ENCONTROU O PARAÍSO NO ESGOTO - Parte 5

Continuando...

Começou imediatamente a bater em pedra por pedra. O tamanho variava bastante. Tinha de 20 x 30 até 50 x 60, isso nas paredes internas. Já na parede que dava para o mar, os blocos de granito eram bem maiores. Mas tinha alguns menores misturados. João foi batendo levemente com a fivela do cinto. Batia com o ouvido quase colado no bloco de granito, para tentar captar qualquer som diferente, que pudesse sugestionar uma rota de fuga. Um som oco é sempre uma esperança para uma saída. E foi assim, pedra por pedra. A localização delas era determinada somente pelo tato. E a altura máxima era padronizada pela sua altura, que era de um metro e setenta centímetros. João perdia um tempão em cada pedra, batendo em toda volta dela. Como tinha todo o tempo do mundo, seguia aquele ritual sem pressa nenhuma. Como estava sem sono, calculou que devia ser dia. Mas estava enganado, pois do lado de fora a noite tinha escondido o sol. E era uma noite com lua cheia, não a sua noite que não tinha nem estrelas, nem lua. Ali a noite era eterna. E João começou a falar como se tivesse uma pessoa do seu lado.
- Eu acho que ainda é dia. O que é que você acha? Está em dúvida? Tudo bem. Bota o ouvido nessa pedra. O som não está diferente? Está com dúvida também? Eu acho que essa tem um som diferente. Coloca o ouvido de novo. Parece que você não está muito concentrado. Agora vou bater nessa do lado. Observa como o som é diferente. Percebeu? Não disse! Ah! Acho que a saída está aqui! Vou começar a descalçá-la. Vou raspar pelos lados bem devagar para não gastar muito a fivela. A gente dá para perceber que essa pedra tem um tamanho bem diferente das outras.  E é a única, até agora, que está úmida. Está na verdade, bem molhada. Vou raspar por baixo. Olha só! Começou a escorrer mais água! Já estou com a mão toda molhada! Acho que vou provar. Não fica preocupado não. Você acha que não devo? Morrer por morrer... é a mesma coisa. Daqui a pouco vou estar morto para todo mundo mesmo! Eu não sei há quanto tempo estamos aqui. E você, tem noção? Se a gente estiver há mais de sete dias sumido, já devem ter feito até missa de sétimo dia. Mas não podem... Eu nem quero pensar nisso. Eles não sabem se nós morremos ou botamos as pernas no mundo. Não vão nos achar nem em delegacia, nem em hospital e nem em lugar nenhum. Parece que estamos no fundo da terra. Nós somos culpados do quê? Eles me chamaram de comunista! Veja só! Logo eu que nunca me interessei por política! Que ironia do destino! Sacanagem! Nunca precisei usar livros, de repente sou preso por estar com um livro debaixo do braço! O pior disso tudo, é que nem sei o conteúdo dele! Só peguei o raio do livro para devolver ao dono, só isso! Eu não vou dizer que nunca usei livros, isso seria uma mentira. Como se tornou uma lenda eu não ter usado livro algum, preferi não desmentir. Eu fui apresentado a alguns gênios da humanidade pelos livros. Não te falei que conheci Newton, Lavoisier, Platão, Einstein e mais uma porção de benfeitores? Não te falei? Eu tinha que ler para me inteirar do conhecimento desses amigos. Depois, não precisei ler mais nada. Eu hoje tenho minhas teorias, meus estudos, minha filosofia, como eles tinham as suas fórmulas e filosofia. Tenho minhas fórmulas e teorias, mas falta ainda uma fórmula para acabar com a maldade. Você sabe o que minha mãe sempre falava pra mim: meu filho, cuidado com esses que se dizem brasileiros de corpo e alma!Os donos da revolução, não são!Eles perseguem as pessoas, só porque elas pensam diferente deles! Estamos aqui para pensar diferente, para sermos diferentes mesmo. Não querem ser contrariados. Nós temos que aceitar como eles pensam? Não. Mas temos que respeitar. Entretanto eles não respeitam como pensamos, logo alguns não aceitam o cabresto que querem impor e partem pra guerra.  Com o tempo a gente vê e analisa: eles estão agindo da mesma forma dos que estão no poder, batendo, torturando e matando. Na verdade só estão querendo tirar o rei e coroar o seu. Quem quer mudança, não mata, porque valoriza a vida. Gandhi fez uma revolução sem derramar sangue dos seus. Entretanto o seu sangue manchou o chão da Índia.  Ele não queria o poder, ele só queria poder mudar. Mas tinha gente do seu lado que só queria sentar no trono. Não interessava pra esses, o bem estar do povo da Índia. Queriam, matando-o, apagá-lo, entretanto o tiro saiu pela culatra: só conseguiram apagar o sangue do chão, mas não conseguiram apagar os seus ensinamentos, que repousam até hoje no coração da sua gente. Foi um preço alto por pensar diferente e querer o bem. Tem muita gente ruim por aí afora. Mas você não acredita, não é? Acho que Gandhi também não acreditava. Eu sempre soube que você sempre quis o melhor pra todo mundo. O seu mundo sempre foi bom, mas esse aqui de fora é duro e, às vezes, cruel. Quem sabe um dia isso mude! Espero que não seja depois de muita dor!”
            João ficou parado pensando nessas coisas que a sua mãe falava. Depois bateu com as duas mãos na cabeça e resolveu provar o líquido que molhava a pedra. Provou,sorriu e falou alto.
- É água salgada, meu Deus! É água salgada! Será que estamos do lado do mar? Mas podemos estar debaixo dele. Aí eu tenho que parar por aqui. Pois se continuar... Mas não posso recuar. Tenho que me preparar para o pior e ir em frente. Eu não posso morrer sem tentar.
  Foi raspando a fivela do cinto entre os blocos de pedra. Não demorou muito e começou a escorrer pela parede, uma água misturada com terra. E continuou a raspar em toda a volta da pedra. Depois de algum tempo, ao passar o dedo em torno dela, sentiu que o seu dedo entrava entre as pedras. Pegou a parte mais grossa da fivela e fez uma alavanca. O seu coração disparou ao sentir que a pedra tinha se mexido. Forçou mais um pouco e ela quase saiu. Hesitou por um instante em tirá-la. Nessa altura o seu coração já batia dentro da boca. Respirou fundo e puxou-a cuidadosamente. A pedra caprichosamente escorregou para as suas mãos. Nesse momento um grito escapuliu da sua garganta.
- Porra! Porra! Não acredito! Você viu só! Puta que os pariu! Porra, você tem que entender essa minha ira! Você sabe que eu nunca fui de xingar!Mas dessa vez, não deu pra controlar! Depois de depositar toda a minha esperança nisso, olha só essa casca de granito na minha mão! Puta que os pariu, de novo.
            Depois do acesso de raiva, ficou algum tempo em silêncio olhando para a pedra, que quase não dava para ver a cor. Era apenas uma mancha escura pousada na sua mão. Deu um murro na parede e em seguida sussurrou entre dentes:
- Calma João. Calma. Você sabe que não pode desistir. Vamos recomeçar.”
Se abaixou e colocou a pedra no chão. Depois se levantou calmamente e tateando colocou a mão dentro da pequena cavidade da parede. Resmungou alguma coisa e em seguida perguntou surpreso para ele mesmo:
- Cara, o quê que é isso? Parece um pedaço de papel! Vamos devagar porque ele está um pouco úmido. Cara será que tem alguma coisa escrita? Isso pode ser uma brincadeira. Só pode ser! Mas de repente, quem sabe, pode ser um mapa de algum tesouro. Eu já assisti um filme... Pé no chão, João! Isso aqui não é filme!
 Pegou o papel, dobrou e colocou no bolso. Resolveu caminhar naquele seu pequeno mundo. Sentiu vontade de urinar e foi lá para o cantinho reservado. Depois de terminar pensou alto:
- De repente eu posso alargar esse buraco e tentar sair por aqui.
Se abaixou e bateu com o cinto em volta. O mau cheiro causou-lhe náusea. Desistiu da empreitada e voltou para o lugar onde tinha começado a cavar. E pensou alto novamente:
- Nossa mãe! Senti vontade de vomitar! Que fedor horrível! Mesmo se eu quisesse por ali ia ser impossível. Eles fizeram o buraco no granito. Vou continuar por aqui mesmo. O que é que você acha? O que adianta eu te perguntar, se no final eu mesmo é que tenho que decidir! Vou continuar a cavar aqui mesmo e pronto! Está decidido!
            Lá foi ele com o seu cinto, com a fivela já bem gasta, raspar o fundo do buraco. Mas antes enfiou a mão no bolso e tirou o papel. Ficou com ele na palma da mão direita e cheirou-o. Fez uma careta ao sentir o cheiro de mofo. Pegou-o e o colocou em
cima do pedaço de pedra que estava no chão. Depois recomeçou o seu trabalho com afinco. A esperança começava a aparecer. O material entre as pedras não apresentava praticamente nenhuma resistência. Saía uma terra bem molhada. Era quase uma lama. E um fio de água escorria pela parede. Era somente naquele ponto que isso ocorria. Ele continuou eufórico. Não demorou muito e a pedra ficou solta. Começou a empurrar a pedra, mas ela não se movia. Foi ficando nervoso e com isso, o seu raciocínio encurtou. Começou a esmurrá-la. Em pouco tempo os dedos já estavam sangrando. Só parou de socar a parede quando a dor ficou insuportável. Sentou-se no chão e sentiu vontade de chorar. Estava desolado. O tempo que ficou ali sentado, até voltar ao estado normal, pareceu uma eternidade. Quando se sentiu equilibrado, é que voltou a pensar com lucidez.
- O que é que deu em mim, pensar que a pedra tinha que sair facilmente? Acho que estou perdendo a condição de pensador racional.Tenho que focar com tranquilidade o meu objetivo maior, que é sair desse pesadelo. Vamos ver... Com certeza essas pedras são encaixadas... É isso aí! Essas pedras só saem por dentro. Vou raspar as junções de outras pedras. Depois volto para retirar essa que já está quase no ponto de sair.
            Pegou uma do lado esquerdo e começou a raspar. Para sua surpresa a fivela foi gastando rapidamente e material nenhum saía. Parou desapontado e triste, e falou para si mesmo:
- Você emburreceu? Desde quando uma simples fivela ia tirar uma pedra dessas? Espera aí cara! Você não observou que a outra está sendo fácil de tirar? Vamos focar o nosso objetivo nesta. Pensa bem, você viu a burrice que eu estava cometendo? O pior é que você nem me alertou! Sorte que a pedra não caiu do lado de fora! Eles iam me pegar facilmente! Não quero nem pensar o que fariam comigo. Já pensou nisso? Vamos puxar com cuidado essa pedra. Muita calma João! Muita calma!
            Ele procurou tirar do fundo de sua alma, aquela tranqüilidade que sempre o acompanhou. Pacientemente, com a parte mais fina da fivela, foi retirando o material que estava atrapalhando a retirada da pedra. O pequeno bloco de granito teimava em não sair. A massa não era tão forte assim e ele sabia disso. Era uma questão de tempo. E tempo era o que ele tinha de sobra. E enquanto raspava, engolia a ansiedade. Estava conseguindo manter-se no prumo. Isso é que era, naquela situação, o mais importante. Ele raspava, pensava e começou a falar com o seu imaginário:
- Eu estou pensando numa coisa. Com certeza alguma pessoa que esteve aqui, conseguiu tirar esse bloco. Isso é fato. Agora, uma coisa que não entendo, é como ela conseguiu colocar essa pedra de volta. Além de escrever um bilhete. Sei lá se é bilhete, ou mapa. Como ela conseguiu papel e caneta ou lápis? E a massa para recolocar a pedra? O material é diferente. Isso dá para perceber claramente. Por que pensar nisso agora? Vou continuar meu trabalho. Ela já está praticamente solta. É só uma questão de tempo e paciência. Vou raspar mais desse lado... Está ficando bom. Não sei por que estou pensando agora nos professores. Eu nunca me dei conta que eles podiam se sentir humilhados. Parece que a minha presença já era motivo para que ficassem constrangidos. Lembra quando um professor de física ficou envergonhado, quando eu corrigi uma fórmula que estava errada? Depois desse dia ele sempre me perguntava se estava certo. Coitado. Ele entrava na sala tremendo. Se lembra disso? Lembra do Érico? Era o meu único amigo. Puxa vida, já estou falando no passado. O cara continua meu amigo. Que merda! Xinguei de novo!Vou acabar saindo daqui falando todos os palavrões do mundo. Érico me disse que eu devo ser a reencarnação de algum gênio da humanidade. Aonde já se viu! Gênio de quê? O cara é espírita... Não consigo entender esse negócio não! Só acredito na ciência. Minha mãe sempre ficou nos meus ouvidos falando na existência de Deus. Não tenho religião, mas não descarto a existência dele. Mas que tudo isso é esquisito, é! Não existe uma lógica... Sei lá! Ele me disse também, que eu tenho um anjo da guarda. Nunca vi, nem senti a presença de alguma coisa do meu lado. Entretanto... e a intuição?
           Parou de raspar e ficou pensativo. Parecia que estava ruminando alguma coisa. Colocava a mão na cabeça, coçava o coro cabeludo, depois colocava as mãos na cintura. Perdeu a conta das vezes que fez isso. Continuava pensativo. Se virou e colocou às costas na parede. Se sentiu desconfortável e colocou a sola do pé direito, também na parede. Ficou imóvel bastante tempo. Só voltou a se mexer, quando alguma coisa chamou a sua atenção. Um pequeno ponto de luz se movimentou no lado oposto. Esfregou os olhos mais de uma vez, achando que aquilo poderia ser fruto da sua imaginação. Desviou o olhar, mas a curiosidade era maior, voltou a observar a movimentação da luz. A princípio não ficou com medo, achando que aquilo tudo fosse realmente criação da sua mente. Mas quando o ponto começou a aumentar, foi ficando tenso. Resolveu falar com os seus botões:
          - Você está vendo o que eu estou vendo? Diz que é invenção minha! Será que estou vendo coisas que não existem? Olha só! Olha só! O ponto está aumentando! E agora? Vou fechar os olhos! Diz que isso é fruto da minha imaginação, diz! Pra que eu fui me lembrar de Érico? Viu só! Já apareceu uma assombração! Mas assombração não existe, droga!

                                                      Continua semana que vem...

Nenhum comentário:

Postar um comentário