- Quim. Quim. Você está dormindo?
- Agora não. Você me acordou mais uma vez, né? Estava até sonhando! O que é que você quer?
- Eu não estou conseguindo dormir.
- Puxa, Toni! Já é a segunda vez que você me acorda!
- Tá. Eu sei. É que a aquela menina não sai da minha cabeça.
- Que menina?
- Aquela... Filha do Betão. A fantasminha.
- Para com isso, Toni. Eu já varri isso da minha cabeça. Aquilo não existiu. Foi um sonho. Um sonho que nós sonhamos ao mesmo tempo. Esquece. Aquilo não existiu.
- Como não existiu? Foi há dois meses!
- Vai dormir Toni. Você com a sua mão de vaca, me fez dormir aqui dentro da cabine. Estamos debaixo desse hotelzinho, - apontando para o letreiro - que é fuleiro eu sei, mas é muito melhor do que dormir aqui dentro. Ainda mais com você me acordando toda hora, por causa daquela menina. Vai dormir, mano. Vai. Daqui a pouquinho temos que pegar estrada.
- Mas o que é que eu vou fazer?
- Reza pra ela! Reza!
Amanheceu mais cedo. Verão é assim mesmo. Cinco e meia, já está claro. Logo que os primeiros raios de sol riscaram o chão, os dois irmãos já estavam preparados para pegar estrada. Queriam sair antes do sol nascer, com o céu ainda salpicado de estrelas, mas não conseguiram. Só queriam encontrar o sol pelo caminho, mas mesmo assim, valeu a pena, conseguiram ver quando o sol começava a iluminar uma vasta planície, velha conhecida, e que achavam de uma beleza exuberante, que começava ali mesmo na beira da estrada, mas que parecia sem fim, até se esbarrar em algum lugar com uma montanha, que eles imaginavam existir.
Olhavam maravilhados aquele imenso pasto apinhado de gado branco, que não dava nem para se fazer uma estimativa da quantidade que pastava naquelas terras. Era uma propriedade a perder de vista. Nunca conseguiram ver um peão sequer, tomando conta daquela manada. Algumas vezes até pararam no acostamento tentando encontrar alguém vigiando aquele gado, mas nunca viram sinal de qualquer humano pelas redondezas. Mas o que realmente importava, era ver aquele imenso tapete branco, cobrindo o verde do pasto e brilhando sob o sol.
Desde que foram para a estrada, resolveram só parar quando o cansaço estivesse chegando no limite. Nem sequer deram aquela paradinha rápida para esvaziar a bexiga, antes de completar sete horas de viagem, comendo poeira. Era claro ver o cansaço estampado na cara dos dois. Queriam ganhar tempo, mas a que preço? Sete horas direta, mas causando um imenso desgaste físico e emocional.
Mas não tiveram outra escolha a não ser parar. O cansaço estava acumulado por dois dias. Então, por força das circunstâncias, pararam para ir ao banheiro, almoçar e mais nada.
O esgotamento deles era visível. Depois do almoço, murcharam. Quim até sugeriu que dormissem um pouco, mas o irmão foi contra, mesmo sendo o que tinha dormido menos. Foi uma noite que ele mal pregou olhos. Segundo ele, a menina não saía da sua cabeça.
Quim acabou convencendo o irmão a parar, mesmo que fosse por meia hora. E assim foi feito. Toni preocupado colocou o seu relógio para despertar. E realmente na hora certa, já estavam de pé, mesmo com os protestos de Quim. Toni fingiu que não escutou as reclamações do irmão, ligou a carreta e foi saindo em direção à estrada. Já estavam novamente no asfalto e com a certeza, segundo Toni, que só iam parar novamente, quando a tarde começasse a se despedir do dia e encontrasse a noite.
Esse plano não funcionou, já que beberam muito refrigerante e tiveram que parar na beira da estrada, mais de uma vez. Mas nada de hotel ainda. Aproveitaram as paradas para esticar os músculos. Toni, então, lembrou ao irmão que para o dia seguinte, iam ter muito chão pela frente. Um dia bem puxado. Talvez mais do que esse, que findava. Quim fez um muxoxo, mas preferiu não contestar o irmão.
O silêncio rondou a carreta por algum tempo. Os dois pareciam que estavam sem forças até para falar. Além da parada do almoço, só pararam duas vezes para descarregar a bexiga. Coisa rápida. Na beira da estrada mesmo. De repente um olhou para o outro, parecendo que queriam dizer alguma coisa. A sintonia deles é muito grande. Aí Quim, se adiantou, sorriu e falou entre dentes, com a mão na frente da boca.
....Continua Semana que vem!

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