terça-feira, 25 de março de 2025

Uma Luz e Nada Mais - Parte 48

 


Continuando...

              Ele não sabia a hora que saíra da estação. O tempo até o destino, não tinha a menor ideia quanto levava. Só sabia que levantava às 6 horas e o tempo que ficava aguardando na estação, até a saída do metro, não tinha mais contato com o relógio. Chegavam sempre às 12 horas, no metro de São Paulo. Acordavam com um apito. Todos se levantavam e saíam do vagão. Quanto tempo viajando? Se perguntava todas às vezes que pisava na plataforma paulista. E aquela linha do metro? Era outra incógnita, que antes não o preocupava muito, mas que agora, com as suspeitas de Natasha, apareceu no momento que pisou do lado de fora.

                Ali, José Antônio, não via mais ninguém além das pessoas que embarcaram com ele. Realmente era muito estranho e suspeito aquele lugar. Já sabia de cor que a porta de saída era a mesma. E quando voltava, era por essa que entrava. Era uma linha secreta? Não sabia dizer. Ele saía distante da entrada normal do metrô. Era uma viela deserta. Nunca tinha visto ninguém passando por ali. Mas tinha sempre duas pessoas na entrada dela, e um micro ônibus a espera. Dali ia para a sua casa. Depois, nunca observou, nesses quinze dias que voltava para casa, se era vigiado por alguém quando saía à rua. Agora, não tinha jeito, ia ficar com o “desconfiometro” ligado. 

             Na manhã do dia seguinte, José Antônio, acordou cedo e já estava tentando montar uma estratégia para descobrir o paradeiro da enfermeira, mas a dos médicos, seria uma missão impossível, tendo em vista que não conseguira saber nada sobre a real identidade de ambos. Ia focar apenas no paradeiro da enfermeira. Se conseguisse alguma pista, já seria uma grande  vitória. Deu um muxoxo ao lembrar que só tinha o nome e um sobrenome de muitos brasileiros, Silva, e a sua fisionomia, que estava gravada na sua memória e era só por aí que ia identifica-la. Seria uma questão de paciência e de muita sorte. Sabia que isso era coisa para  detetive profissional. Mas não podia envolver ninguém nessa busca, só podia contar com ele mesmo, um amador. Era ele e o computador, único lugar para começar. Realmente talvez o único. Não tinha mais lugar nenhum para bisbilhotar. Depois se lembrou que Deus podia dar uma mãozinha nessa missão. Viu a sua mãe sentada na sua infância, mãe adotiva, ensinando lhe o Pai Nosso. E foi isso que fez: rezou.

             Tinha conseguido o nome completo da enfermeira, com o amigo do RH, mesmo a sua ficha não existindo mais, pois fora retirada do arquivo. Ele lembrava que realmente era Carla, o seu nome verdadeiro, e o seu sobrenome também, Silva. Já as fichas dos médicos, disse que nunca existiu. Eram nomes “artísticos”, disse isso rindo. Então o seu foco não podia ser outro, a não ser Carla.

              José Antônio terminou de tomar o seu café às pressas. O pão ainda nem tinha descongelado e muito menos o queijo, mas tudo por Natasha. E então a ansiedade falou mais alto. Não podia perder um segundo sequer, ia começar uma luta contra o tempo. Pensou no tempo e viu o rostinho de Natasha. Viu o seu medo e a sua dúvida de um futuro ao seu lado. Não se lembrava se tinha dito para ela que o futuro não era mais importante do que o momento que estavam vivendo naquela hora. Ela estava com medo de acabarem com a sua vida no final desses dois anos que restavam, quando encerrava o seu contrato. Dois anos era o futuro. E ninguém pode saber o que vai acontecer lá na frente. Morremos, às vezes, devido ao medo de morrer. “Não devemos antecipar o que está escrito. Até chegar o dia da morte, brindemos a vida”. Lembrou que a sua mãe sempre falava isso para ele. E ela brindou à vida até o dia da sua partida.

                Enquanto pegava o seu notebook, sem perceber, os seus olhos se encheram de lágrimas. A emoção ao se lembrar da mãe, sempre brotava água nos olhos. Enxugou-o com às costas da mão e foi para a sua mesinha na varanda, para começar a sua missão. Mas antes deu uma olhada ao redor e, vendo a casa vazia, sentiu um vazio como nunca tinha sentido. Era só. O pai e mãe nunca conhecera, só tivera a mãe adotiva, que partira há dois anos. Até os dois anos, fora criando em um orfanato. Imediatamente os seus olhos encheram de lágrimas novamente, mas agora tinha que escrever uma nova história para a sua vida. Agora tinha Natasha. E era ela a responsável pelo novo capítulo da sua existência. Ia fazer tudo para as páginas não ficarem em branco. Era a sua família agora.

             Ligou o computador e começou o seu trabalho. E esse seria o trabalho mais importante da sua vida. - Como começar? Se tivesse o CPF dela, seria fácil. – Pensou - Mas já que não tinha os seus dados, ia vasculhar às redes sociais. Quem sabe não encontraria alguma pista que o levasse até Carla. Mesmo com o nome completo, sabia que apareceria algumas pessoas com o mesmo nome. E logicamente vários CPFs. Ia arriscar assim mesmo. De repente conseguiria alguns endereços. Mas sem o retrato de Carla que o interessava, o seu tempo ia ser muito curto, para encontra-la e desperdiçado. Mas não deixava de ser uma esperança. Se não fosse dessa vez, seria na próxima folga. Será? Não podia decepcionar Natasha. 

......Continua Semana que vem!

quinta-feira, 20 de março de 2025

Pensamento de Poeta - Como Esperançar?

 

 

Como Esperançar?

 - José Timotheo -

Estou na ponte

Atravesso o medo ou não?

Estou de mãos dadas com a incerteza

A cada manhã o destino me espera

Olho a travessia e duvido novamente

Da segurança das amarras

Me amarro à dúvida

Cada passo é incerto

Cada incerteza é um retrocesso

Estou no meio da boiada

Só espero um próximo estouro

Se houver

Posso perecer sob patas

Lá estou eu apostando de novo na dúvida

Não devo arriscar a travessia?

A liberdade acena da outra margem

Vejo claramente

A euforia me chama

Mas eu sei que a ponte não é confiável

Nós somos iguais

Estou tão preso quanto ela

Estamos amarrados

Para um futuro incerto

                                                                 Fim

terça-feira, 18 de março de 2025

Uma Luz e Nada Mais - Parte 47

 


 Continuando...

                Dyllon, depois do abraço que dera em Natasha, foi para um canto do quarto e ficou em silêncio. Parecia que estava tentando escutar alguma coisa ou alguém. Natasha percebeu e respeitou o silêncio do amigo. Ele ficou circunspecto durante uns dez minutos. Depois olhou para a amiga e, em seguida, caminhou na sua direção.

                  - Natasha, eles estão me chamando de novo. – disse Dyllon.

                  - Quem são eles, Dyllon? Que mistério é esse? – perguntou Natasha com muita curiosidade.

                  - Não sei. Como me chamam, é que é o mais estranho. Eu não ouço nenhuma voz que venha de fora. A voz está dentro de mim. Não sei se é telepatia. Nem sei se estão por perto.

                  - O que eles dizem, Dyllon?

                  Ele ficou pensativo. Queria entender o chamado para poder transmitir para a enfermeira. Sabia que era para ir embora, mas para onde? Não conseguia entender se havia palavras. Só percebia que era um chamamento, entretanto não conseguia ver letras. O sinal que recebia, ele só sentia. Não conseguia decifrar se era código. Mas como entendia? Não sabia dizer.

                 - Natasha, não sei o que é. Só sei que me chamam. – disse Dyllon, parecendo decepcionado por não poder esclarecer o que recebia.

                 - Muito estranho, Dyllon. Só queria entender um pouquinho esse processo de mensagem que passa na sua cabeça. Caramba! Isso é coisa de doido! Você entende, mas não sabe como entende. Vou pirar, meu amigo!

                 Natasha não conseguiu se segurar e desatou a rir. E o amigo a  observava calado, não achando graça nenhuma em uma questão que só causava confusão na sua cabeça. Foi muita coisa, em poucos dias, que entrou na sua vida. Ele não conseguia imaginar aonde ia parar essa enxurrada de informações que alagava seus pensamentos. E nem imaginava como essas transformações se operavam. Realmente era uma coisa de doido.

                 A enfermeira ficou sem graça, ao perceber que o amigo ficara calado e com um ar tristonho. Imediatamente engoliu o riso. Para demonstrar que estava arrependida, num gesto carinhoso, passou a mão na cabeça dele,  encostou a boca na sua orelha  e sussurrando pediu desculpas. Para finalizar, beijou o seu rosto, enquanto alisava os seus cabelos. O estranho Dyllon, depois dessa demonstração de afeto, deixou que o sorriso iluminasse o seu rosto. Em seguida, abraçou-a e sapecou um beijo na bochecha da amiga. Com isso demonstrou que aceitara as suas desculpas.

                José Antônio entrou no único vagão de um trem que pegava de quinze em quinze dias, numa linha de um metrô completamente desconhecida, numa estação sombria, em um buraco que parecia mais com uma caverna. Toda  vez que ali chegava, se perguntava o que estava fazendo naquele lugar completamente misterioso. Não tinha certeza, mas achava que estava em algum lugar mais profundo que as linhas de metrôs normais. Normalmente eram apenas seis pessoas que se encontravam naquele período, e faziam a mesma coisa: ficavam enfileirados e se serviam – era obrigatório – de um café muito ralo e comiam uma bolacha, muito sem graça, e entravam no único vagão, velho seu conhecido.

             Não foi a primeira vez que percebeu que, logo ao entrar, se sentia sonolento. Achava que era da atmosfera reinante naquele lugar sombrio, onde as pessoas não podiam se falar. Não conversavam, por que não se conheciam? Não era isso. Logo que chegava na plataforma, você não podia se dirigir a ninguém. Entrava na fila, mudo, para pegar o cafezinho ruim e a bolacha péssima, e tinha que ficar de cabeça baixa. Esse silêncio obrigatório, estava corroendo a sua alma. Era um lugar escuro. A segurança se vestia de negro. Quem eram essas pessoas? Toda vez se perguntava. Agora, depois que conversara com Natasha, sentiu medo. Antes se sentia incomodado.

             Depois de sentar-se, não demorou muito, e já estava dormindo. Não só ele, mas todos ressonavam, quase ao mesmo tempo. Uma sinfonia enlouquecedora, para quem estivesse acordado.

 ....Continua Semana que vem!

terça-feira, 11 de março de 2025

Uma Luz e Nada Mais - Parte 46

 


Continuando...

               Lentamente a porta da enfermaria ou quarto de Dyllon foi abrindo. Mal terminou de abrir, Natasha ouviu um bom dia, que ecoou pelo corredor. Lá estava o estranho Dyllon sentado em cima da cama, com um sorriso escancarado.

               - Qual o motivo da alegria? – perguntou Natasha, também sorridente.

               - É sobre a sua alegria!

               Natasha escondeu imediatamente o seu sorriso. Em seguida uma cara aborrecida tomou conta do seu lindo rosto, agora não tão bonito assim. Uma carranca substituía o seu rosto original.  Dyllon se assustou e, com um sorriso murcho, deixou claro que estava completamente sem jeito. Antes de falar alguma coisa, esperou que ela soltasse os bichos em cima dele. Mas para a sua surpresa ela emudeceu e sentou-se na pequena poltrona, entristecida ou decepcionada, cabeça arriada, com as duas mãos em baixo do queixo.

               Dyllon pulou da cama e foi até ela, que continuava com a cabeça baixa. Ele percebeu o motivo daquilo tudo. Andou um pouco pelo quarto esperando que ela se equilibrasse. E com a sua força de pensamento foi fazendo esse trabalho. Quando ele sentiu que ela já estava normal, sem raiva e nem ressentimento, era a hora de esclarecer algum mal entendido.

               - Natasha. – ela levantou a cabeça – Minha querida, você não entendeu quando falei da sua alegria. Falei, porque sabia que você estava feliz. Mas pode ficar certa, que não invadi o seu quarto, com o meu pensamento. Mas uma coisa me intriga: você é a única pessoa que, às vezes, bloqueia os meus pensamentos. – disse isso, ficou um pouco de lado, colocou a mão na boca e sorriu -  Isso acontece, quase sempre. – prendendo o riso - Mesmo assim, eu não tentei, nem em pensamento – riu- invadir o seu quarto. Você acredita em mim? Somos amigos, Natasha.  Você é a minha única amiga.

                A enfermeira conseguiu sorrir. Mas no fundo não acreditou muito no que ele falara. Foi um sorriso morno, mas fez com que Dyllon ficasse aliviado. Mas os seus olhos ficaram marejados de lágrimas. A emoção era bastante. Estava tão feliz, que tinha vontade de contar tudo para Dyllon, sem constrangimento algum. Ia contar,mas... nem tudo. Pensou melhor.

                - Dyllon, realmente estou muito feliz. Nunca cogitei que pudesse me sentir assim, mas foi além das minhas expectativas. Sabe o que eles fizeram? Zé Antônio e William.

                - Sei. William desligou as câmeras. – Dyllon interrompeu, não deixando que ela concluísse.

               - Puxa! Então...

               - Só isso que ouvi. Do resto me desliguei. Pode ficar tranquila que não invadi a sua privacidade.

              - Tudo bem. Me acertei com ele, Dyllon. Sem querer me descobri apaixonada. Acho que ele também.

              - E tá mesmo, Natasha. Ele gosta muito de você. Disse alguma coisa a respeito de tentar descobrir os paradeiros dos médicos e da enfermeira?

              - Primeiro ele vai descobrir os nomes completos. Tem uma contato bom no departamento de pessoal. Só tem um problema. No meu caso, o meu nome é esse mesmo. E acredito que Carla, deva ser também o nome real. Agora com os médicos, já é outra história. Eles não são estrangeiros, como se apresentam e os nomes não são verdadeiros.

               - Eu já sabia. Só que não consegui descobrir os nomes verdadeiros. Nunca peguei eles pensando nisso e nem falando a respeito. Parece que um desconhece a origem do outro. É uma mentira bem construída. Acho que eles acreditam tanto nessa farsa, ao ponto de “abolir” o nome de batismo.

               Continuaram falando sobre coisas triviais. Natasha falou sobra a sua rebeldia na hora do café. Depois de três anos levando, sem esquecer um dia sequer, a bandeja até o lugar certo de descarte, ela resolveu largar tudo em cima da mesa. Depois olhou na direção de onde deixara a bandeja e teve vontade de fazer careta, pois tinha quase certeza que era, de alguma forma, vigiada, não sabia por quem, era na hora do café, do almaço, do lanche da tarde e do jantar. Dyllon orientou-a a permanecer fazendo tudo que fazia antes. Não podia deixar que suspeitassem dela. Ela então acabou aceitando o conselho do amigo.   

               Naquele mesmo dia, José Antônio ia sair de folga. Natasha estava nervosa. Não ia poder ver o namorado, pois era assim que já se considerava. Saiu do quarto de Dyllon para tentar vê-lo, mas foi em vão. No momento que ele passou pela outra porta, só ia voltar daqui a quinze dias. Esfregou as mãos e de repente se viu deixando cair uma lágrima. Passou a mão nos olhos e voltou para o quarto do amigo. Ele já a esperava, com um sorriso de acolhimento. Pegou-a pelas mãos e puxou-a até próximo de si e abraçou-a. Não precisou dizer nada, mas Natasha sentiu que estava sendo abraçada não só no corpo, mas também na alma.  

.......Continua Semana que vem!