terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

Uma Luz e Nada Mais - Parte 44

 


Continua...

            Depois de algum tempo em silêncio, apreciando a luz, se deu conta que o cabo estava do seu lado. Olhou para o seu superior e viu que ele parecia petrificado e com os olhos arregalados. Na sua cara, além do medo, estava estampado uma ansiedade sem tamanho. Era uma mistura estranha que temperava o seu semblante. Achou esquisita essa mudança no colega. Aparentemente tinha demonstrado equilíbrio, mas agora parecia outra pessoa. Olhava preocupado para ele e antes de falar qualquer coisa,  engoliu uma quantidade grande de saliva. Na verdade, não sabia como começar, isso era certo. Desviou o seu olhar do cabo, enquanto pensava no que falar. Fez um silêncio um pouco longo, mas resolveu dizer o que tinha visto, dentro da área cercada, mesmo tendo dúvida se aquilo era real ou não, e se ele ia escutar e entender.  

               - Cabo,  é muito complicado o que vi. Agora tenho dúvida se era real o que os meus olhos viram.

               O cabo não respondeu. Parecia hipnotizado com aquela luz. O soldado precisou balança-lo e falar tudo novamente. Aí sim ele voltou à realidade e falou com o soldado Oliveira.

               - Sim! Sim! Mas conta assim mesmo! Tenho que saber! – fez uma pausa - Alguma coisa séria aconteceu, com certeza. O sargento não ia cair à toa lá de cima da guarita. Desembucha, soldado! Já estou ficando nervoso!

               - Calma, cabo. Temos que manter a calma, se quisermos sobreviver. Eu vi as pessoas, que diziam que morreram aqui, todas vivas. Até crianças correndo de um lado para o outro.

               - O que é isso, soldado? Isso é maluquice! Nessa pequena vila, não houve sobreviventes! Nós não sabemos realmente o que aconteceu aqui, mas todos morreram! Essa área toda está com radiação! Como pode ter sobrado alguém com vida? Conta outra, soldado!

               O soldado Oliveira ficou sem resposta, ou preferiu não contestar o cabo. Ficou em silêncio ruminando o que ele despejara em cima dele. Não estava se sentindo bem com a dúvida lançada nas suas costas. Nunca fora uma pessoa mentirosa. E nem chegado a invencionices. Ficou calado e se afastou um pouco do colega. Parou a alguns metros do fogo que saía do chão e ficou apreciando, sem demonstrar qualquer medo. De repente percebeu que não sentiu qualquer mudança na temperatura. Ali continuava com a mesma temperatura de onde estava. A curiosidade foi mais forte, então se arriscou, andou mais alguns metros em direção ao fogo, e parou quase onde saía do chão as chamas. Qual não foi a sua surpresa: aquele fogo não estava quente. Tentou chamar pelo cabo, mas esse não deu a mínima importância, apenas olhava para a guarita de onde tinha caído o sargento.

               Passado algum tempo mergulhado no silêncio, apreciando as chamas do fogo dançando ao sair do chão, o soldado se virou para tentar chamar o cabo para sentir um fogo frio, qual não foi a sua surpresa: o cabo costa subia rapidamente a escada que ia dar na guarita. O soldado gritou, mas não adiantou nada o seu chamado.

               O cabo Costa já estava dentro da guarita. Olhava para a área isolada e as suas feições iam se transformando. Arregalou o par de olhos negros e gritou, sem olhar para baixo, para o soldado.

              - Soldado! Isso é mágica de satanás! Nenhum morto volta à vida, como se nunca tivesse morrido! Vou entrar para participar dessa ilusão! Você foi enganado pelo demônio! Mas eu não tenho medo dele! Eu sou igual a ele! Vou voar e invadir a casa dele! Lá vou eu!

               Com um pouco mais de dezenove anos, o soldado jamais poderia ter imaginado que um dia passaria por uma situação daquela. Tentou chamar a atenção do amigo, mas foi em vão, ele já tinha se esborrachado no chão, a poucos metros dos seus pés. Não sabia o que fazer. Por que o sargento e o cabo enlouqueceram e ele não? Estava um do lado do outro sem vida. E agora? Se perguntava. Não sabia o que fazer. Estava sozinho no meio de uma selva, sem chances de sobrevivência. Mas de repente se lembrou dos dois soldados que estavam acamados.

                  Olhou para a floresta, que estava a menos de cinquenta metros dos seus olhos e pensou que ali dentro da fortificação, que agora estava um pouco desprotegida, ainda era o lugar mais seguro para ficar. Pensou nos amigos, que correram enlouquecidos e entraram naquele mundo desconhecido, com feras famintas a espera de qualquer presa que se movesse. Sem perceber, uma grossa lágrima escorregou pelo seu rosto. A tristeza invadiu-o de supetão. Chorou tudo que tinha direito e sem preocupação, porque agora não tinha ninguém ali para julgá-lo como um fraco, pois os outros dois , também vivos, estavam acamados.  E ele, na  realidade, era o único realmente forte de todo o destacamento. Apenas um garoto de 19 anos. Depois de se sentir aliviado, deu uma sacudidela na cabeça e decidiu não olhar mais para aquela imensidão verde. Os seus amigos tinham ido e, quase com certeza, não voltariam mais.

 ....Continua na Semana que vem!

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Uma Luz e Nada Mais - Parte 43

 


 Continuando...

            O sargento estava chocado e confuso com aquela visão. Há vinte anos, meses depois que acontecera o teste atômico, participara do grupo que isolara aquela área para qualquer contato com seres humanos ou qualquer outro tipo de animal. A dúvida não existia na sua cabeça. Tinha certeza que não havia qualquer sinal de pessoa viva por trás daqueles muros e de cercas eletrificadas. Como podia ver crianças correndo, sem qualquer sinal de que estavam mortas? Os seus olhos estavam arregalados. O sargento estava completamente assustado com o que via. De repente uma pequena explosão chamou sua atenção: do chão começou a brotar labaredas, de um vermelho cor de sangue, que  começaram  a circular, somente na parte externa,  da área isolada. Olhou na ânsia de ver os seus comandados. Estava um alvoroço só. Via o medo abraçar cada um daqueles soldados. Ele, sem perceber, subiu na mureta e gritou histérico.

              - É o demônio! O demônio está aqui! Os mortos se levantaram das tumbas para nos matar! É o juízo final! – e se jogou no espaço vazio, até se esborrachar no chão.

              Sem nenhum comando naquele momento, os saldados apavorados com o fogo que brotava do chão, numa correria só, se dirigiam insanos para o único ponto de fuga da fortificação, que era o  portão com mais de cinco metros de largura, com duas bandas de dois metros e meio cada uma. Devido a quantidade de soldados querendo sair ao mesmo tempo, a abertura ficou  congestionada. Parecia uma minúscula passagem para tanta gente em fuga e que  não resistindo a pressão de mãos e corpos, acabou indo ao chão, juntamente com uma parte da parede da muralha da fortificação. Com a abertura maior, parecia um estouro de gado em fuga indo em direção à floresta. Infelizmente  nem todos conseguiram chegar à  mata, já que muitos deles tombaram mortos, pisoteados pelos próprios colegas de farda, na ânsia de escaparem de um inimigo que nem sabiam quem era.

                Atravessando a área do heliporto, os soldados, já em números reduzidos, fugiam para o único lugar que pensavam ser a rota de salvação, mas sem saber que a morte já estava a espreita. Se embrenhavam na mata fechada, sem saber em que direção tomar, já que não existia mais ninguém para comandá-los, somente o medo e o desespero. E ali, onde a esperança correra mais que os pobres diabos, era, sem dúvida, o fim de um destacamento que nunca mais seria encontrado. Já que era uma missão secreta, ninguém faria qualquer busca para encontrar algum sobrevivente. O desaparecimento seria contado como num confronto com guerrilheiros que invadiram a fronteira e mataram todos os soldados do destacamento anti guerrilha. Como fora em uma área desconhecida, nenhum corpo seria resgatado. E era assim o fim de um pelotão que viajara para um destino desconhecido e que seria condecorado por bravura, soldado por soldado.  

                  Quatro deles ainda ficaram dentro da fortificação. Os dois que estavam doentes e um cabo e um soldado, que estivera na guarita, e que se atrasaram para  se certificarem se o sargento ainda estava com vida.

                  - Cabo Costa, acho que o sargento ficou tão assustado com o que viu, que acabou se desequilibrando e caiu. Ele deve ter visto mais alguma coisa que eu não tinha visto. O seu grito era de desespero. – falava o soldado que tinha ficado de vigia.

               - Soldado, pelo grito que ouvi, deve ter sido alguma coisa monstruosa. E esse fogo saindo do chão? O que é isso?

               - Cabo, nem imagino. Mas não sei o que está acontecendo comigo. Não estou com medo. O pavor que acometeu o pelotão quase todo, não aconteceu comigo.

               - Comigo também não. Senão não estaríamos aqui olhando o sargento, certo? Soldado, o que você viu lá de cima?

               O soldado Oliveira não respondeu de imediato. Ele estava tentando colocar as suas ideias em ordem. O que tinha visto, era uma coisa difícil de acreditar e explicar. Procurou as imagens, mas não sabia como apresenta-la para o amigo de farda. Aquela forte luz girando e depois o fogo saindo do chão, era ao mesmo tempo apavorante e belo. E ele dava graças a Deus por ainda estar vivo, juntamente com o cabo e os dois soldados, que estavam no alojamento.

                Os seus olhos continuavam pregados naquela misteriosa luz, agora com um tom avermelhado, misturado com verde bem claro, azul cor do céu e um amarelo ouro, cercando toda a área,  ainda com radioatividade, fruto de uma experiência atômica. E a luz girava, girava...

 .....Continua Semana que vem!

domingo, 16 de fevereiro de 2025

Pensamento de Poeta - Convivência... Há de convir

 

 

Convivência... Há de convir

- José Timotheo -

 

Há convivência em tudo

Vivência de lutas

Instantes de calmaria

Na maioria das vezes, só dissabores

Mas há uma nesga de amor

No meio da guerra

Isso até se vivencia

E lá no meio do desamor

Por incrível que pareça

Brota uma conivência de paixões

Talvez um masoquismo duplo?

Mas ali, me parece

Há uma sobrevivência da esperança

Com um lamber nas bordas do tempo

Já morto  

E do porvir

Então o que há a mais?

Voar, voar

Sonhar e tentar conviver

Com o amanhã, retirando os escombros

E esperando que, no turbilhão

O amor consiga sobreviver

Mas se houver um abraço apertado

Isso cabe, pelo menos na paixão?

Se não houver conivência

Não existe a harmonia

E a vida se esvai

Não há mais céu

E o inferno nos espera

Com um jardim florido de dor

                                                           Fim

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Uma Luz e Nada Mais - Parte 42

 


Continuando...

               No alto de uma das guaritas, onde a tarde já estava sendo engolida pela noite, a sentinela deu o sinal de um ataque a área que era guardada por um destacamento com 56 soldados, mas que desconheciam como sobreviver numa selva, caso houvesse algum confronto com guerrilheiros, índios, contrabandistas ou traficantes, fora da fortificação. O grupo era suficiente bom para defender  o pequeno forte, pois estavam armados com armas de última geração, para combate em guerra, entretanto não foram preparados para um combate, se preciso, dentro da floresta.  Eram simples soldados que desconheciam técnicas de sobrevivência na selva. Aonde estavam, se sentiam protegidos pela pequena fortaleza, que pensavam ser inexpugnável. Ali achavam que dariam o recado, segundo o treinamento que tiveram.

                O soldado de serviço na guarita, com aquela iluminação forte, não teve dúvidas ao anunciar que estavam sendo atacados, só que não conseguia identificar por quem. Parecia que toda a área, vigiada vinte e quatro horas, aonde existia radiação, estava coberta por uma luz que não deixava ver o interior.

                A noite se aproximava, mas a intensidade da luz era tão forte, que toda área virara dia. A sensação que o soldado tivera, era que o sol tinha pousado naquele lugar esquecido por Deus.

               Todos os soldados, cerca de 54, pois dois estavam acamados com virose, já estavam prontos para um possível ataque, de quê ou de quem?  Não sabiam. Dentro da fortificação, construída para isolar toda a área contaminada e para proteger o pelotão de ataques de animais selvagens e de bandidos, virou um pandemônio. Um corre-corre generalizado tomou conta do restrito espaço. Todos armados até os dentes, sem saber o que atacar e de quem ou do que se defender. O único alvo à vista era a imensa luz. Como atirar numa luz? O pelotão só esperava a ordem do sargento.  

               O imenso foco de luz começou a girar. Só foi percebido pelo vigia, que observou que as árvores que estavam na escuridão, começavam a ficar iluminadas. Depois voltavam a ficar escuras novamente. Com isso concluiu que o foco de luz não era esférico.

              - Sargento! A luz está girando! E o foco é oval! Aos poucos está aumentando a velocidade! O que é que eu faço aqui em cima? Continuo ou desço? – o soldado da vigia, gritava para o sargento.

              O sargento olhava sem ver ou perceber qualquer movimento naquele foco de luz. Não sabia que ordem dar aos seus soldados, que esperavam ansiosos pela sua decisão. Decisão? O sargento não conseguia nem pensar. A sensação era que alguma coisa embaralhava seus pensamentos. Depois se deu conta que estava sendo arrastado em direção à luz. De repente foi despertado pelo soldado da guarita gritando novamente.

               - Sargento! Sargento! O senhor não sabe o que estou vendo! A luz agora está me deixando ver o interior da área contaminada! Meu Deus! – fez uma pausa - O senhor não imagina o que eu estou vendo! Sargento, tem uma porção de gente entrando e saindo das casas! Como elas entraram? Como passaram sem ninguém ver?

             - Desce! – gritou o sargento.

              Mal o soldado pisou no chão, o sargento subiu rapidamente até a guarita, a mais ou menos cinco metros do chão. Não acreditou no que viu. Todos os mortos estavam vivos. Pelas informações que tivera, há vinte anos atrás não sobrara nenhuma alma viva naquele pequeno povoado, encravado no coração da floresta amazônica. Na realidade, de tão pequeno, não tinha classificação. Era uma pequena rua, com seis casas de cada lado. Casas, se assim podia ser chamado aqueles seis casebres, só mesmo com muito boa vontade.

              O sargento estava presenciando alguma coisa que não podia classificar de normal. A luz ainda estava abraçando aquele pequeno lugar, carregado de radiação nuclear. Via e tinha certeza que era real, não era miragem. Estava próximo dos seus olhos, pessoas que supostamente tinham morrido, circulando como se nada tivesse acontecido. O relatório era claro quando dizia que todos os moradores tiveram os seus óbitos confirmados. Segundo ele, a radiação tinha tirado do mundo aquelas almas. Foram crianças, adolescente e adultos, não restando uma viva alma para provar o contrário.  E agora, como acreditar no relatório que estivera na sua mão, quando os seus olhos  viam o contrário?

 .......Continua Semana que vem!