Continua...
Depois de algum tempo em silêncio, apreciando a luz, se deu conta que o cabo estava do seu lado. Olhou para o seu superior e viu que ele parecia petrificado e com os olhos arregalados. Na sua cara, além do medo, estava estampado uma ansiedade sem tamanho. Era uma mistura estranha que temperava o seu semblante. Achou esquisita essa mudança no colega. Aparentemente tinha demonstrado equilíbrio, mas agora parecia outra pessoa. Olhava preocupado para ele e antes de falar qualquer coisa, engoliu uma quantidade grande de saliva. Na verdade, não sabia como começar, isso era certo. Desviou o seu olhar do cabo, enquanto pensava no que falar. Fez um silêncio um pouco longo, mas resolveu dizer o que tinha visto, dentro da área cercada, mesmo tendo dúvida se aquilo era real ou não, e se ele ia escutar e entender.
- Cabo, é muito complicado o que vi. Agora tenho dúvida se era real o que os meus olhos viram.
O cabo não respondeu. Parecia hipnotizado com aquela luz. O soldado precisou balança-lo e falar tudo novamente. Aí sim ele voltou à realidade e falou com o soldado Oliveira.
- Sim! Sim! Mas conta assim mesmo! Tenho que saber! – fez uma pausa - Alguma coisa séria aconteceu, com certeza. O sargento não ia cair à toa lá de cima da guarita. Desembucha, soldado! Já estou ficando nervoso!
- Calma, cabo. Temos que manter a calma, se quisermos sobreviver. Eu vi as pessoas, que diziam que morreram aqui, todas vivas. Até crianças correndo de um lado para o outro.
- O que é isso, soldado? Isso é maluquice! Nessa pequena vila, não houve sobreviventes! Nós não sabemos realmente o que aconteceu aqui, mas todos morreram! Essa área toda está com radiação! Como pode ter sobrado alguém com vida? Conta outra, soldado!
O soldado Oliveira ficou sem resposta, ou preferiu não contestar o cabo. Ficou em silêncio ruminando o que ele despejara em cima dele. Não estava se sentindo bem com a dúvida lançada nas suas costas. Nunca fora uma pessoa mentirosa. E nem chegado a invencionices. Ficou calado e se afastou um pouco do colega. Parou a alguns metros do fogo que saía do chão e ficou apreciando, sem demonstrar qualquer medo. De repente percebeu que não sentiu qualquer mudança na temperatura. Ali continuava com a mesma temperatura de onde estava. A curiosidade foi mais forte, então se arriscou, andou mais alguns metros em direção ao fogo, e parou quase onde saía do chão as chamas. Qual não foi a sua surpresa: aquele fogo não estava quente. Tentou chamar pelo cabo, mas esse não deu a mínima importância, apenas olhava para a guarita de onde tinha caído o sargento.
Passado algum tempo mergulhado no silêncio, apreciando as chamas do fogo dançando ao sair do chão, o soldado se virou para tentar chamar o cabo para sentir um fogo frio, qual não foi a sua surpresa: o cabo costa subia rapidamente a escada que ia dar na guarita. O soldado gritou, mas não adiantou nada o seu chamado.
O cabo Costa já estava dentro da guarita. Olhava para a área isolada e as suas feições iam se transformando. Arregalou o par de olhos negros e gritou, sem olhar para baixo, para o soldado.
- Soldado! Isso é mágica de satanás! Nenhum morto volta à vida, como se nunca tivesse morrido! Vou entrar para participar dessa ilusão! Você foi enganado pelo demônio! Mas eu não tenho medo dele! Eu sou igual a ele! Vou voar e invadir a casa dele! Lá vou eu!
Com um pouco mais de dezenove anos, o soldado jamais poderia ter imaginado que um dia passaria por uma situação daquela. Tentou chamar a atenção do amigo, mas foi em vão, ele já tinha se esborrachado no chão, a poucos metros dos seus pés. Não sabia o que fazer. Por que o sargento e o cabo enlouqueceram e ele não? Estava um do lado do outro sem vida. E agora? Se perguntava. Não sabia o que fazer. Estava sozinho no meio de uma selva, sem chances de sobrevivência. Mas de repente se lembrou dos dois soldados que estavam acamados.
Olhou para a floresta, que estava a menos de cinquenta metros dos seus olhos e pensou que ali dentro da fortificação, que agora estava um pouco desprotegida, ainda era o lugar mais seguro para ficar. Pensou nos amigos, que correram enlouquecidos e entraram naquele mundo desconhecido, com feras famintas a espera de qualquer presa que se movesse. Sem perceber, uma grossa lágrima escorregou pelo seu rosto. A tristeza invadiu-o de supetão. Chorou tudo que tinha direito e sem preocupação, porque agora não tinha ninguém ali para julgá-lo como um fraco, pois os outros dois , também vivos, estavam acamados. E ele, na realidade, era o único realmente forte de todo o destacamento. Apenas um garoto de 19 anos. Depois de se sentir aliviado, deu uma sacudidela na cabeça e decidiu não olhar mais para aquela imensidão verde. Os seus amigos tinham ido e, quase com certeza, não voltariam mais.
....Continua na Semana que vem!