terça-feira, 28 de maio de 2024

Uma Luz e Nada Mais - Parte 5

 


 Continuando...

            O que poderia ser? Não tinha a mínima ideia. Aqueles olhos penetrantes, de um verde forte, invadiam a minha alma, me deixando sem o que responder. Ainda mais falando tão perto do meu rosto. Senti até o seu hálito morno e perfumado lamber-me a boca. Os seus cabelos castanhos claros exalavam um perfume que me deixou emocionado. Será esse o termo? O cheiro me levou para algum lugar no passado. Infelizmente só ficou nisso. Era uma recordação, mas de quê? Do quê? Que coisa angustiante você não conseguir levantar o véu do esquecimento. Ou do tempo?  Sei não... A coisa está lá, mas onde? O perfume lambuzou a minha saudade. Mas saudade de quê ou quem? Só pode ser de quem. Pelo menos se não descobrir o ontem, tenho o hoje para não esquecer mais. Esse cheiro é da minha deusa.

            Custei a perguntar que assunto era esse. Lembrei-me que ela ia falar com os médicos sobre a minha melhora. Então perguntei. Mas ela disse que tinha voltado atrás. Por motivos que iria me explicar naquele momento. Apenas balancei a cabeça esperando o que ia me revelar sobre a sua desistência. Então começou:

            - Dyllon... – fez uma pausa. – Eu saí daqui muito entusiasmada com a sua melhora. Só o fato de você abrir os olhos, já foi fantástico. Aí você falou. A emoção foi muita. Tinha que falar com os médicos. Quando ia chegando na sala deles, qual não foi a minha surpresa: conversavam sobre você. Diziam que você era um experimento. E que não ia sair daqui nunca. Tinha que continuar preso, agora mais do que nunca, porque não sabiam quem você era e de onde era. – De onde eu era? – interrompi o seu relato, mas ela não contestou e continuou com a mesma doçura na voz. - Ninguém sabe nada de você, Dyllon. Encontraram-no, não sei onde, num lugar que o único sobrevivente foi você. Nunca tive acesso a nada a seu respeito. Sou apenas uma enfermeira.

             Fiquei pensativo sobre o que me falava. Não saber o meu nome, é uma coisa, agora não saber de onde eu era, é bem diferente. Já que me encontraram em um lugar que fui o único sobrevivente, logicamente seria desse lugar. Não entendi esse “de onde eu era”. Isso me deixou encucado. Ela viu minha expressão pensativa, fez uma cara de compaixão e continuou.

             - Fica triste não. Ninguém acreditava que você fosse acordar e você acordou. Você está vivo. Isso é que é o mais importante. Vinte anos dormindo, não é pouco.   

            Vinte anos! – repeti. Me responde uma coisa: o que levaram eles a terem dúvida sobre a minha origem?

             - O seu sangue é diferente. – falou receosa.

            O que tem no meu sangue? Qual o seu nome?

             - Eu me chamo Natasha. Agora, sobre o seu sangue...

            O que tem ele, Natasha? Belo nome.

             - Obrigado. O seu sangue é diferente de todos os tipos conhecidos. Não conseguiram identificar o seu sangue.

              Como pode ser isso? - Perguntei e ela me olhou pensativa. Devia estar vasculhando na cabeça para encontrar a resposta. Depois de algum tempo absorta disse:

            - Dyllon, essa resposta eu não sei dar. Nem os cientistas ainda encontraram a resposta. De vez em quando ouço alguma coisa daqui, dali, sabe como é que é, e vou juntando tudo aqui na cabeça. Há três anos que estou aqui cuidando de você. O meu contrato é de cinco anos. Não saio daqui pra nada. Esse tempo todo aqui e ainda não fui em casa.

            - Por que isso? – perguntei intrigado.

            - É uma cláusula do contrato. Se eu disser a você que não sei onde estou, você acredita?

            Não sei bem o que senti. Surpreso? Surpreso com o que, se não sei o que é um contrato. Mas pelo menos é estranho o fato de uma pessoa ficar confinada em um lugar por três anos. Isso é. Mas e eu? Estou aqui há vinte anos. Gostaria de saber o que é um contrato. Será que eu tenho um? Perguntei.

            - Você não tem nenhum contrato. O que eu tenho é um documento de trabalho. Eu aceitei trabalhar assim. E ganho muito bem. Quando eu sair daqui, vou usufruir desse dinheiro. Nem vou precisar trabalhar mais na minha vida. O dinheiro é depositado todo mês numa poupança.

            Poupança. Também não sei o que é isso. Esse negócio dela não saber onde estar, é muito estranho. Se não sabe dela, muito menos de mim. Estou curioso pra saber se estamos enterrado no chão. Parece que adivinhou o que eu estava pensando.

........Continua na Semana que vem!

 

terça-feira, 21 de maio de 2024

Uma Luz e Nada Mais - Parte 4


 

 Continuando...

            Depois de ficar extasiado, dei uma olhadinha para o céu: meu Deus, o que é isso? Quase morri de susto! Nunca tinha visto uma coisa daquelas! A gente escuta os astrônomos comentarem. Mas eu estava vendo: eram dois sois brilhando intensamente, num céu que eu nunca tinha visto. Eu estava ali exposto àqueles raios que não me queimavam nem um pouquinho. E o mais interessante é que eu conseguia olhar para eles, sem sentir qualquer incomodo nos meus olhos. Estava sonhando. Só podia estar. Quem mandou eu ler tanta coisa sobre ficção. A minha cabeça era uma bagunça só. Percebi ou imaginei que eu recebia esses pensamentos. Realmente pareciam que não eram meus. Será?

            Resolvi caminhar, mas para minha surpresa não consegui tirar o pé do chão. Olhei para ver o que estava acontecendo com os meus pés. Aparentemente estava tudo bem. Estavam livres, nada os prendiam. Não consegui entender o que estava se passando comigo. Tentei novamente e nada aconteceu. Estou paralítico? Quase gritei. Pensei que fosse entrar em pânico.  Um suor brotou na minha testa. Era o medo, sem dúvida. Pensei em levantar o meu braço, para passar a mão na testa, mas ficou só na tentativa. O braço ficou no mesmo lugar. A sensação era que alguma coisa puxava ele para baixo. Estava ali como um poste fixo naquele chão, que não sabia aonde era. Olhei para o alto e lá estavam os dois sois, como olhos, a mirar-me. Quase chorei, mas de repente um vento, que não era forte, circulou em volta do meu corpo. Circulou e sumiu. E com ele foi-se o medo. Voltei a ficar tranquilo.

            Que lugar era aquele, sem casas, sem gente, sem animais, sem nada. Vazio não era, porque tinha o riacho, montanhas e vegetação. Enquanto olhava aquilo tudo pensando, a poucos metros de mim, surgiu um ponto luminoso. Desse ponto surgiram outros. E eles foram se afastando uns dos outros. De repente um desses pontos foi se transformando em um rosto. Não um rosto igual ao nosso. Ele era translúcido. Em seguida formou-se também o corpo, com a mesma forma translúcida. Em frações de segundos, todos os pontos luminosos sofreram a mesma metamorfose. Fiquei rodeados de seres que só via, mas não conseguiria pegar, com certeza. Começaram a formar um grande círculo, em torno de mim. Um desse seres se aproximou e rodeou-me. De repente levantou um braço, pelo menos achei que era, mesmo não o vendo. Parecia que estava coberto com alguma coisa. Não sei explicar o que vi. Nesse instante um dos meus braços também se levantou. E depois o outro. Pareciam leves. Continuando, ele direcionou o braço para as minhas pernas, e eu, sem poder controlar os movimentos, comecei a andar. Me senti um robô. Olhei para os seres que estavam a minha frente e tive a sensação que sorriam. Ou estavam achando graça daquele ser de carne e osso que estava ali servindo de chacota para eles.

            Vi um pássaro, muito colorido, pousar no ombro desse ser que estava a poucos metros de mim. O interessante é que ele não era translúcido. Ele voou de um braço para o outro. Eu sabia que era uma ave, mas era diferente das aves que costumamos ver. Depois de alguns minutos voando de um braço para o outro, ela parou e começou a cantar. O som era inimaginável. O som era de uma orquestra. Olhava sem saber o que estava acontecendo de verdade. Aquilo parecia sonho. Olhei em volta, e os seres estavam com as cabeças um pouco tombadas para frente, pareciam mergulhados em alguma forma de prece. Sei lá! Talvez uma reverência. Vi também o pássaro fazer a mesma coisa. Automaticamente fechei os olhos.”   

            Uma mão fria pousou no meu braço. Tremi dos pés à cabeça. Não podia imaginar o que aqueles seres fariam comigo. Apertei os olhos para não ver. A mão continuou encostada na minha pele. Agora não estava tão fria assim. E eu continuava vivo. Mas o medo chegava quase a morte. O tempo foi passando e eu sem abrir os olhos. E a coragem? Não sei o que é menos pior, morrer de olho fechado ou de olho aberto. Tem diferença? Morrer é morrer. Já que vou partir, vou com dignidade: vou de olho aberto. Então abri os olhos. Qual não foi a minha surpresa: a deusa ou anjo, sei lá, olhava para mim. Renasci. Na hora já era outra pessoa. Dei um sorriso escancarado. – Pensei que você dormia. – disse ela. Eu também. Acho que estava mergulhado em um sonho. Respondi. Ela quis saber o que sonhava. Achei que não podia contar. Disse apenas que não lembrava. Ela me olhou, deixou escorregar um sorriso, parecendo não acreditar, mas não insistiu. Depois falou baixinho que queria conversar comigo. Era assunto sério. 

......Continua Semana que vem!

 

terça-feira, 14 de maio de 2024

Uma Luz e Nada Mais - Parte 3

 


 Continuando...

            Antes de ela tomar o caminho da porta, pedi que me desamarrasse. Eu quero me levantar, falei. Ela disse que não podia, que ia depender dos médicos. Que lugar é esse? Perguntei nervoso. Não me respondeu e saiu rapidamente. Percebi, então, que os meus pensamentos começavam a tomar forma. Me senti contente. Já formava frases. As minhas ideias coordenavam-se melhor agora. Acho que a minha normalidade voltava. Pensei em Deus, naquele momento de tensão. Isso já foi um grande sinal na minha lucidez. Eu sei que ainda faltavam algumas coisas, como lembrar do meu nome. Se tinha família. Mulher e filhos. Pai e mãe. Nada. Esse nada, me deixou tenso. Será que eu não existia? Não, eu existia, senão não estaria questionando a minha existência. Mas... seria eu um androide? Androide! Como fui me lembrar disso? Um ser artificial. Será que não existo? Fui montado igual a um brinquedo imitando um ser humano? Um robô! Isso! Um robô! – falei um pouco alto, mas não tinha ninguém para me ouvir mesmo. É muito deprimente você acordar vinte anos depois, - continuo conversando comigo - de alguma coisa que ainda não sabia, e achar que é um robô. Puxa vida! Agora vou ficar em silêncio. Falando para ninguém e para os meus ouvidos, é meio deprimente. Me sinto meio ridículo. Olho fixamente a parede na minha frente. Só isso que me resta?

          Passados alguns minutos, finalmente me encontrei mais calmo. É hora de voltar a pensar. Então, depois de pensar algumas coisas, sem chegar a conclusão alguma, vi o obvio: arranjar um jeito para forçar mais a mente. Mas eu sabia que, naquele momento, era procurar agulha num palheiro. Entretanto me recolher e aceitar as minhas limitações naquele momento, seria desistir da minha vida. Era mergulhar na procura de respostas ou voltar a dormir por mais vinte anos. Isso não. Ia me procurar dentro da minha cabeça. Aí dei um tempo para pensar. Veio a pergunta:  onde e como fazer isso? A minha cabeça ainda estava com espaços vazios. Se você não sabe a sua identidade, você não existe, simples assim!  De repente uma coisa brotou lá dentro: quem me deu esse nome, que me chamam agora? Nome estranho: Dyllon. Por quê? De onde tiraram isso? Sou brasileiro, é o mais provável que assim o seja. Acordei e o pouco que falei foi em português. Já é uma prova. Aí a linda mulher me diz que o meu nome é esse. Parece estrangeiro. Estranho. Nesse momento brotaram vários nomes: João, José, Joaquim, Marcos... O mais óbvio é que seja um desses nomes.  Dyllon seria uma sigla? Por que veio isso na minha cabeça? Depois eu pergunto a ela. Ou aos médicos.

            Uma lufada de ar bateu no meu rosto.  As poucas árvores próximas de mim se curvaram, quase encostando no chão. As que não resistiram, se quebraram. Eu quase fui lançado de cara no chão, como algumas delas.  Que vento estranho é esse? - me perguntei assustado. Não sabia onde estava. E a poeira era tanta, que não me deixava ver o que estava ao meu redor. Parecia que a poeira já tomava conta, também, da minha cabeça. Mas não me dei por vencido e procurei enfrentar aquele estranho vento.

            Tenho o hábito de diariamente, antes de sair de casa, saber como será o dia. Consultei o serviço de meteorologia e tenho certeza que não estava previsto ventos fortes. Mas para onde estava indo? Ou voltando? Estava confuso. Que pensamentos são esses? O que quer me dizer?  De repente estava dentro de uma cúpula de vidro. O vento já não me tocava. Caminhava por dentro do vento e da poeira sem sofrer qualquer pressão. Andava livremente. De repente tudo sumiu. O sol estava quase em cima da minha cabeça. Sentia apenas, apesar do sol, uma brisa fresca roçando a minha pele.

            Andava, mas sem identificar o lugar. A região me parecia estranha. Nunca tinha visto nada igual, nem em filmes. Um lindo riacho escorregava pela lateral da estrada, com muitas árvores enterrada em suas margens, com um colorido deslumbrante. Esse tipo de vegetação se espalhava por toda redondeza. Eu nunca tinha visto nada igual, realmente.  Todas estavam floridas, cada uma de uma cor. Até os arbustos mais rasteiros se cobriam de flores de vários matizes. E as pessoas? Não tinha viva alma. Que lugar era aquele? 

.......Continua Semana que vem!