terça-feira, 18 de julho de 2023

A Minha Casa Não é Essa - Parte 62

 


 Continuando...

            O que estava no comando pegou o seu binóculo e varreu cada pedacinho daquelas ruínas, que se estendia por um raio de aproximadamente duzentos metros. Naquele trecho da cidade, poucas habitações conseguiram permanecer de pé. A região fora castiga por mísseis, por dias seguidos. Da população civil, pouca gente sobreviveu. Foram massacrados pelas forças de coalizão, como pelos próprios combatentes Afegãos, aliados das forças estrangeiras, por milicianos e vários grupos independentes. 

          O bandido que comandava, depois de vasculhar os escombros, voltou, se arrastando, e foi até onde estava o comparsa mais próximo. Mal ele chegou, foi interrogado:

          - Kalled, o que houve?

          - Não houve nada! – respondeu meio ríspido - Eu só quero saber onde fica a tal entrada para o porão!

         - Eu pensei que o senhor soubesse.

         - Não. Não sei. Quem sabia era Ali. Vamos esperar mais um pouco, antes de jogarmos mais bombas por aqui. Eu sinto que eles estão bem perto. É só uma questão de paciência. Pegando um deles, achamos os outros, que devem estar dentro do porão. A informação foi precisa. O garoto não mente. Mas se dessa vez ele mentiu, essa vai ser a primeira e última. Vamos esperar por quinze minutos. Marcamos para vinte e trinta. Vou recuar mais um pouco. Avisa aos outros. Vai rápido. Eu vou em seguida.

         Os quinze minutos de espera, pareceu uma eternidade. Precisamente na hora marcada começou a chuva de granadas, em parceria com a bazuca vomitando uma bomba atrás da outra. Uma dessas bombas caiu bem em cima de uma das passagens para onde o sargento e Mohammed já tinham achado. Essa entrada ficava afastada da que o Téo e o menino tinham encontrado. Com o choque algum dispositivo foi acionado, causando a liberação de um gás tóxico, que eles desconheciam. Foi esse gás que Mohammed viu.

           Os bandidos estavam obstinados, principalmente o líder, que queria de qualquer jeito a cabeça dos americanos. Um chefe foi morto, ele então tinha que ser vingado. E o vingador, o novo chefe, era nada mais, nada menos que o seu irmão Kalled, que liderava aquele bando.

             Depois das bombas despejadas em cima dos escombros, levantando uma nuvem de poeira infernal, as poucas paredes que tinham resistido aos mísseis, quase viraram pó. Nada ficou de pé. Era só pedra sobre pedra. Pelo olhar de Kalled, ele não estava satisfeito com a devastação. O que ele queria mesmo era colocar as mãos em cada um dos americanos e ele mesmo matá-los um de cada vez.

             Kalled esperou a poeira se assentar, para fazer um reconhecimento em toda ruína, para ver se achava algum sobrevivente, que estava ali fora. Quando a poeira se assentou, cuidadosamente se levantou e fez uma varredura com o seu binóculo, com o intuito de tentar localizar algum corpo naquele monte de entulho, ou alguém ainda vivo. Com o tempo que ficou observando e não vendo nenhum sinal de algum ser vivo, levantou-se, virou-se para os seus comandados e ergueu um braço. Com isso o comparsa que carregava a bazuca entendeu que era para fazer outro disparo. Lançou a bomba no meio das ruínas, aí levantou de novo uma cortina de poeira pior que a anterior. Kalled gritou irado, desenrolou um pouco mais o turbante e escondeu o rosto por debaixo do tecido e se jogou no chão.

          Mohammed foi caminhando à procura do sargento e dos outros dois soldados. Conseguiu chegar até onde tinha deixado os militares, apesar da névoa que tomava conta de toda tubulação. Mesmo com a fumaça densa, conseguiu ver o sargento, que estava de cócoras, ao lado do soldado John. Colocou uma das mãos no seu ombro e chamou-o:

          - Sargento. Sargento. Vamos sair daqui. O senhor está bem?

          Téo custou a responder. Mas conseguiu levantar a cabeça e olhar para o menino - ele tinha conseguido cobrir o rosto e colocar um óculo para proteger a vista contra o gás - e falou alguma coisa que Mohammed não entendeu. Depois esticou o braço, segurou a mão do menino, que oferecia ajuda, e conseguiu se pôr de pé.

            Mohammed, depois de prestar ajuda ao sargento, se arriou e olhou o soldado John para saber do seu estado. Mas constatou que ele já estava morto. Depois chamou pelo soldado Peter, mas não recebeu nenhuma resposta. Então foi até ele e puxou-o pelo braço, entretanto não obteve nenhuma reação. O menino então o virou de barriga para cima e constatou que o magricela também estava morto. Ele não tinha se protegido como fez o sargento. Aspirou todo o gás.

            Téo caminhava com dificuldade apoiado em Mohammed. Parecia que o gás já tinha se espalhado por todos os túneis. A névoa não tinha fim. Depois de algum tempo caminhando, finalmente o menino percebeu que ao se aproximar de onde tinha esperado pelos militares e que tinha se separado do amigo, o gás ainda não tinha chegado. Ao ultrapassá-lo, Mohammed observou que, não sabia explicar, alguma coisa não permitiu a sua expansão. Colocou o sargento sentado e depois respirou, aliviado. Mas tinha certeza que não poderiam ficar por ali por muito tempo.

           O sargento parecia exausto. Talvez o problema tenha sido causado pela ingestão do gás, mesmo sendo em quantidade mínima. Por ser um gás não identificado, mas com certeza letal, não se poderia avaliar as causas futuras. Até o momento Téo estava se mostrando suficientemente forte, pois estava lúcido e com todos os seus movimentos. Já os seus amigos, não tiveram a mesma sorte e não resistiram.

            Mohammed com cuidado ajudou-o a se sentar. Um descanso, mesmo que não fosse longo, e respirando ar puro, o ajudaria a se restabelecer. Dava para perceber que ele estava sem fôlego até para falar, mas conseguiu retirar o pano que cobria a boca e o nariz. Depois olhou para o menino, sorriu e levantou o polegar direito, em sinal de agradecimento. Mohammed retribuiu o sorriso e balançou a cabeça, como se quisesse dizer “não há de quê”. Depois bateu amigavelmente no seu ombro e sentou-se ao seu lado.

           O sargento fechou os olhos e começou a lembrar-se da agonia de John e depois de Peter. Em relação ao soldado John, ele até conseguiu entender que não seria fácil mantê-lo vivo, mas o soldado Peter, ele não encontrou justificativa na sua recusa em cobrir o nariz, a boca e os olhos. Na sua visão, o que ele fez foi suicídio. Não quis lutar pela vida. Ao pensar nos amigos, um fio de lágrimas escorreu pelo seu rosto. Mohammed percebeu, mas preferiu não fazer qualquer comentário, apenas bateu de leve na perna do sargento.

 ...Continua Semana que vem!

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