terça-feira, 4 de julho de 2023

A Minha Casa Não é Essa - Parte 60

 


Continuando...

            Téo, depois de pegar o antitérmico e a água, se arriou e tentou abrir a boca de John, mas foi em vão. O soldado com os dentes trincados respirava apenas pelo nariz e emitia um ronco abafado. O soldado Peter também tentou, entretanto foi infrutífero o seu gesto, parecia que as mandíbulas de John estavam soldadas. Levantou-se, colocou a mão no ombro do sargento e deu uma balançada de cabeça. Com a expressão tristonha, tentou falar alguma coisa, mas a voz não saiu. O sargento bateu na mão dele entendeu o que o amigo queria dizer. Olhou para Mohammed e disse, apenas com o olhar, que ele tinha razão na sua suspeita a respeito do estado de saúde de John. Depois se dirigiu novamente a Peter e disse:

          - Magricela, não vamos desistir do amigo. Vamos, vamos em frente.

          Mohammed esperou que Téo se preparasse para puxar John, se aproximou e quis saber dele, qual o túnel que iriam seguir. O sargento olhou para os três túneis. Pensou por alguns segundos e apontou o da frente. Depois falou:

          - Mohammed, pega o seu amigo e vai em frente. Mas não saia. Espera a gente, para sairmos todos juntos. Estou pressentindo que vamos precisar usar as armas para abrir caminho.

          - Está bem, sargento. Nós vamos em frente, até ver onde vai dar esse túnel. Isso aqui está parecendo um labirinto.

          Mohammed fez o sinal de continência, puxou pela mão o amigo, que estava sentado, e foram em frente, caminhando sem olhar para trás, até chegarem num outro ponto, igualzinho ao primeiro e ao segundo: um túnel de frente, outro para a esquerda e o terceiro, para a direita. Ali ficaram esperando pelos militares. O tempo que ficaram ali, com certeza não dava para calcular, pois parecia que tinha passado uma eternidade. Aquilo já estava dando nos nervos dos dois, principalmente de Rachid, que já demonstrava uma ansiedade num senta e levanta sem parar. Mohammed olhou para ele, bateu no seu ombro e disse, como se tivesse muito tranquilo, dono da situação:

         - Calma, Rachid. Já passamos por coisa pior. Isso aqui, nós vamos tirar de letra!

        - O que é isso, tirar de letra? – Rachid perguntou assustado com o termo usado pelo amigo.

        - É. Engraçado. Não sei. Mas sei. Não me pergunte como sei.

        - Se sabe, diz o que é.

        - Me parece...

        - Parece o quê?

        - Calma. Acho. Acho não, tenho certeza: é que vamos resolver com facilidade.

        - Aí sim. Dê onde você tirou isso?

        - Não sei direito. Pode ser que seja da língua brasileira.

        - Mohammed, jogar de letra tem a ver com futebol, não é?

        - É sim. Como é que fui falar isso?

        - Às vezes você fala cada coisa! Qualquer dia desses vão falar que você está ficando maluco!

       - Amigo Rachid, se não fiquei até agora, não fico mais. E você também. Já passamos mais coisas do que um ser humano normal suportaria.

       - Também acho. Deixa essas coisas para lá.

       Mohammed sentou-se para esperar pelos soldados. Rachid continuou em pé. A sua impaciência era visível. Olhou para o túnel da sua esquerda e em seguida mirou o da sua direita. Ficou pensativo por algum tempo, mas resolveu caminhar por esse. Sem falar nada com o amigo foi em frente. Mas mal ele se movimentou, Mohammed questionou-o:

          - Ué! Você vai para onde? Não decidimos ficar esperando os soldados?

          Rachid parou imediatamente com as perguntas do amigo, virou-se e ficou olhando, mas sem nada responder. Mohammed achando que o amigo não fosse responder as suas perguntas, então disse:

          - E aí Rachid! Vai fugir?

          O menino botou as mãos na cintura e respondeu entre sorrisos:

          - Mohammed, você está pensando que vou fugir? Você não me conhece, não? Você sabe que quando eu prometo alguma coisa eu cumpro! Fica tranquilo, só vou dar uma olhadela por aí.  Vou escolher um túnel desses e fazer um reconhecimento. Isso de ficar parado aqui me deixa nervoso. Vou até ali embaixo e volto já.

      - Está bem. Eu confio em você.  Mas fique atento. É “um olho no padre e o outro na missa”.

      - Mohammed, isso é coisa de cristão. Estou com Alá em todos os momentos, não preciso dessas coisas.

      O amigo dirigiu-lhe um olhar de crítica, misturado com uma dose de tristeza. Rachid esperou com certeza que viesse um comentário duro, depois desse olhar. Mas já que Mohammed se absteve de falar qualquer coisa, ele não deixou passar em branco.

      - Amigo, eu sei o que você teve vontade de dizer: Rachid, você é muito preconceituoso! Mas eu vou te dizer o que eu acho. Amigo, eu não sei como você é tão tolerante com os invasores. Eu desprezo qualquer coisa que venha deles e com eles, inclusive a religião. Para mim o que eles trazem não presta. Aí eu sei o que você vai dizer: mas amigo Rachid, nem todos são iguais! Mas para mim é.

       Ele nem esperou o comentário que, com certeza, Mohammed faria. E rapidamente virou-se, tapou as orelhas e se afastou.

       Mohammed deu um sorriso xoxo, fixou os olhos nele, ou na sua sombra, que se afastava ligeira, e preferiu não fazer qualquer tipo de crítica. No fundo sabia que se falasse mais alguma coisa, não ia surtir nenhum efeito positivo, muito pelo contrário, só ia inflar mais o seu radicalismo, por isso desistiu.

        Dos amigos, Rachid era o mais radical dentre eles. A sua visão de mundo, era completamente oposta à sua. E infelizmente esse seu jeito, não tinha nenhuma chance de ser modificado. Entretanto era uma pessoa honesta e um amigo capaz de dar a própria vida pelo outro. Em vista disso, Mohammed não desistia de continuar tentando mostrar que as coisas não podiam ser levadas a ferro e a fogo. Que o radicalismo só leva mesmo a um lugar: ao ódio. Esperança de modificar Rachid, não tinha nenhuma. Todavia ia arriscar sempre uma palavrinha aqui, outra ali, até que alguma coisa de positivo entrasse naquela cabecinha fechada para o entendimento, para a conciliação. 

......Continua na Semana que vem!

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