terça-feira, 20 de agosto de 2019

A História de Helô - Parte 46



Continuando...


          Logo pela manhã o coral, comandado pela irmã Maria das Dores, composto de crianças com idades que variavam de nove, dez até treze anos, já estava sendo arrumado próximo ao portão principal. O nervosismo era evidente. As meninas nunca tinham se apresentado para um público que, pela estimativa, passaria de duzentas pessoas. Era de se esperar que ficassem ansiosas e até medrosas. A preocupação não passava só por elas, a própria irmã regente, desde cedo, já sentia um friozinho na barriga. 
         Às onze horas começaram a chegar os convidados. A Madre e suas assessoras, além do padre e do senador, estavam a postos para recebê-los. Toda a frente do convento aos poucos foi ficando intransitável. Vários grupos foram se formando. Eram vários amigos que se encontravam. A Madre então pediu à irmã Maria das Dores que começasse a apresentação do coral. Apesar do nervosismo, foi um sucesso. O início, enfim, foi coroado com êxito.
        A multidão começou a se espalhar. Os convidados, levados pela curiosidade, caminhavam pela propriedade, maravilhados. Realmente a estrutura administrativa comandada pela Madre Joana era de primeira, pelo menos ela fazia com gosto. Era uma boa administradora, cuidava bem do patrimônio da igreja. Apesar dos seus desvios morais, era amante da beleza, era cuidadosa com o prédio e com tudo que existia nele. Desde o primeiro dia da sua administração programou várias obras. Logo iniciou trocando os velhos móveis por um novo mobiliário, além de comprar várias obras de arte. Queria deixar o velho convento com cara de novo.  Dava gosto de andar por toda propriedade. Além do prédio, o cartão de visitas era o jardim. O encarregado era um jardineiro, único homem que circulava diariamente por ali, mas a sua área era restrita ao jardim e num horário limitado. Quando ele chegava ninguém circulava,  entretanto era vigiado à distância. Alguns pares de olhos não se desgrudavam dele. Ele, que já não era tão jovem, sentia-se incomodado com isso, mas como ali era o seu “ganha-pão” procurava não infringir as normas. Tocava em frente sem questionar.
          Qualquer pessoa que olhasse para as meninas ficaria impressionada. Todas, sem exceção, esbanjavam saúde, coradas e lindas. Alimentação de primeira e médico periodicamente, mas isso tinha um preço. A Madre não fazia isso por bondade, era apenas um investimento. Cada menina daquela, no futuro, transformaria aquilo em lucro pecuniário. O extremo zelo era uma aplicação de médio prazo e ela já vinha lucrando há um bom tempo.
          Depois das apresentações, foi anunciado que o almoço seria servido dentro de alguns minutos, mas ainda existiam alguns convidados que estavam a caminho. Então, a Madre achou conveniente atrasá-lo um pouco e tinha certeza que isso não ia apagar o brilho da festa. Os convidados, na verdade, nem perceberam que as doze badaladas de uns dos relógios do convento já tinham se perdido pelo ar. Os grupos que se formavam em vários pontos estavam mais preocupados, naquele momento, em jogar conversa fora, tramar, conspirar e o diabo a quatro. Como o senador e o padre conseguiram reunir tantos políticos e empresários de vários ramos envolvidos com tanta corrupção? Cem por cento carregando processos e mais processos, mas pareciam tão alegres e descontraídos que se podia jurar que eram todos injustiçados. Entretanto, para um crime tinha que existir um culpado. E o dedo em riste apontava para um: o povo. – Quem mandou trocar seu voto por merreca! – alguém lançou essa pecha sobre o brasileiro.
         Helô da varanda do segundo andar, escondida atrás de um pilar, não desgrudava os olhos do portão, olhava tudo e todos. Aquelas pessoas bem vestidas, mulheres e homens, para ela pareciam pessoas distintas, mas eram caras totalmente desconhecidas e ela tinha quase certeza que nenhuma delas, nesses quase dezoito anos que morava no orfanato, tinha passado por aquele portão. Aquelas pessoas eram somente aparência. Helô não tinha a menor ideia de quem elas eram, no entanto ali estava a nata da corrupção no Brasil. Sem exceção, todos envolvidos nos casos mais esdrúxulos e Helô nem desconfiava da moral de cada um dos senhores e senhoras, mas também não ouvia rádio, não via televisão e nem lia jornal. Era tudo proibido. Ali se vivia num mundo à parte.
          Helô estava deslumbrada com aquele entrar de casais alinhados. Um ou outro chegava desacompanhado e ela não sabia quem ela esperava. Segundo a Madre Maria de Lourdes ela ia reconhecer. De onde estava tinha uma boa visão, mas resolveu descer para o jardim, que nesse momento já não estava tão congestionado. Ao sair viu a Madre Joana na outra extremidade do corredor. Procurou afastar-se sem ser vista.
          A Madre Joana, impávida, olhava todo aquele movimento do alto e deixava um sorriso de satisfação aflorar levemente. Sentia-se a verdadeira rainha. Quase que bateu palmas para si mesma. Foi despertada por passos e vozes que chegaram até aos seus ouvidos. Girou a cabeça e viu, com satisfação, a aproximação dos seus amigos. Vinha à frente o padre e mais atrás, com os passos vagarosos, o senador.  
............Continua semana que vem!

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