Continuando...
A irmã Celeste, para alegria
de Helô, girou nos calcanhares e desapareceu. Agora ia ser mais fácil à
conversa rolar mais tranquila, mas ela tinha de ser muito discreta e cuidadosa
para não deixar que o papo fosse comprometedor. Olhou em volta para ver se
estavam sendo vigiadas. Constatou, para seu alívio, que a área estava livre de
qualquer espiã. De repente sentiu que Amélia ia dizer alguma coisa que a deixaria
em maus lençóis, rapidamente tapou-lhe a boca com a mão e em seguida abraço-a
levemente. Depois se afastou um pouco, tirou cuidadosamente a mão da sua boca e
fez um sinal, com um dedo na frente da boca, pedindo que ficasse em silêncio.
Amélia olhava-a assustada. Não
estava entendendo nada do que se passava. Duas vezes fora interrompida de
tentar falar. Até dificuldade em respirar teve. Pensou que fosse morrer. Não
entendia realmente o que estava acontecendo, mas percebeu, pois não era burra, que
devia ficar muda. E então ficou esperando que Helô dissesse alguma coisa e não
demorou muito para que ela se manifestasse.
- Mãezinha, vamos sentar. Não se esforce. A senhora viu como ficou
cansada?
Enquanto falava, Helô meteu a mão no
bolso, discretamente, e tirou um papel dobrado, que dava na palma da mão. Depois
o colocou no colo e abriu-o. Estava escrito:
- Cuidado. Não fale nada. Nos
escutam. Estamos sendo vigiadas.
A irmã Amélia mostrou-se nervosa.
Queria falar alguma coisa, mas não conseguia. Helô, percebendo a sua agonia,
adiantou-se e disse:
- Oh, Mãezinha! A senhora está bem
melhor! Eu só falei que senhora estava um pouco cansada, mas isso é normal para
quem está em recuperação. Para o dia da festa a senhora vai estar totalmente curada.
Se Deus quiser! Eu sei que a Madre Joana está cuidando bem da senhora. Ela é
enérgica, mas é uma boa pessoa.
Helô piscou para ela e perguntou:
- A senhora não tem nada para me
falar?
A irmã Amélia engoliu um bocado de
saliva. Estava nervosa com certeza, porém entendeu o recado da menina. Ficou
procurando as palavras na sua cabeça. Estava difícil falar alguma coisa. Helô então
percebendo a sua dificuldade, abraçou-a carinhosamente. Depois deitou a sua cabeça
no seu ombro. Ficaram assim por alguns minutos, silenciosas. Amélia tentava se
tranquilizar, mas o coração teimava em pulsar quase aos saltos. Não sabia
direito o que dizer, entretanto num esforço sobre humano, disse:
- É, minha filha, ela é uma boa pessoa.
Principalmente nesses dias ela...
Interrompeu o seu raciocínio, pois a
amargura que invadia o seu coração tomou conta dos seus olhos e grossas
lágrimas escorreram abundantes pelas faces.
Nem mais uma palavra conseguiu expressar.
Helô sabia que a irmã Amélia queria
desabafar, entretanto foi obrigada pelas circunstâncias a abortar a vontade, por
isso estava sofrendo. Naquele momento sentiu orgulho dela. Viu que ali estava
uma mulher corajosa, de fibra, uma fortaleza. Sabia que não era para qualquer
pessoa, depois de anos e anos de sofrimento, conseguir chamar o seu verdugo de
“uma boa pessoa”. Olhou ternamente para ela e deu-lhe um beijo no rosto. A irmã
Amélia que ainda trazia a face úmida devolveu um olhar também cheio de amor.
Depois, num esforço hercúleo, conseguiu balbuciar no ouvido de Helô:
- Minha filha. Minha menina.
Em seguida levantou-se bruscamente e
tentou dar alguns passos, mas caiu de joelhos. Helô rapidamente socorreu-a,
colocando-a sentada novamente no banco. Examinou-a atentamente e respirou
aliviada ao constatar que não havia qualquer tipo de lesão, apenas sentiu-a um
pouco tensa.
Passados alguns minutos, a irmã
Celeste apareceu para pegar a irmã Amélia. Notou que ela estava nervosa. Então
inquiriu Helô:
- O que houve com ela? Estou sentindo
que ela está tensa!
- Ela foi levantar-se e acabou caindo,
mas está tudo bem.
- Vou levá-la.
A irmã Celeste tentou erguê-la, mas não
conseguiu. Então pediu a ajuda de Helô. As duas com cuidado levantaram-na, mas
Amélia se encontrava muito debilitada. Com isso a sua capacidade de locomoção
ficou comprometida, os seus passos eram muito lentos, ela quase se arrastava.
Pacientemente as duas levaram-na à enfermaria. Depois de ela ser medicada, deixaram-na
no quarto.
O tempo correu célere. Foi tão rápido
que, numa piscadela, já estava no dia da festa. O convento amanheceu nervoso.
Não havia uma alma sequer que estivesse sossegada. A agitação contaminou até as
crianças. Era uma correria só.
O início dos festejos estava marcado
para as 12 horas, com almoço feito por um chefe da cozinha francesa. Seria
servido um cardápio de variadas iguarias que causaria inveja aos grandes
restaurantes classe A. As tradicionais cozinheiras do convento não passariam
nem na porta do refeitório. A alimentação para as internas seria feita em outra
ala, distante da cozinha principal.
A maioria dos convidados fizera a sua
doação meses antes. No convite estavam incluídas todas as refeições, inclusive
bebidas. As alcoólicas seriam servidas
em lugares reservados, fora das vistas das irmãs e das crianças. Tudo do bom e
do melhor. Para a Madre Joana de Maria valia o investimento. Tinha certeza que
o lucro seria exorbitante. Realmente, pelos seus planos, não cabia dúvida
alguma. Não seriam somente as doações que cobririam os gastos e ainda dariam
lucro. De jeito nenhum! As doações cobririam sim as refeições e bebidas, mas
deixariam uma margem muito pequena de lucro. O lucro em si cheirava a jogo e
sexo.
.....................Continua semana que vem!
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