terça-feira, 18 de outubro de 2016

Numa Eleição, em um País Democrata - Num País do Faz de Conta - Parte 2

Continua...


O silêncio abraçou o tribunal. Não tinha um olhar sequer que não estivesse na minha direção. Estavam ansiosos em ouvir a minha decisão. Custei mas levantei. Parecia que a minha bunda estava colada no banco de réu. Tentei dizer alguma coisa, porém a emoção emudecia-me. O Senhor Juiz, bem ansioso, mandou-me falar. Tentei mais uma vez e nada. Aí pigarreei e acabei tomando coragem, e disse: - “Senhor Juiz. Agradeço a oportunidade de escolha. O Senhor deixou claro, com esse gesto tão grandioso, que estamos num país de democracia justa. Um estado democrático de direito. E, por conseguinte, numa nação em que o cidadão está livre para escolher o seu destino. O Senhor me desculpe, mas estou emocionado, com tanta justiça. Então vou anunciar a minha decisão.”
Naquele momento o juiz desceu e ficou bem em frente a mim. Em fração de segundos, já estava rodeado pelos jurados e demais presentes. Até um vendedor ambulante, aproveitando a distração dos policiais, entrou no ambiente e tentou vender algumas guloseimas. A festa estava armada.
Depois de analisar as duas alternativas, eu olhei no olho do juiz e fiz a minha escolha: -“Primeira alternativa.!” – falei quase gritando. Aí foi um zum, zum, zum geral. O juiz parecia que não estava acreditando na minha escolha. Falou que eu ainda podia mudar. Eu disse que não. Então me perguntou por quê. Calmamente respondi: - “Senhor, eu acredito piamente que seja mais fácil levar um traficante para o caminho do bem, do que limpar o senado.”
O falatório foi geral. Estavam todos indignados comigo. Esperei voltar o silêncio e prossegui: - “Senhor, vai ser uma perda de tempo. Não vai haver vassoura ou esfregão que limpe tanta sujeira”.
Ele voltou para a sua mesa. Chamou os jurados e ficaram conversando. Passados cinco minutos me chamaram. Levantei-me e caminhei até eles. Não estava calmo, confesso. Pensei que iriam me forçar a pegar a segunda opção.  Já estava até pensando em suicídio. Não iria suportar aquele tipo de tortura. Mas eis que o juiz manda que  eu me aproxime.
Porém antes dispensa os jurados. Caminhei até a sua mesa. Postei-me bem à sua frente. Ele gesticulou. Rapidamente dois policiais ficaram do meu lado. Senti um calafrio percorrer o meu corpo. Boa coisa não era. Ele falou pausadamente: -“Meu filho. Resolvi mudar a sua pena. Como você rejeitou a nossa sugestão, não confiando na justiça, a sua pena agora será cumulativa. Além da sujeira do senado, vais limpar a câmara dos deputados.” - Quase entrei em desespero. Não tinha saída. A minha vida estava encerrada ali. Entretanto uma pessoa se aproximou e pediu licença para falar com o Juiz. Conversaram por algum tempo. Olhava o semblante de cada um. A seriedade era grande. A preocupação aumentou. Enquanto conversavam, de vez em quando o juiz olhava para mim. Cada olhar era um arrepio que me deixava desconfortável. Resolvi enterrar a cabeça no chão. Passados alguns minutos, fui chamado novamente. O Juiz me disse que eu tinha mais duas opções. Disse que realmente as penas impostas eram severas.  Que o meu caso tinha sido revisto. Então me apresentaria outra alternativa. Mas antes de apresenta-la, cochichou alguma coisa com o visitante, que até aquele momento eu não sabia quem era.  Depois virou-se para mim e falou baixinho: - “Quer fazer uma delação premiada?” – Olhei para o magistrado e respondi: -“Delação? Mas vou delatar quem?” – Ele disse:- “Qualquer um.” – “Qualquer um, quem?” – perguntei. - Ele então me olhou, com um olhar de falsa piedade, balançou a cabeça negativamente e falou mais uma vez: - “Você poderia se livrar...” Mas, virando para o lado, segredou alguma coisa com o visitante. Esse deu um sorriso e me apresentou uma ficha de filiação partidária. Esfreguei os olhos e vi uma estrela vermelha na ficha de filiação. Caí na hora desmaiado. Foi um golpe muito forte. Acordei horas depois num hospital psiquiátrico. Continuo, hoje, em tratamento vigiado. Tento vislumbrar um futuro. Mas só vem à cabeça a eleição, a qual eu esqueci-me de participar. E tento não externar meus pensamentos. Falo baixinho pro meu travesseiro: por que sou obrigado a votar, se estou numa democracia? Não tenho resposta e durmo.
                                                         fim

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