NUMA ELEIÇÃO, EM UM PAÍS DEMOCRATA
- NUM PAÍS DO FAZ DE CONTA -
- José Timotheo -
Senhor
Juiz, eu sou culpado. Pode me condenar.
Posso
relatar o que aconteceu? Então eu vou contar o que houve. Eu me pré-julgo.
Posso confessar que passou de mero esquecimento. E eu sei que o esquecimento
merece pena máxima. Mas de antemão posso adiantar que não suportarei a punição.
Prefiro a pena capital. Mas, continuando... As eleições se aproximavam. A
preocupação batia à minha porta. E consciente da minha obrigação, como bom
cidadão e cumpridor dos meus deveres, iniciei uma procura minuciosa de um
candidato que atendesse aos anseios da população. Coloquei adesivos nos postes
e até anunciei nas redes sociais pedindo ajuda para a escolha de um candidato
ficha limpa para o referendo de 2016. Prometi até um valor em dinheiro, no
“procura-se”.
Na
véspera das eleições, levantei cedo. Até aquele momento ainda não tinha chegado
nenhuma indicação para um voto que não agredisse a minha consciência. Senhor
Juiz, vou confessar aqui para o Senhor e para todos os jurados, que esse
problema de coluna que me faz quase beijar o chão vem do acúmulo de escolhas
equivocadas de candidatos nesses anos todos que me debruço nas urnas. São
muitos votos errados em cima dos ombros. Vou segredar para o Senhor: penso e repenso e ainda não consegui
encontrar um candidato certo. Minto, encontrei apenas um. Mas esse não foi eleito. E não vou dizer o nome dele, tendo em
vista que ele pode morrer de vergonha por ter sido candidato alguma vez na
vida. Continuando... Mas tinha esperança de encontrar alguém que fosse digno do
meu voto. O dia correu e eu não consegui nenhuma indicação. Resolvi pesquisar
nome por nome. Quase queimei o meu computador. Encontrei de tudo nas fichas dos
candidatos, menos a indicação de
moral ilibada. Sinceramente não vi ninguém com honestidade suficiente para
exercer um cargo público. Quase chorei. Pior que eu sentia que de cada
fotografia recebia um riso de deboche. Parecia que via uma sacola no ombro de cada um. Imaginava-as,
depois de quatro anos, bem gordas. E depois os via conversando nos bastidores
sobre o povo.
-“
Ingênuos! Estou gastando milhões, mais do que eu vou receber em quatro anos de
mandato, em troca de nada. Ingênuos! Quero essa grana toda, triplicada!” Vou confessar que tive vontade
de invadir a minha imaginação e falar umas verdades para eles. Mas desisti e
resolvi fazer uma investigação mais profunda. Podia ter pulado algum candidato. Quem sabe alguém podia
encontrá-lo para mim? Já pela manhã, no dia
da eleição, levantei-me com a cabeça explodindo de dor. Tomei alguns
comprimidos para aliviar a enxaqueca. Quando consegui controlar a dor, já tinha
passado do horário de votação. Eu tinha esquecido! Sou um cidadão que sempre
cumpre com os seus deveres cívicos. Somos um país democrático e, por
conseguinte, somos obrigados a votar. Então eu não me perdoo por ter esquecido
a minha obrigação. E por sermos um país de democracia plena, serei punido por
não cumprir com os meus deveres. Logo estou aqui esperando pela minha
condenação. Calei-me. O silêncio tomou conta do tribunal. O juiz impávido
olhava para o teto. Não sei o que ele procurava lá. Acabei olhando também.
Tinha um espelho no teto onde ele se via. Arrumava a toga, mexia nos cabelos...
Estava elegante. Desisti de olhar para o alto, só me via com uma roupa de
condenado. Voltei o meu olhar para o júri. Cada jurado entregava algum papel
dobrado para um senhor. Pensei rapidamente: é a minha condenação. Depois
lembrei-me que não tive ninguém para me defender. E para acusação, tinha sido
eu mesmo. Eu não sei se naquele momento eu queria ser salvo, mesmo se pudesse.
Minha preocupação era a pena máxima.
O
juiz já estava com a sentença na mão. Bateu o martelo com força pedindo
silêncio. Mas o único barulho era o martelo e a sentença. Abriu o envelope. Leu
e sorriu. Os jurados aplaudiram. Com um gesto, parecendo que regia uma
orquestra, ficaram todos em silêncio. Levantou-se e proferiu a minha pena.
–“O senhor, por um ato de rebeldia, contra a nação brasileira, será punido com
a pena máxima. Mas – depois de um Oh!!!, numa breve interrupção, voltou a
falar. – como somos justos, daremos duas alternativas de cumprimento da pena.
Primeira: o condenado fara serviço comunitário, numa comunidade da sua escolha,
tentando trazer para o bom caminho a escória da sociedade que vive única e
exclusivamente do tráfico de drogas. A outra, segunda: o condenado prestará
serviço comunitário no senado federal. Cuidará única e exclusivamente da
limpeza de todo o senado. Sendo essa escolha a mais tranquila, pois sendo lá um
antro, digo o lugar das pessoas mais honestas desse país.”
...Continua semana que vem...
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