terça-feira, 21 de setembro de 2021

Coisas da Pandemia - Parte 2

 


 Continuando...

            Imaginei que ele nem piscava ao olhar aquela torrente. E nem se importava com a lua que brilhava no meio de algumas nuvens esparsas. Nem sei se ele percebia a sua claridade, misturada com a de uma lâmpada um pouco distante, que tremeluziam na lâmina d’água, juntamente com a sua sombra. De repente ele se arriou, sentou-se na curta calçada e começou a tirar os sapatos. Colocou-os cuidadosamente encostados na mureta. Depois se despiu ficando apenas de cueca. A camisa e a calça, dobrou-as com zelo e colocou-as em cima do par de sapatos. Olhou para o céu e deu de cara, por alguns segundos, com a lua. Em seguida escalou a mureta e ficou em pé. A princípio equilibrava-se firmemente, mas depois começou a se balançar levemente. Parecia que ia cair. Nesse momento eu fiz um psiu. Depois um “ei”. Ele olhou para um lado e depois para o outro, procurando de onde tinha vindo o som. Como eu estava numa parte sem luminosidade, ele não conseguiu me ver. Então caminhei mais um pouco em sua direção e fiquei numa região um pouco mais clara. Me viu. Mas como ele apenas me encarava, sem nada falar, eu tomei a iniciativa.

          - Você está parecendo um panaca, aí em cima, quase pelado, pronto para se jogar nesse rio sujo e gelado. Está querendo morrer? Pra quê?

           Ele então respondeu-me rispidamente:

          - Problema meu! E panaca é a sua mãe! Vou me jogar aqui e resolver todos os problemas da minha vida, num mergulho só!

          - Engano seu. Você não sabe de nada! É um panaca mesmo! Não vai conseguir resolver problema algum da sua vida, assim.  Quem disse isso pra você, é outro panaca.

           Ele me olhou, a princípio em silêncio, mirou-me de cima a baixo, por alguns segundos, e depois desceu da mureta cheio de atitude.

           - Quem é você, hein cara? Não se intrometa na minha vida, não!

           - Meu nome não interessa! Eu estou morto! E estou me lixando pra sua pobre vida!

           Olhou-me com os olhos arregalados. E aproveitando o seu estado de choque, continuei a falar.

           - Cara você me deu muito trabalho para me fazer visível! Eu estava passando por aqui, porque essa região do planeta me é muito agradável, me traz muitas recordações boas, aí te vi aqui querendo manchar esse lugar tão lindo, parei. Nesse momento, você não vê, mas essa ponte está cheia de mortos que torcem pra você pular. Se você conseguisse ver a cara de alguns, era capaz de morrer de susto, aí já evitava o seu tresloucado desejo.

          - Mas você está morto mesmo? E tem essa porção de gente morta aqui perto de mim? Eu nunca acreditei nesse negócio de gente morta voltar. Pra mim morreu, acabou.

          - Tem muita coisa que você não sabe. Ou melhor: você não sabe de quase nada. Eu sei que você está querendo morrer, porque está com medo. Olha só que burrice! Quer se suicidar porque está com medo de morrer de covid, não é isso?

          - Como é que você sabe?

          - Eu sei. Mas como é que fica a sua família nessa história? Vai ficar péssima. Você vai e deixa a sua imagem de covarde. E o pior que você vai sofrer o diabo lá do outro lado. Os pensamentos de dor da sua família, vão atingi-lo aonde você estiver! 

.........Continua semana que vem!

 

 

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