quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Emoção Total - a estória

EMOÇÃO TOTAL  
                                   A estória

          Já era quase quarta-feira de cinzas. O carnaval, na terça-feira gorda, trazia novos amores e também se despedia de velhos... Eu já estava cansado de carnavais. Essa era a verdade. Tentava me divertir, mas não conseguia. Não tinha mais empolgação e me arrastava dentro do salão do clube. De repente era porque o carnaval já estava indo embora e eu ainda não tinha conseguido o meu amor. Talvez. Talvez. –“Quantos risos! Oh! Quanta alegria!” – a marcha rancho de Zé Keti, já enchia os corações de saudade. Tocou o meu também. Pra fazer logo as lágrimas rolarem, só faltava mesmo “Cidade Maravilhosa.” Aí ia ser um deus nos acuda! Tive certeza que o meu carnaval estava entortando. Ameacei dar alguns pulos, para ver se não contaminava a empolgação dos outros, mas o meu ânimo já tinha tirado a fantasia. Então resolvi antecipar o encerramento da minha festa. Conclui que o meu carnaval já estava desbotado. A cor, o brilho, a alegria já estavam se despedindo antes do final da festa. Seria torturante ouvir “Cidade Maravilhosa”, fechando a cortina de momo. Peguei minha tristeza, já que ninguém tinha culpa nenhuma, e fui pra  rua. Pelo menos uma coisa de boa tinha acontecido: não tinha chovido durante todo o carnaval. Olhei para o céu e lá estava uma lua maravilhosa iluminando a noite. Aquela visão de um céu estrelado, com uma lua cheiona, deu um toque legal no meu final de carnaval. Até os enfeites da rua ganharam um brilho especial. As coisas ali fora, estavam mais alegres do que lá dentro. Me encaminhei para a parada do ônibus. Estava tudo deserto. Enquanto esperava o ônibus, me sentei no meio fio. Me senti desconfortável. Me sentei na calçada e me encostei num muro. Olhei para o céu novamente: estava bonito de se ver e sonhar. Curti um bom tempo aquela beleza toda. Naquele momento ele era todo meu. De repente observei que a tristeza tinha quase ido embora. Mas eu não podia deixá-la sair completamente de perto de mim. Eu estava saindo de um carnaval quase em branco e isso eu não podia admitir. Tinha até rolado alguns “amassos”, mas o que eu procurava não era um ficar passageiro. Queria mais. Queria um Amor. Desde o início alguma coisa me dizia que aquele carnaval “Não ia ser igual aquele que passou”. Alguma surpresa o destino guardava para mim. Mas pelo jeito, até àquela hora não tinha acontecido nada, ela estava guardada a sete chaves. Já era mais de uma hora de quarta-feira de cinzas e o carnaval já tinha se recolhido. Mesmo as pessoas pulando desesperadas dentro do clube, isso não queria dizer que ainda era carnaval. O carnaval já era! E a minha intuição tinha ido para o brejo!
           No silêncio da noite ainda dava para se ouvir os sambas, marchinhas e marchas rancho. Coisa antiga, “tudo velho”! Eu gostaria de entender porque não existe renovação. Samba novo! Marcha nova! Um repertório novo ia cair bem! Não que as que ainda tocam sejam feias (isso não!), mas chega a um ponto que vão perdendo a graça. Você num salão de um clube, a orquestra se prepara e você já sabe o repertório quase todo de cor. Os instrumentos quase tocam sozinhos. Os músicos olham pra gente, dão um sorriso e lá vem “Ô! Abre alas...” Fala sério!   
           Vou voltando para a lua. Caminhava pela sua superfície. Sonhava e sonhava. Ela lá em cima pendurada. E o meu carnaval  no chão. Ele já tinha passado e a minha intuição tinha ido para o brejo. Parei de sonhar e resolvi ir embora. Não estava a fim de ouvir “Cidade Maravilhosa”, pela enésima vez. O ponto de ônibus continuava vazio. E eu também. Pensei: -“eu, o ponto de ônibus e a madrugada fazemos um trio e tanto!”
            Não tive medo de ficar ali sozinho. Naquela época quase não tinha esse negócio de assalto. Você andava mais tranqüilo pela rua. Essa época que estou me referindo, é lá no início dos anos setenta. Mas por outro lado, eu tinha que me preocupar com a polícia do exército. Se você estivesse sem documento, o bicho pegava. Você ia encana mesmo! E não tinha explicação que convencesse os caras. Eu podia não ter medo, mas, por via das dúvidas, tinha que me precaver. Seguro morreu de velho. Esse velho ditado é porreta. Então eu tinha que arranjar algum lugar para me esconder até o ônibus chegar, já que eu estava sem documentos. Devia ter deixado em casa. Mas era carnaval, droga! Os documentos e a policia que fossem às  favas!
           Caminhei de um lado para o outro, mas não encontrei nenhum lugar que fosse seguro. Caminhava sem muita convicção. Já não tinha muita certeza se ficaria ali mesmo ou se ia andando até em casa. O chato é que eu morava distante. Até chegar à minha casa levaria, no mínimo, duas horas. Para quem estava um bagaço, depois de quatro dias pulando, a idéia era péssima. O negócio era ficar por ali mesmo. Sentei, encostei-me na parede e estiquei as pernas. Não havia encontrado mesmo nenhum lugar para me esconder! Então ali fiquei não sei quanto tempo. Acho até que cochilei. Mas com certeza o ônibus não passou. Alguma coisa me despertou a atenção. Parecia alguém choramingando. Só ouvi mesmo, porque era de madrugada. O silêncio era quase que absoluto. Tirando grilos, sapos... Alguém chorava baixinho. Me levantei e fui na direção de onde vinha o choro. Fui encostado do muro. No final fazia um L. Ficava um pouco afastado do ponto de ônibus. Mas valeu a pena. Encontrei escondidinha ali, uma princesa. Parecia uma princesa das arábias. Quando me viu se assustou. Eu só disse oi. Ela se levantou meio que na defensiva. Estancou o choro, disse um oi entre dentes e se afastou um pouco. Parecia mais velha do que eu. Mais velha, é modo de dizer! Era adolescente como eu! A mulher nessa fase parece que tem mais idade do que o homem. Parece mais madura. Mas pra quê me preocupar com a idade  dela?  O importante mesmo foi à visão majestosa que fez o meu coração disparar. Momentaneamente fiquei mudo. Só olhava. Naquela altura já estava babando. Ela então se desarmou um pouco e deixou escapar um sorriso. Viu que eu estava com a cara vermelha e percebeu a minha timidez. Mas qualquer um que visse uma deusa, numa madrugada de quarta-feira de cinzas, ficaria, com certeza, ruborizado. Entretanto consegui sorrir de volta. E por que não sorriria?
        Não sei bem como começamos a conversar. Só sei que estávamos sentados no meio fio. Falávamos livremente, debaixo dos clarões da lua, sem medo de nada. Logo, logo as nossas mãos, como que arrastadas por um imã, se entrelaçaram. A minha princesa ou deusa, ou deusa vestida de princesa, cravou os seus olhos nos meus, me deixando completamente abobalhado. Eles traziam um recado mudo, que sacudiam a minha alma, explodiam o meu desejo. Mas não era um desejo puramente carnal, não. Era um desejo de possuir corpo e alma. Um desejo de dividir e misturar os nossos sonhos. Compartilhar as suas alegrias e tristezas, com as minhas.  Fazermos parte da mesma esperança. Eu levantei e olhei aquele rostinho angelical. Ia perguntar por que ela chorava. Preferi engolir a interrogação. O momento era mágico. Estiquei o braço, peguei-a pela mão e puxei-a para junto do meu corpo. Abracei-a e levemente e beijei -a. Naquele instante subi aos céus. Acho que cheguei perto de Deus. Com certeza foi à oração mais cheia de amor que havia feito na minha vida. E me dei conta que a minha intuição estava se concretizando.
          Como duas crianças, corremos pela calçada. A lua continuava lá, agarrada aos nossos olhos, vigiando a nossa euforia. De repente o meu coração destravou e eu fiz todas as juras de amor num fôlego só, sem saber se ele ia agüentar tanta carga emocional. Respirei fundo e ela aproveitou para botar pra fora o que dizia o seu coração. Logo depois estávamos inundados de paixão. Esquecemos os possíveis perigos que pudessem interromper o nosso idílio. Percebemos então que éramos os donos da madrugada. Nada poderia atrapalhar aquele turbilhão de sentimentos que invadia o mundo que, naquele momento, era só nosso. Ríamos como ninguém jamais riu. E o nosso choro tinha tanta alegria, que o mais feliz dos homens se sentiria o mais triste dos mortais. E as nossas lágrimas se misturavam e cada gota era um pedaço de nossas almas que se fundiam. Ficamos ali curtindo o nosso amor-paixão. Nós nos amamos ali mesmo, com a lua e as estrelas como testemunhas.
             Senti que amanhecia. O sol chegou forte e me sacudiu. Despertei com um sorriso nos lábios. Me dei conta de  que ainda estava fantasiado. –“ Por que será que o ônibus não passou?” – Me fiz uma pergunta sem muita convicção. De verdade mesmo, eu fiquei feliz por ele não ter passado. Me virei para acordar o meu amor. Para minha surpresa e susto, ela não estava mais ali. Estaria eu apenas fantasiado ou fantasiando? Pensei um pouco a respeito e conclui que não importava. A minha intuição tinha colocado um amor nos meus sonhos e isso era o que importava. Eu tive um amor naquele carnaval!
              O ônibus chegou e me rebocou. Lá fui eu escondendo minha alegria, debaixo da fantasia. E já era quarta-feira de cinzas. –“... tudo acabado e nada mais?”
                                  
                                             fim

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