quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Boi Fujão - a estória


BOI FUJÃO
                                                                                A estória

          A fazenda do meu bisavô materno me traz muitas saudades. As lembranças andam a galope na minha cabeça. Parece que foi ontem. Elas ainda estão muito vivas. Hoje a fazenda nem existe mais. Dá até tristeza pensar nisso. Conseguiram transformar um lugar outrora bonito e agradável, onde a alegria galopava no lombo de cavalos belos e dóceis, num lugar deserto e sem vida.
         Morreram os donos e sepultaram com eles a esperança, a prosperidade e a alegria, que campeava em toda a terra. A bondade do meu bisavô era propagada pelos quatro cantos da cidade. Não se ouvia um boiadeiro gritar ou maltratar um gado. O único grito que se ouvia, soava como uma música: -“Ê boi! Ê boi!”- e com muita docilidade. Esse som ficou grudado dentro da minha saudade. Desde os meus dez anos de idade ele vagueia na minha cabeça. Nunca mais esqueci. O respeito pelos animais era de uma grandiosidade inimaginável. Qualquer animal que pisasse na propriedade era respeitado como qualquer ser humano que ali também chegasse. Bastava chamar o cavalo pelo nome que  ele se chegava. Era bonito de ver. Para uma criança então!
          Chegou um boi na fazenda, era um pouco mais do que um bezerro. Mas já era valente. E genioso pra cacete! Daqueles que derrubam peão até no pensamento. Ele não permitia que nenhum boiadeiro se aproximasse dele. Logo nos primeiros dias de sua chegada, pulou o cercado, onde estava sozinho, e foi arranjar encrenca com um touro zebu reprodutor. Boi muito respeitado, mas dócil. Os boiadeiros conseguiram afastá-lo e ele foi amarrado. O meu bisavô foi comunicado do fato. E lá foi ele carregando o seu sorriso de sempre. Cigarrinho de palha num canto da boca, seu chapéu de boiadeiro e sua determinação. Quando pisou no curral, receberam-no respeitosamente. A sua simpatia e a bondade que saia pelos poros, amansava qualquer fera. Ele achava o homem mais difícil de ser domado, mas conseguia. Pelo menos enquanto estava trabalhando na sua propriedade. Depois que saia para o mundo ele deixava na mão de Deus.
          Meu bisavô ficou olhando para o marruá, em silêncio, durante um bom tempo. E ele de vez em quando mirava o meu bisavô. E a peãozada roia as unhas. A expectativa era grande. Mesmo sabendo da capacidade dele, a ansiedade tomava conta de todos. De repente ele jogou um sorriso nos lábios e foi se aproximando do touro. Falou alguma coisa na sua orelha, acariciou-o por algum tempo e pediu que desamarrassem a suposta fera. Os peões ficaram preocupados. Eles conheciam a fama dele domar qualquer animal. Da facilidade de se comunicar com eles. Desataram todos os nós e saíram rapidamente. O touro não se mexeu. Só ficou no cercado ele e meu bisavô. Algumas pessoas diziam que ele era bruxo. Mas se era, era do bem. O touro estava deitado no chão. Com um movimento de mão, ele foi se levantando vagarosamente. Nem parecia a tal fera de instantes atrás. Caminhou lentamente em direção do meu bisavô. Cheirou-o. Esfregou-se nele. Depois ficou parado do seu lado. Meu bisavô foi falando alguma coisa, que ninguém entendia, e acariciava-o. Nesse contato ele foi observando que o animal tinha marcas em várias partes do corpo. Com certeza tinha sido muito maltratado. Tinham tentado amansá-lo usando de violência. Pediu para que abrissem a porteira. Os peões ficaram assustados. Obedeceram, mas subiram rapidamente na cerca. A passagem estava livre para o touro. O pasto estava à sua frente. Meu bisavô foi caminhando até a saída e ele foi acompanhando. Ele só apontou para o manto verde que cobria todo o morro e o boi saiu em disparada para a liberdade. Chegaram a questionar a atitude do meu bisavô, mas ele, com a sua paciência, explicou o porquê do animal ser tão arisco e violento. Como ele tinha sofrido tantos maus tratos, ninguém conseguia mantê-lo no curral. Ele entrava em pânico e fugia. Então ordenou para que não mexessem com ele. Se quisesse ficar no pasto, que fosse respeitada a sua vontade. E se um dia ele resolvesse acompanhar os outros animais, que deixassem a porteira aberta.
                  Os dias foram passando e o boi Fujão, nome dado pelos peões, se mantinha longe da manada. Tinha dia que ele se embrenhava no mato. Ficava por lá, de dois a três dias. Às vezes até mais. Pensavam até que ele tinha sumido. De repente lá estava ele de novo pastando. Isso já se tornara um hábito. Os boiadeiros já tinham até se acostumado com ele. Por sua vez, eu não tenho certeza se ele tinha se acostumado com eles também, ou simplesmente ignorava-os. Com o meu bisavô não! Só bastava ele se aproximar do pasto e lá vinha o Fujão. Era acarinhado. Depois fazia umas gracinhas para o meu bisavô e voltava saltitante para o pasto.
                Pela manhã eu ouvia os boiadeiros levando o gado, tocando berrante e gritando: -“Ê boi! Ê boi!”- e até hoje esse grito ecoa dentro de mim. A lembrança, sem cerimônia, deixa a saudade encher os meus olhos de lágrimas.
       
                                                Fim      
Em breve, a letra e a liberação da música no Myspace do compositor!          

Nenhum comentário:

Postar um comentário