quarta-feira, 20 de abril de 2011

Morena de Salvador - A estória

           A tardinha já estava pegando fogo. De um fevereiro que parecia um braseiro. Não sei não, mas a temperatura devia passar dos quarenta graus! Uma multidão se espalhava pela orla esperando o trio elétrico. Qualquer um que passasse o mundo desabava atrás. Parecia uma onda gigante que tomava conta do asfalto. E ia se esticando até o carro sumir e só ficar o rastro de gente. E logo vinha outro, e trazia no seu bojo mais uma multidão. As cores se misturavam e pulavam com qualquer som que pintasse. Era gente do mundo todo que se misturava com a morenice da Bahia. Dava gosto de ver!
            Aquele carnaval estava escaldante. Nunca se tinha visto um carnaval mais quente do que aquele. Mas quem se importava com isso? O vento estava lá para lamber o ardor da pele; a cerveja pra refrescar a barriga e entortar a cabeça, e, a música, para embalar a alma. Eu não tinha tido coragem para entrar no meio dos foliões, preferi ficar curtindo a alegria de longe. Só via aparecer um trio atrás do outro. Era música para qualquer gosto. Eu estava recostado numa árvore há não sei quanto tempo.  Se alguém estivesse prestando atenção em mim, com certeza iria achar que estava segurando um porre. Ou talvez amparando a árvore para ela não tombar. Ia depender também do observador. Ele poderia estar bêbado. Mas por que alguém em pleno carnaval de Salvador iria se preocupar comigo?
             A lata de cerveja estava na minha mão, encoberta por algumas folhagens, já que estava além de recostado, também abraçado ao mirrado tronco. O mirrado não é pejorativo não. O arvoredo era jovem, mas, com certeza, forte. Para agüentar o meu peso, tinha que ser resistente.
             Um trio passou bem próximo, estrondando. Até o chão balançava. Eu tinha a sensação de estar sendo jogado para cima. Mas me agüentei firme no arvoredo. Ele arrastava uma multidão. Era muita gente dançando Axé. A turma parecia que tinha mola nos pés. Não ficava um parado. Eu aproveitei que o som me jogava para cima e ensaiei um pulo. Até que pulei, mas dei uma porrada num galho que estava um pouco acima da minha cabeça. Então misturou a pancada com as três latinhas de cerveja que eu tinha bebido, aí eu fiquei bem zureta. Não era muito álcool, entretanto foi potencializado pela porrada. Só não cai, porque a árvore me segurou. E o trio elétrico passou que eu nem prestei muita atenção. E a multidão continuava pulando. Mas o trio já ia longe.
               Pouco tempo passou e lá apareceu outro trio. Eu não tenho certeza se o pessoal dançava pela avenida com o som do trio que estava na frente ou do que vinha atrás. Já estava eu questionando uma coisa que não tinha a mínima importância. Eu não estava dançando, logo não devia me preocupar. Quem estava pulando não queria nem saber disso. Eles só queriam pular e pronto! Estava era bom! Ninguém perdia o passo! Até que resolvi dar uns passinhos, mas o arvoredo continuou me segurando. De longe devia ser uma cena cômica. Sorte que ninguém estava preocupado comigo. Não. Tinha uma pessoa que estava. Era um vendedor de cerveja. Um ambulante. Ele me ofereceu uma latinha, mas demonstrou preocupação, achando que eu estava de pileque. Dei minhas justificativas e acabei comprando mais duas. Ele me vendeu, mas não saiu muito convencido. Eu tive certeza que ele não engoliu a história da cabeçada no tronco. Mas me chamou de meu rei e saiu rindo da minha cara. –“Problema meu!” – pensei, mas não falei.
              De repente bateu um quase silêncio. Como poderia na Bahia haver silêncio no carnaval? Houve um espaço maior de um trio para o outro, por isso esse quase desaparecimento súbito do barulho e da multidão. Até pensei que estivesse acabando o carnaval. Mas na Bahia o carnaval não acaba nunca! E cinco latas não iriam me embriagar, ao ponto de encerrar os meus festejos! Era a primeira vez que eu ia ao carnaval baiano, logo, eu tinha que vê-lo de qualquer jeito! Eu não tinha o direito de fazer uma sacanagem dessas comigo!
              Enquanto pensava, um som forte foi se aproximando. Muitas vozes se espalhavam no ar. Parecia que estava todo mundo afinadinho com a cantora que pulava em cima do trio. Com seu vozeirão ela convidava todo mundo para cantar com ela. Esse tinha sido o que mais gente trazia no bojo. Era tanta gente, que acabaram ocupando o espaço que eu já estava me sentindo dono. Mas ninguém nem prestou atenção em mim. Eles só queriam mesmo era pular e cantar. O trio parou bem na minha frente. Os foliões já tinham tomado conta de todo o espaço. Aí mesmo é que eu tive que ficar abraçado à árvore.
              Em cima daquele monstro de caminhão, estava outra multidão. Não me lembro quem era a cantora. Deveria lembrar? Deixa pra lá! Também já não ouvia mais a música. Meus sentidos ficaram ligados em cima de uma morena, que parecia ser dançarina de Axé. Como dançava lindo! Fazia algumas coreografias com outros dançarinos. Fiquei fascinado. Meu coração disparou na hora. Tentei me desvencilhar da árvore e entrar no meio da multidão. A árvore até que me soltou. Senti que estava conspirando ao meu favor. Mas não consegui furar o paredão daquela massa humana. Enquanto eu lutava para furar o bloqueio, o trio voltou a se movimentar. Conclusão: praticamente não consegui sair de onde estava e infelizmente perdi o trio elétrico de vista. E para complicar mais a situação, outro trio chegou arrastando mais uma multidão. Aí mesmo é que o paredão engrossou mais e eu tive que me contentar em entrar na corrente humana e me deixar levar. E fui surfando na onda daquele mar de gente. Acabei saindo do asfalto e consegui chegar à areia da praia. Ali consegui escapar, mas não consegui mais encontrar o outro trio elétrico.
          O sol já ia alto. Eu perambulava por Salvador. Era um estranho no ninho. Não conhecia nada daquela cidade. Mas a esperança de encontrar a morena, me dava coragem e determinação na empreitada. Corria por ruas e ruelas. Eu sabia que era muita pretensão a minha, mas mesmo assim fui em frente. Andei feito um condenado por uma cidade meio deserta. Como eu poderia encontrar alguém naquela hora do dia, eu não sabia, já que a maioria estava dormindo. Entretanto, eu tinha que fazer alguma coisa. Perguntei aonde era a Igreja do Bom Fim. Depois da informação, parti para lá. Subi os degraus. A porta estava fechada. Ali mesmo na escadaria rezei para todos os santos. Fiz promessa e o diabo a quatro! Queria aquela morena. De tanto rezar, quase dormi no degrau. Estava na hora de voltar para o hotel. Estava precisando dormir um pouco. Mas achar o bendito hotel é que foi um martírio. Foi uma verdadeira “via-crucis” . Quando finalmente achei, mergulhei na cama do jeito que estava.
           A noitinha chegou e lá estava eu na mesma árvore. Acho até que ela me reconheceu. Parecia que estava de braços abertos a minha espera. Fiz o mesmo ritual do dia anterior. Abri logo uma geladinha e refresquei a minha ansiedade. Enquanto eu pensava na morena, passaram uns dois blocos. A orla já estava tomada de gente. Era folião do Brasil todo. E muito gringo também. E eu continuava lá no meu passinho. Estava até parecendo com esses gringos, sem qualquer intimidade com o carnaval. Mas aí ia uma diferença: eu não saia do ritmo.
            O cara do dia anterior, o vendedor de cerveja, passou, olhou pra mim e deu uma risadinha. Achei que era de deboche, mas não reclamei. Chamei-o e comprei umas latinhas. Ao sair o cara ainda teve a cara de pau de me sacanear. –“Aí meu rei! Não vai tomar outro porre não!” – Deixei pra lá! Carnaval em Salvador, não tem briga! Assim eu sempre soube. Aí eu sorri pra ele.
             Mas um bloco passou. E a morena nada! E passou até o carnaval.
E eu não consegui encontrá-la em lugar nenhum. Ela evaporou. Nem as rezas e as promessas adiantaram. Subi de novo as escadas da igreja. Alguém sugeriu que subisse de joelhos. Aí eu pulei fora. Só as rezas e as promessas já bastavam.
              No ano seguinte, lá estava eu. Fiz todo o ritual de novo e nada. A morena não saiu em trio elétrico algum. A árvore continuava lá. Agora estava mais alta e forte. Eu tive mais dificuldade em me apoiar nela. O vendedor era outro. Só me chamava de meu rei. –“Meu rei, vai outrazinha?” – Dessa vez quase que tomei um porre. E a morena não passou. Resolvi ficar de plantão sentado na rua. Mas de nada adiantou. Pensei em não voltar mais ao carnaval de Salvador. Pensei. Pensei. Mas preferi pegar carona na esperança e retornar no ano seguinte.

Galera, estarei postando em breve a música no myspace!! - 
http://www.myspace.com/josetimotheo
E estarei aguardando os comentários!!! Vejam se não me dão um chá de cadeira, tô querendo opinião da turma que lê, ouve e pensa!  (acho eu, que pensa! - rs.rs.rs.)
         
    

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