CONDE SULDOROSKI
- José Timotheo -
O sol já estava cansado de esquentar aquela manhã. O termômetro devia
estar chegando à casa dos 39° e ainda os ponteiros de um relógio de parede,
ensebado de gordura, suavam para se aproximar das 13 horas. Naquela altura a
piscina não conseguia abrigar nem mais uma alma viva. Eu e meus amigos – éramos
três – já estávamos de molho, desde as 11 horas, tentando aliviar o corpo e, de
uma forma ou de outra, ficarmos perto de algumas meninas. Mas tem sempre alguém
para tentar acabar com a paz. E esse alguém apareceu. Era um cara, com pinta de
dono da festa, acompanhado de duas meninas. Começou a reclamar, olhando pra
gente, e solicitou, com a maior cara de pau, que alguém saísse para ele e as
suas acompanhantes entrassem. Parecia que o cidadão sabia que éramos convidados.
O pedido tinha endereço certo: nós. Só faltou pular dentro d’água e jogar a
gente pra fora. Mas que culpa nós tínhamos da piscina ser pequena? E diziam que
era olímpica...Mas antes que pudéssemos passar algum tipo de vergonha, saímos
voluntariamente. Era a segunda vez que íamos ao clube. E queríamos voltar
quantas vezes mais conseguíssemos convites. Não podíamos queimar o filme. O
mais sensato era engolir o sapo. O cara ficou satisfeito. E ainda sorriu pra
gente. Mas nós o xingamos silenciosamente e fomos para a nossa mesa, torcendo para não ser confiscada. Fomos contrariados. Mas não tínhamos
outra saída. Éramos convidados, quase penetras. Sentamos e ficamos na nossa.
Não comentamos do ocorrido. O importante era que outras mesas próximas estavam
cheias de meninas. Isso era o que realmente importava. Ficamos de butuca em
cima. Mas parecíamos três caras invisíveis. Três adolescentes duros: essa era a
verdade! Entretanto, não podíamos perder a pose. Trocando em miúdos: tínhamos
que pedir alguma coisa. O garçom não tirava o olho de cima de nós.
Disfarçadamente, cada um contou o seu parco dinheirinho e chegou-se a conclusão
que podíamos esbanjar. Chamamos o garçom – o cara abriu o maior sorriso! -,
pedimos um prato de batatas fritas – era o mais barato – e uma cerveja. O cara
deve ter ganhado alguma aposta, feita com algum outro garçom. Com a rapidez que
ele nos atendeu, só podia ter sido isso, ou as batatas eram sobras. No mínimo o
outro disse – se não me engano, eram três – que dali da nossa mesa não sairia
nem um copo de água da bica. Mas o importante é que ele foi solícito. O pedido
foi feito e meia hora depois já estava na nossa mesa. Antes de comer fizemos um
trato: uma batatinha pra cada um a cada meia hora. A cerveja também tinha que
ser racionada. Tínhamos que beber bem devagarzinho. O negócio era impressionar.
Até pose nós fizemos, mas as meninas nem arriscaram uma olhadela pra gente.
Adolescente da minha época sofria!
O bate papo
corria solto. Um dos amigos era um exímio contador de piadas. Ficamos ali rindo
um bocado. Pelo menos desopilamos o fígado. E a batata e a cerveja continuavam
controladas. A batata já estava murcha e a cerveja, um purgante. Mas não
perdíamos a pose. Em hipótese alguma podíamos fazer cara feia. Tínhamos que saborear
entre sorrisos. De repente um dos amigos, o contador de piadas,
parou.
-“Não acredito! Não acredito!” – disse ele com uma entonação tal, que
fez a gente esticar o nosso olhar na direção que ele esticava o dele.
-“Olha só! Olha só! Aquele ali é o
maior 171 que conheço!” – falou ele, apontando discretamente para um cara que
chegava acompanhado de outro cara de terno. Vinha cheio de pose. Vestia alguma
coisa toda colorida, com um brasão em cima do coração, que lembrava muito um
agasalho para se proteger de um frio rigoroso, tipo de Moscou. Muito
espalhafatoso o cara. Mesmo chegando daquele jeito, ninguém deu pela sua
presença. Ia me esquecendo de um par de óculos preto que cobria quase todo o
seu rosto. O meu amigo custou a se recuperar do susto e voltar a falar da
figura. Esperou o cara arranjar uma mesa para aportar. De repente veio um
funcionário do clube e levou-o até uma bem localizada, que já estava com uma
placa indicando que estava reservada. E, estrategicamente, no meio da
mulherada. O cara parou próximo à mesa, enquanto o seu acompanhante, secretário
ou coisa parecida, puxou a cadeira e esperou que ele se acertasse e empurrou
para debaixo da sua bunda.
O meu amigo continuava só observando o cara. A minha curiosidade estava
quase berrando. Eu queria saber quem era a figura. Peguei o amigo pelo braço e
perguntei seco.
-“E aí! Quem é o cara?”
Sem desgrudar os olhos da figura enigmática, me respondeu quase
soletrando cada palavra e entre dentes.
-“Conde Suldoroski. Assim ele se “auto” batizou. O nome verdadeiro mesmo
é Agripino.”
-“Conde Sul... da onde?”
-“Suldoroski! – repetiu ele
lentamente.
-“É conde da onde? Não leva a
mal não, mas o cara é feio pra daná!”
-“Ele tem uma lábia danada! O que tem de feio tem de malandro! Não
adianta me perguntar de onde ele tirou esse nome, que eu não saberei responder.
Eu nem sei se esse nome existe! Agora vamos observar pra ver qual vai ser a
dele.”
........................Continua semana que vem....
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