segunda-feira, 10 de junho de 2013

Memórias de Jornalista II - O PASQUIM

O PASQUIM
- José Timotheo -
Na década de 1970 lia muito o jornal "O PASQUIM". Era uma necessidade alimentar. Tinha que encher o bucho de informação e humor. Não era só eu. O estudante, que já é, em sua maioria, um inconformado nato, um fazedor de transformações, um causador de mudanças na sociedade, caia de garfo e faca dentro daquele mundo "pasquiniano" Nem sempre se podia comprar um exemplar. Quando não se tinha, filava. Quando se tinha, emprestava. O jornal circulava. A gente sabia que era uma das poucas fontes que nos deixavam informados do que estava acontecendo no país. Outros jornais, que eram poucos, tentavam passar alguma coisa. Mas a censura estava lá de espada em punho. Só publicava o que a ditadura mandava. Quando escapulia alguma coisa, era um deus nos acuda. O bicho pegava. Eles queriam nos manter alinhados. A perseguição era implacável. Raramente, principalmente o Pasquim, não era apreendido. E lá iam seus diretores se explicar com a censura. Enquanto eles batiam, nós crescíamos. É igual a massa de pão, que quanto mais apanha, mas cresce. Queríamos saber mais. Quanto mais se esconde, mais a curiosidade é aguçada. Quem não gosta de olhar pela fresta da janela? Todo mundo tinha medo, mas se arriscava. Na realidade eles tinham mais medo do que a gente. Tinham principalmente, medo da liberdade. Ou inveja de quem gostava de ser passarinho. Se não perseguissem, talvez a história fosse outra.
No ano de 1973 comecei a engatinhar no jornalismo. Fiquei impressionado de como as informações chegavam. A maioria a própria censura botava no nosso colo, mas deixava bem claro que era proibida a sua publicação. E o jornal ficava de calça curta e o jornalista amordaçado. Alguns arriscavam, mas acabavam sendo chamados a dar explicações e às vezes, ficavam por lá e podiam até sumir. Era um perigo falar ao telefone, pois ele estava sempre grampeado. Ao ligar, você já sabia que não era só uma pessoa que ia te ouvir. No meio do caminho tinha muitos ouvidos de prontidão. A liberdade estava algemada.
A minha caminhada na imprensa foi curta. A música foi mais forte e me carregou. Entretanto o Pasquim continuava me fascinando. Estava vivo no meu dia a dia. Lia sempre. Mas jamais passou pela minha cabeça, que um dia eu fosse escrever alguma coisa nesse tablóide. O tempo passou e eu parei com a música. Não estagnei, mas deixei-a descansando. Como precisava me manter, voltei para a antiga profissão de desenhista. Retornei para a prancheta. Cai no meio de uma porção de gente inconformada. Alguns eu reencontrei, já que eu tinha trabalhado com eles no início de 1970. E outros, que tinham vindo de outros estaleiros. Lá eu conheci um cartunista: Gersus. Trabalhava num setor ao lado do meu. Estávamos sempre batendo papo. Um dia ele me mostrou alguns cartuns. Todos de primeira linha. Eu já conhecia o trabalho dele. Como lia sempre o Pasquim, não podia deixar de conhecer. E gostava muito. Estar perto do cara, foi muito especial. Um dia ele me perguntou se continuava escrevendo. Fiquei surpreso porque não tinha comentado a respeito. Alguém disse pra ele que eu era poeta. Respondi que sim. Então pediu pra ver. Mostrei algumas poesias, algumas crônicas, letras de músicas...O cara gostou. Depois me perguntou se eu não fazia algumas frases sobre política. Alguma coisa do dia a dia, mesmo que não fosse política. Em seguida abriu o jornal e me mostrou o formato de como seria. Era uma coluna chamada de "picles". Voltei para a minha prancheta e comecei a escrever. Levei duas para ele ver. Viu, gostou e me mandou fazer dez. No dia seguinte entreguei todas. Leu e, pra surpresa minha, disse que ia levar para o Pasquim. Não acreditei no que ouvi. Perguntei se estava falando sério. Me respondeu com um sorriso, que não estava brincando. Pegou o papel, dobrou e colocou no bolso. Depois acrescentou que iria ao Rio após o encerramento do expediente. Quando eu ia saindo, falou que se gostassem do material, sairia no jornal daquela semana. E não deu outra. A emoção foi imensa, quando vi o meu nome estampado no Pasquim. Olhava e continuava duvidando. O entusiasmo foi tanto, que escrevi mais algumas. E assim foi. Durante um período grande, mandava semanalmente dez frases. Quase toda semana cinco eram publicadas. Depois enviei algumas crônicas, mas essas nunca apareceram. Comentei com o meu amigo sobre a quantidade de material que mandava e que somente a metade saía. Falou que era assim mesmo. Acontecia também com ele. Acabou se acostumando. Se quisesse continuar, tinha que aceitar. Um dia fui receber o pagamento pelas publicações, ai aproveitei e perguntei sobre a "sobra de material". Não me deram definição nenhuma. Alguém, não me lembro quem, me disse pra deixar pra lá. De repente seria aproveitada em outra ocasião. Não gostei, mas aceitei. E, realmente, tempos depois vi publicados alguns dos meus textos sem constar como sendo de minha autoria...
Teve um fato marcante pra mim. Numa dessas publicações, tivemos o maior susto. O jornal foi apreendido. Ligaram para Gersus avisando do ocorrido. Ele me chamou e me colocou a par da situação. Estava apreensivo. Mandou me preparar que podiam nos chamar a qualquer momento. O bicho já estava pegando. Os diretores já tinham ido. A gente podia ir também e não voltar. Passamos o dia todo no maior sufoco. Quase no final do expediente o meu amigo recebeu outro telefonema, informando que já estava tudo resolvido. Os diretores do jornal já estavam de volta à redação. Não me lembro qual foi o número dessa edição. Só ficou registrado o medo que senti.
Depois do acontecimento, não sei mais quanto tempo por lá fiquei. Acho que isso não tem muita importância  agora. Importante mesmo foi a experiência que passei. Escrever no Pasquim foi um sonho realizado.
- Fim -

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