sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Isso Tudo Por Amor - a estória

Isso Tudo Por Amor
José Timotheo
Tem uma cena que não sai da minha cabeça. E já tem mais de trinta anos. Eu engatinhava no jornalismo, quando tudo aconteceu. Precisamente no Jornal O Dia, sucursal Niterói. Não devia ter mais de uma semana como "foca. Meu amigo e professor, o jornalista Mário, me chamou para acompanhá-lo numa ronda pelas delegacias de Niterói e São Gonçalo. Lá fui eu todo empolgado. Era a minha primeira saída com chance de alguma reportagem. No meio do caminho, antes de chegarmos à delegacia de Jurujuba, um comunicado, via rádio, nos levou para o bairro de Pendotiba, em Niterói. Mário que recebeu o chamado, só disse que era uma matéria quente. Não quis entrar em detalhes. Mandou o motorista pisar fundo. E lá fomos nós quase voando. Cochichou alguma coisa com o fotógrafo. Não deu para entender o que falaram. O motorista entrou por uma estrada de terra, com mais crateras que a Lua. Eu não consigo me lembrar que estrada era aquela. Eu só me lembro que andamos um bocado. Finalmente chegamos num sítio. O local já estava cheio de viaturas da polícia e alguns carros de outros jornais. Mário conversou com alguns jornalistas, seus amigos. E alguém apontou para um casebre. Ele voltou, chamou o fotógrafo, eu acho que o nome dele era Gilson, e me mandou esperar no carro, e foram para o barraco. Passado alguns minutos, voltaram os dois. Mário me mandou ir até o casebre. Perguntei o que fazer lá. Me respondeu apenas que era para eu fazer uma entrevista. Observei o olhar que ele trocou com o fotógrafo, tinha um sorriso escondido, mas fui sem questionar.
A minha inexperiência era tanta, que nem perguntei o que tinha acontecido ali. Eu confiava cegamente no meu amigo e isso bastava. Peguei papel e lápis e fui caminhando, despreocupadamente. O fotógrafo vinha do meu lado. Na porta do casebre, tinha um rapaz de cócoras. O rosto estava sujo de barro. Duas linhas sulcavam a sua face, descendo dos olhos até próximo do nariz. Os olhos vislumbravam o nada. Entrei no barraco. Quase morri de susto: lá estava uma cabeça de mulher fora do corpo, olhando para mim. Fiquei parado. Parecia que os meus pés estavam colados no chão. Procurei rapidamente tirar os olhos daquela cena terrificante. Para onde eu direcionei o meu olhar, encontrei algumas crianças abraçadas. Eram irmãos. Se não me falha a memória, eram cinco. Estavam mais assustadas do que eu. Só consegui sair dali, quando o fotógrafo riu na minha orelha. Saí voando e com um bolo na garganta. Encontrei próximo a porta, Mário e o motorista. Quando me viram, riram um bocado de mim. Mário me disse que era para eu me acostumar. Acostumar como? Perguntei ainda assustado. Continuou rindo, colocou a mão no meu ombro e me levou até ficar na frente do rapaz. Olhou para ele e perguntou porquê daquela violência toda. Ele sem levantar o rosto, apenas respondeu que foi por amor. Mário tentou mais algumas perguntas, mas ele não respondeu mais nada. Um parente seu que estava próximo, foi quem respondeu as perguntas.
Disse o motivo de tanta barbaridade. Eles eram primos, se não me engano. Contou que o patrão esperava ele ir para a roça, para poder se encontrar com a mulher dele. Eram amantes há algum tempo. Naquele dia ele voltou mais cedo e encontrou os dois deitados na sua cama. Esperou o patrão sair, entrou e matou com uma foiçada a mulher. Isso na presença dos filhos. Saiu. Fechou a porta, deixando a mulher morta e os cinco filhos presos com ela. E ficou ali de cócoras, aonde ainda se encontrava. Um policial que estava ali do lado, pegou-o pelo braço e levou-o para a viatura. Mas antes ainda perguntei o porquê dele ter feito aquilo. E ele me respondeu que tinha sido tudo por amor. E duas lágrimas despencaram dos seus olhos, pelo meio do barro que sujava o seu rosto.
Não tive coragem de olhar para dentro do casebre. Apenas mirei as crianças que já estavam sendo tiradas. Eram cinco pessoas que ninguém poderia imaginar em que poderiam se transformar depois daquela violência toda. Voltamos para o carro. No rádio, Gilberto Gil cantava "Xodó", de Dominguinhos - "Que falta eu sinto de um bem. Que falta me faz um xodó. Mas..."

- Aguardem a liberação da letra e da música no Myspace!!!


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