sexta-feira, 16 de março de 2012

Refiz Estradas - a estória

REFIZ ESTRADAS
                                               A estória

          Mochila nas costas; um par de tênis quase furado; um violão, que já havia perdido as cordas há muito tempo; um arrependimento mais afiado do que peixeira, que espetava o coração sem trégua e uma estrada que não tinha mais fim. Sempre a cidade mais próxima parecia que ficava no fim do mundo. Eu já duvidava do meu rumo.
          Há dez anos resolvi meter pé na estrada. Lá fui eu, minha mochila e o violão. Deixei tudo para trás. Ou eu não sabia realmente que havia deixado o meu amor. Ou quem sabe a cegueira da juventude colocou uma venda no meu coração. Às vezes temos que criar bolhas nos pés para nos lembrar dos sapatos. Quando a gente consegue despertar a tempo, é muito bom. Pior quando já é tarde e os pés se abrem em feridas. Não sei se já era tarde, mas descobri que o meu amor era aquela mulher que deixei na beira do caminho, dando adeus e molhando de lágrimas o barro vermelho do chão. Ainda me lembro do vento quente soprando os seus cabelos. Como era lindo de ver! Quase voltei. Mas eu tinha que procurar. Quando se duvida, tem que se cair na estrada. E foi o que fiz. Mas andei tanto que quase gastei os pés. Em cada cidade que parava, esperava pacientemente o meu coração disparar por alguma menina. Ele chegou a disparar algumas vezes, mas de medo. Tendo em vista que em alguns lugares que passava, quase sempre acontecia alguma situação de risco. O amor não estava ali. Me aventurei em alguns braços, entretanto não passou de aventura. Só aventura. E muitas de risco total. Aí a saudade começou a bater forte. Já ia completar dez anos de tropeços. Conclui que o amor estava de onde eu vim. Era hora de refazer o meu caminho. A estrada estava ali e era só eu retornar.
             Na minha saudade, eu comecei a vê-la de pé, cabelos ao vento e algumas lágrimas afogando os olhos. Não sei porque elas não escorriam mais. Mas tive a certeza que estava na hora do recomeço. Parti de volta.
             Finalmente, depois de muita caminhada, o lugarejo apareceu na minha frente. Estava tatuado numa placa. Eu sabia que teria ainda uns dois dias de chão e poeira pela frente. Mas a minha ansiedade corria mais do que eu. Tentei fazer frente a sua correria, mas ela era mais rápida. E lá já estava ela plantada no mesmo lugar que deixei o meu amor. Isso há dez anos. Mas acabei chegando com os meus sonhos, junto dela.
            Cheguei. A rua estava deserta. E pouca coisa tinha mudado na região. A não ser alguns nomes que estavam gravados nas tabuletas do campo santo, que ficava na boca da ruela. O resto parecia igual. Se bem que as casas estavam mais desbotadas. Careciam de vida. Muita coisa já tinha virado pó e outras já estavam a caminho.
             Caminhava ansioso debaixo de um sol escaldante. O barro parecia que estava mais vermelho do que antes. –“Alguém jogou sangue nele.”- pensei alto. Mas ninguém me ouviu. O meu pé queimava. Fui olhando casa por casa. Faltavam duas para chegar a minha. A minha? Depois de dez anos lá estava eu querendo a minha posse. Como todas as casas, ela estava também fechada. Hesitei um pouco antes de bater. Parecia uma cidade fantasma. Dei duas pancadas. Não demorou muito e a porta foi se abrindo lentamente. Apareceu um caboclo. Eu nunca tinha visto antes. Me olhou de cima a baixo, cheio de curiosidade. Antes que falasse alguma coisa, perguntei pela Maria das Dores. Fez cara de aborrecido, se virou nos calcanhares, bateu com a porta e sumiu. Eu desci para a rua e fiquei mirando a fachada da casa. Num piscar de olhos, lá estava Maria em pé defronte a porta. Mas aquela não era a mesma Maria. Mas era a minha Maria. Não esboçou nenhum sentimento por mim. Calada chegou e muda continuou. Apenas me olhou com um olhar vago. Os olhos acesos de outrora, estavam apagados. Só eu falei. Pedi perdão. Falei da minha descoberta, de que ela era meu único amor. Do meu arrependimento. Da minha solidão. Da dor que carregava de um lado para o outro na minha mochila. Uma dor inseparável. Finalmente pedi para me aceitar de volta. Ela me olhou. Apenas me olhou. Pensei: -“Como era gostoso o nosso amor.” E ela de novo apenas me olhou. Me olhou sem olhos. Não existia mais olhar. Não existia mais a minha Maria. Ela passou pela porta. Mas não existia mais porta alguma. Só existia mesmo o sonho e a estrada empoeirada. Além de uma placa: Maria das Dores: Saudade.
                                         fim

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